Público - Terça-feira, 27 de Abril de 2004
Xanana não aceita a ideia de que houve precipitação na escolha da língua portuguesa como uma das línguas oficiais.
P. - A língua portuguesa é um factor de divisão em vez de ser um factor de união, sobretudo com os jovens formados na Indonésia?
R. - Sim. Como o próprio bahasa indonésio é um factor de divisão entre nós. Eu compreendo esses jovens. Falam, raciocinam, pensam em bahasa. O nosso tétum é muito pobre ainda, e não é do conhecimento também de todo o povo. As pessoas raciocinam na língua que mais dominam e isto provoca entre nós problemas de comunicação. Mas eu preferiria chamar-lhe não um factor de desunião mas de afastamento entre nós. O problema não é de dividir, mas de as pessoas não se sentirem confortáveis quando falam, uma vez que querendo expressar-se da forma mais fluida, se sentem impedidos de o fazer.
P. - Será que os senhores tomaram uma decisão precipitada ao escolherem também o português como língua oficial?
R. - Quando se fala de questões de interesse nacional não pode haver essa palavra. Umas medidas podem não ser bem aceites em determinado momento do processo, mas pouco a pouco as pessoas começarão a perceber. Dou-lhe um exemplo. Fui uma vez a uma localidade de Baucau onde havia grupos de teor político que criavam problemas. Um professor do ensino secundário, também pai, levantou-se para chamar a nossa atenção para a seguinte situação: os filhos vinham a ser ensinados em bahasa na primária, ele recebe só num ano o secundário, tenta introduzir o português e depois volta ao bahasa, porque os professores não sabem falar português. Então, pediu que eu transmitisse ao Governo esta medida drástica: correr com todos os professores que só sabem falar em bahasa. E assim se cumpre a Constituição. Levanta-se um jovem professor e diz: 'Está tudo errado. Eu não tenho culpa de não ter aprendido português. Eu não tenho culpa de ter escolhido esta profissão. Não aceito que corram comigo só porque não sei português. Não dá.' Emocionado, irritado, fez um discurso longo mas no fim disse-me assim: 'Senhor Presidente, nós temos a Constituição, e eu respeito-a. Não para correr connosco, isso alto lá. E por isso sugiro o seguinte: diga ao Governo para nos mandar a Portugal aprender o português. '
P. - Disse ao Governo?
R. - Sim, e o Governo respondeu-me: "o Presidente conhece o Orçamento..."
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