Defende Máximo Dias no programa especial sobre o pensamento político de Samora Machel
Num programa especial transmitido ontem pela STV, o activista político e antigo deputado da Renamo-União Eleitoral, Máximo Dias, disse que muitos políticos actuais fugiram à letra dos ideais de transparência defendidos por Samora Machel, por isso, estariam neste momento na cadeia. Para Miguel Mabote, os políticos actuais não precisam encarnar Samora Machel, mas apenas buscar inspiração. Já António Hama Thai, general na reserva, defende que as aldeias comunais promovidas pela Frelimo tinham em vista o desenvolvimento rápido de infra-estruturas.
Se Samora Machel estivesse vivo, muita coisa teria mudado e muitos governantes actuais estariam na cadeia.
Esta é a tese que Máximo Dias, activista político e antigo deputado da Assembleia da República, defendeu ontem, num programa especial dedicado ao pensamento político de Samora Machel, transmitido pela STV.
Parafraseando Máximo Dias, os ideias de transparência e de combate à corrupção não estão a ser assumidos devidamente pelas actuais lideranças políticas. Segundo ele, “alguns entendem que ‘eu já libertei o país, neste momento devo libertar-me a mim mesmo’”, e cada um começa a tomar a sua própria decisão para enriquecer.”
A opinião de Máximo Dias enquadra-se na visão de muitos cidadãos moçambicanos que vêem em Samora o exemplo de um presidente comprometido com a transparência.
Reeducar não é problema, mas executar sim
Ainda neste debate, e respondendo a uma pergunta do moderador do debate, o político criticou a decisão da Frelimo, na altura, de se enviar aos campos de reeducação todos que fossem achados vagabundos, prostitutas e marginais. Para Máximo Dias, essa decisão abriu espaço para que muitos moçambicanos fossem executados, ao invés de serem reeducados.
Para o político, “reeducar não é problema, mas executar sim.” E apontou como problema dos campos de reeducação o facto de os guardiões dos mesmos terem dado um tratamento desumano, que violava todo o espírito da reinserção social dos chamados marginais na época. “Os que iam reeducar precisavam também de ser reeducados”, disse Máximo Dias.
Para outras figuras envolvidas no debate, a medida sobre a reeducação não foi tomada de má-fé. Segundo eles, esses campos foram importantes enquanto formas de resolver não só o problema de desemprego, mas também para reabilitar socialmente as pessoas. As fontes reconhecem, contudo, que nem todas as pessoas entenderam o espírito e a finalidade dos campos de reeducação.
O porquê da limitação de circulação
As famosas guias de marcha foram também chamadas à memória.
Se muitos analistas políticos as apelidam de “um erro da história”, o debate de ontem não as poupou.
Entretanto, Amós Mahanjane, antigo combatente, disse ontem ter sido uma decisão inteligente tomada pela Frelimo nessa altura, uma vez que a independência de Moçambique não agradava a todos. “Os portugueses não trouxeram a independência de bandeja. Era preciso exercer um controlo tal e uma vigilância, porque o inimigo não se tinha rendido, queria perturbar a ordem. É por isso que criámos vigilância”, disse Mahanjane.
Assim, na visão da fonte, a existência de um grupo de portugueses que almejavam que o colonialismo se perpetuasse em Moçambique exigia uma mão forte do Estado, daí a necessidade de se controlar a circulação das pessoas.
Por outro lado, António Hama Thai, general na reserva, explicou a essência das aldeias comunais como tendo sido uma decisão que se enquadra no desenvolvimento do país, pois aceleraria a construção de insfra-estruturas e, por consequência, do desenvolvimento desses locais.
Para Hama Thai, segundo o qual os ideais de Samora Machel são também os da Frelimo, “muita gente fala de aldeias comunais e não entende o que é isso. O que se pretendia eram as infra-estruturas e a ideia das aldeias comunais era exactamente essa.”
Actuais Políticos não precisam de ser Samora em pessoa
A paixão pelo carisma do primeiro presidente de Moçambique independente foi ontem questionada pelo presidente do Partido Trabalhista, Miguel Mabote.
Para este político, os políticos não precisam de encarnar a pessoa de Samora Machel, mas apenas buscar o seu modelo e a sua inspiração.
“Há um problema de encarnação. Alguns defendem que os líderes actuais devem seguir tudo o que Samora Machel fez ou disse (...). Eu entendo que as pessoas não devem fazer isso,” disse Mabote. Mas porquê? O presidente do PT deu duas razões fundamentais: há coisas que Samora Machel fez no seu tempo que, na actualidade, seriam absurdas. “Eu não sei se as pessoas podiam aceitar que as crianças abandonassem as escolas e fossem ao plantio de arroz, mas Samora Machel fez isso.
Não sei se as pessoas aceitariam serem encaminhadas aos campos de reeducação, mas Samora fez isso também”, afirmou Mabote num esforço de provar que cada figura só se adequa ao seu tempo.
Há medidas que Guebuza evita tomar para encontrar os assassinos de Machel
Tendo como base a tese do Presidente da República, Armando Guebuza, na homenagem a Samora Machel, última quinta-feira, no Xai-xai, província de Gaza, o primeiro presidente de Moçambique foi assassinado pelo Apartheid. E questionou-se ontem o porquê de investigações se já se conhecem os autores da tragédia de Mbuzini a 19 de Outubro de 1986? Por que não se observam os procedimentos diplomáticos para levar à barra da justiça os visados na morte de Machel?
Em relação à essa questão, Máximo Dias defendeu que há falta de vontade política para a identificação das pessoas que mataram Samora Machel.
“O Presidente está interessado na investigação, mas há medidas que deve tomar e pode tomar, mas não as toma.”
O dossier do assassinato de Machel, lembre-se, está nas mãos do procurador-geral da República, sendo este quem deverá trazer futuras explicações sobre quem teria precipitado a morte do fundador da nação moçambicana. Mas até este momento nada já se disse.
“Vítima de acidente ou de conspiração?”
Para Miguel Mabote, Samora Machel foi vítima de Apartheid e nada, até ao momento, existe para fundamentar a tese de conspiração interna no país. “Até prova em contrário, Samora Machel foi vítima de Apartheid”, disse Mabote, evitando navegar em águas turvas. “Talvez o secretismo sobre a morte de Samora Machel interesse a estabilidade da África do Sul”, acrescentou.
António Hama Thai, apesar da sua posição proeminente na altura da morte de Machel, afirma nunca ter ouvido ou visto algo no país que deixava suspeitar a existência de uma onda de conspiração contra a figura de Samora.
“Eu mesmo estou interessado em saber quem matou Samora e seus outros acompanhantes. Apareceram muitas explicações, em livros, mas ainda não estou claro. Acredito que as pessoas encarregues de investigar estão a trabalhar e um dia nos dirão algo”, disse Hama Thai.
Por sua vez, Máximo Dias traz reflexões: “Antes de Samora viajar, não só falou com os militares, mas também com os jornalistas, e Carlos Cardoso foi um deles. Ele dizia: ‘estou muito preocupado, mas o povo moçambicano deve saber a verdade.” Pela ironia do destino, foi e nunca voltou. Assim, o povo moçambicano nunca soube a verdade.
Academia em homenagem a Samora Machel Máximo Dias lançou um desafio para os moçambicanos de boa-fé: contribuir dinheiro para que, até 19 de Outubro deste ano, se decida pela criação de uma instituição chamada:
Academia Samora Machel e vocacionada, especialmente, à promoção dos ideais de Samora Machel, nomeadamente: combate à corrupção, transparência, entre outras virtudes cuja remanescência hoje se questiona.
O PAÍS – 09.02.2011