Devido ao excepcional interesse do seu conteúdo aqui deixo um link para as páginas de Carlos Mário Alexandrino da Silva, no Portugal em Linha:
http://www.portugal-linha.pt/opiniao/CAlexandrino/cronicas.html
dom | seg | ter | qua | qui | sex | sáb |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | ||||
4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 |
11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 | 17 |
18 | 19 | 20 | 21 | 22 | 23 | 24 |
25 | 26 | 27 | 28 | 29 | 30 |
« julho 2004 | Main | setembro 2004 »
Devido ao excepcional interesse do seu conteúdo aqui deixo um link para as páginas de Carlos Mário Alexandrino da Silva, no Portugal em Linha:
http://www.portugal-linha.pt/opiniao/CAlexandrino/cronicas.html
20:13 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
NOTAS DE LEITURA SOBRE A GUERRA E O COMÉRCIO LIVRE
DE FREDERICO DE LA FIGANIÈRE (*)
ANTÓNIO PALHINHA MACHADO E ANTÓNIO PEDRO MESQUITA
Sendo possível acabar com a guerra no mundo, estabelecendo a paz universal, o meio não consiste em aumentar os terríveis efeitos das armas de destruição, mas sim e unicamente em conciliar e ligar de tal modo os interesses materiais das diferentes nações, que eles apresentem uma barreira impenetrável contra quaisquer dissensões. (A Guerra e o Comércio Livre, p. 4)
1. Enquadramento Biográfico e Contextual
Frederico Francisco Stuart de la Figanière e Mourão, fidalgo-cavaleiro da Casa Real, é uma figura injustamente esquecida da cultura portuguesa do século XIX.
Desde logo, pouco se conhece da sua biografia.
Dos parcos elementos disponíveis, sabe-se que nasceu em Nova Iorque a 2 de Outubro de 1827, que se distinguiu como diplomata e publicista e que foi graduado em visconde a 25 de Maio de 1870. Não se conhece sequer a data exacta da sua morte.
Contudo, o seu trabalho, designadamente em economia política, que aqui consideramos, mereceria outro interesse, atento o facto de ser, sem contradição, o mais informado e consistente arauto do liberalismo económico entre nós e o mais precoce dos seus epígonos.
Entenda-se, pois, este contributo, breve e assistemático, como um primeiro exercício de restituição de um pensamento fecundo e de reabilitação de um autor imerecidamente ignorado.
Sem dúvida que o seu lavor intelectual vai mais além das estreitas margens sob as quais o consideramos aqui.
Na sua obra principal, A Liberdade e a Legislação vistas à luz da Natureza das Cousas, de 1866, encontramos todos os principais tropos do liberalismo oitocentista, na sua variante moderada e reformista, como o primado do indivíduo e dos seus direitos imprescritíveis sobre as formas de organização da sociedade e do Estado, a solidariedade irrefragável entre a igualdade civil e a desigualdade social, a importância do equilíbrio entre o elemento aristocrático e o elemento democrático, etc., mas também interessantes tomadas de posições acerca de tópicos controversos então em debate, como o municipalismo ou a organização do sistema eleitoral.
É, porém, especificamente no aspecto económico que hoje nos queremos deter.
Como é sabido, os pensadores liberais portugueses de Oitocentos são-no, em regra, também no domínio económico e, portanto, optam genericamente pela doutrina livre-cambista.
Herculano é-o decididamente.
Mouzinho não se debruça especificamente sobre a questão, mas a sua postura a respeito da propriedade rural é marcadamente liberal.
É essa desde logo a posição que expressa no Relatório do Decreto de 13 de Agosto de 1832, que consagra a emancipação da terra pela transformação dos forais em bens próprios dos donatários e onde se lê emblematicamente:
Sem a terra ser livre em vão se invoca a liberdade política.
E uma vez mais, quase dez anos passados, em estilo de epigrama parlamentar:
Sr. Presidente, parece-me indispensável para quem quer estabelecer a liberdade num país, estabelecer a liberdade do solo. Quando um homem está na presença de um facto de restrição, a sua alma faz-se restrita e pequena: é impossível que um homem seja morgado e não tenha na cabeça ideias mesquinhas; é impossível que um indivíduo seja foreiro e não tenha ideias mesquinhas na cabeça. (...) Por consequência, é preciso que a terra seja livre: demasiada terra temos escrava.
Mas o mais abalizado e desenvolvido contributo nesta matéria vem-nos precisamente do visconde de la Figanière, que é, simultaneamente, o mais original paladino do liberalismo económico no Portugal de Oitocentos.
Encontramos nele, a título de tese principal, a defesa do livre-cambismo como princípio indissociável e decorrência necessária do liberalismo político:
Na nossa sociedade, o princípio da liberdade individual existe e tem garantias; todos estão portanto no caso de concorrer para o equilíbrio das riquezas; para todos há um benefício no trabalho, benefício variável e que depende dos esforços do indivíduo; todos os homens prestam-se serviços reciprocamente e todos tiram o correspondente proveito. Neste princípio de liberdade, que abrange o de livre concorrência, está a salvaguarda da organização moderna; produz uma reacção contra os maus efeitos que, faltando esta condição, não deixaria de causar a acumulação das riquezas.
Esta tese é exposta no opúsculo A Liberdade e a Legislação vistas à luz da Natureza das Cousas (1866), mas sobretudo em A Guerra e o Comércio Livre (1854), que lhe é integralmente dedicado, dentro do espírito do seu objectivo confesso, que consiste em mostrar que “o princípio do comércio livre”, se for “adoptado lealmente por todas as nações”, é “o único meio de tornar impossível a guerra”.
Em conformidade, a doutrina aí preconizada é a de que a generalização do comércio entre as nações, na medida em que tenha por consequência a criação de interdependências estreitas, recíprocas e globais, é a única prevenção segura, e esta absolutamente eficaz, contra a guerra.
O argumento do ensaio é, resumidamente, o seguinte:
1. A influência do interesse recíproco é mais eficaz do que o sentimento de medo e do que o poder da persuasão na discussão da guerra entre as nações.
2. Assim, se for simplesmente possível “acabar com a guerra no mundo, estabelecendo a paz universal, o meio não consiste em aumentar os terríveis efeitos das armas de destruição, mas sim e unicamente em conciliar e ligar de tal modo os interesses materiais das diferentes nações, que eles apresentem uma barreira impenetrável contra quaisquer dissensões”.
3. Com efeito, suponha-se que duas nações estão “tão estreitamente ligadas nos seus interesses comerciais que uma não possa dispensar as produções que lhe fornece a outra sem terríveis consequências”. Neste caso, “se esta situação for recíproca, a guerra entre elas será quase impossível”.
4. Ora o modo de generalizar à escala mundial essa rede de interesses recíprocos é “o comércio livre, concepção grandiosa, nascida do génio enérgico e altamente positivo do século em que vivemos”.
5. Assim, na medida em que a maior parte dos “países da cristandade” são complementares do ponto de vista dos produtos que cultivam, extraem ou transformam, bastaria que cada país se dedicasse exclusivamente “àqueles ramos de indústria que lhe indicassem as condições especiais do seu território, abandonando todos aqueles cuja existência dependesse da protecção ministrada pelo sistema restritivo” para que “os povos, não podendo nem querendo prescindir de cousas que se lhes têm tornado necessárias pelo uso e não as achando em casa”, fossem “buscá-las fora”, generalizando deste modo o comércio, de que é um resultado “a dependência recíproca de todas as nações entre si”.
É certo que nem o núcleo fundamental da tese nem o argumento são inteiramente novas, uma vez que a importância do comércio internacional e o papel da paz na sua universalização constituem um legado essencial dos fundadores da economia política.
Mas a verdade é que a ideia de uma relação directa e necessária entre o comércio livre e a paz mundial, a antecipação da doutrina em prol da globalização e da crítica aos meios convencionais de dissuasão, designadamente por recurso aos arsenais de destruição massiva, são inteiramente novas, mesmo em termos da filosofia e economia políticas coevas.
Estes factos chegariam para fazer dele um pioneiro do pensamento político, dentro do campo teórico em que se inscreve, não fosse dever-se-lhe o mérito suplementar de ter sido ele, isolada e solitariamente, a introduzir a tematização e discussão destes temas em Portugal.
2. Notas de Leitura
Defende este pensador oitocentista, acabamos de o ver, que o comércio internacional seria o cimento da paz – na Europa, sans doute.
A tese é original, quando situada na época em que foi defendida.
Desde o século anterior, com Adam Smith, e, décadas mais tarde, com Stuart Mill e David Ricardo, o comércio internacional aparece no centro do desenvolvimento económico.
Mas nem mesmo Ricardo sustentou a relação directa e necessária entre comércio internacional e paz. Para todos estes autores, o caminho traçado pelo comércio internacional seria longo e levaria a muitas paragens, não sem antes proporcionar desenvolvimento económico e prosperidade a todos aqueles que conseguissem fazer prevalecer as suas próprias vantagens competitivas.
Uma dessas paragens seria, precisamente, a prevalência da paz entre os Estados porque, premissa de que não duvidavam, povos prósperos não se guerreiam. As teses sobre o imperialismo, ainda que distorcidas por lunetas ideológicas, aí vieram para demonstrar que entre a paz e a guerra havia mais que estômagos satisfeitos.
Esta ideia de que paz e prosperidade vão de par, fortemente enraizada ainda nos anos '60 (com a década para o desenvolvimento da ONU), suscita várias reflexões.
A primeira é a de ilibar os referidos pensadores da acusação de miopia (irremediavelmente burguesa, segundo Marx), se não mesmo de confiança cega em preconceitos vitorianos. Quem não tenha o hábito de pensar o futuro para mais tarde se rir das suas próprias ingenuidades, que atire a primeira pedra. Porque, nos primórdios da revolução industrial – esse solavanco que iniciou um processo de desenvolvimento sustentado, como hoje se diria – duas realidades se iam tornando cada vez mais nítidas:
1. Uma, as profundas diferenças em matéria de bem-estar e, em especial, a miséria daqueles que, arrancados à servidão da terra e desapossados de tudo, já não tinham economia de subsistência onde se refugiar.
2. A outra, a erosão das barreiras que, até então, tinham isolado o poder e a riqueza.
Na verdade, as mudanças de fundo não aconteciam tanto na possibilidade de acumular riqueza, pois isso era já comum desde a Baixa Idade Média, mas na protecção que o soberano passava a conferir, em geral, à riqueza acumulada, permitindo que ela fosse pacificamente obtida, pacificamente fruída e pacificamente transmitida.
Dito de outro modo, começava a ficar ao alcance de quem não beneficiava dos favores pessoais e imprevisíveis do poder soberano a oportunidade de acumular um património preferentemente não-fundiário e, em seguida, de iniciar uma linhagem que assegurasse a continuidade desse património.
É certo que, já antes, o jogo político passava pela trilogia: riqueza-poder-linhagem. Mas, até então, a riqueza era sobretudo fundiária, logo dificilmente divisível; a sua posse dependia principalmente do poder que exibisse quem a detinha; e a sua transmissão estava longe de ser facilitada (o regime dos morgadios revela, por antítese, como era difícil preservar e transmitir intacta a posse da terra).
O aparecimento de uma riqueza de raiz mobiliária que podia ser dividida facilitou as coisas – e, de algum modo, contribuiu para alicerçar o Estado de Direito, no qual o poder era cada vez menos uma vontade arbitrária e cada vez mais um corpo de regras gerais e abstractas, as iniciativas que levavam à acumulação de riqueza não conheciam entraves e as linhagens, agora de cavaleiros-de-indústria e de comerciantes-de-dinheiro, podiam ser iniciadas pacificamente.
Esta conjugação de afluência e de mobilidade social ascendente (em que o casamento desempenhou um papel fulcral, dando àqueles que só dispunham de riqueza ou poder recentes o acesso imediato a linhagens de longa data, e restituindo riqueza e poder àqueles que já nada mais possuíam excepto as suas linhagens) criou uma dupla convicção
Em primeiro lugar, só não ascenderia socialmente quem, de todo em todo, fosse despojado de mérito pessoal, quem fosse a excepção (daí as tentativas de Pareto, Walras, Jevons para provar a existência, já não de uma “mão invisível”, mas de um “óptimo social” indissociável da livre iniciativa).
Em segundo lugar, todos os que ascendessem seriam réplicas perfeitas daqueles que já tinham atingido a prosperidade (esta convicção ainda hoje persiste nas mentes bem-pensantes, como se a evolução social fosse um carreiro de formigas).
A conclusão de que a paz seria o resultado lógico da prosperidade seguia-se, como é bem de ver.
Uma outra reflexão leva-nos a detectar um erro de perspectiva histórica.
Na altura, não houve a percepção de que a prosperidade tinha ainda uma base eminentemente territorial (os processos industriais eram ainda rudimentares e os ciclos de produção demasiado curtos) e que, por esse facto, aumentaria com a ampliação do território que para ela contribuísse.
Foi a fase dos impérios coloniais, da expansão geográfica, do desenvolvimento económico extensivo e da formação de blocos económicos de cariz nacional, fase que veio revelar à saciedade como os prósperos podiam ter interesses divergentes, se não mesmo conflituantes.
Esta fase teve três andamentos distintos. Um primeiro, de alastramento, que não punha ainda em causa a premissa, levou as potências expansionistas a capturarem para os respectivos territórios de exclusividade povos e territórios periféricos, subjugando os interesses locais que se lhes opunham. Um segundo, de contenção, em que as potências expansionistas entravam em choques pontuais, por vezes muito violentos e quase sempre por entrepostos actores, nas franjas dos respectivos territórios de exclusividade (Guerra da Crimeia, Campanhas Afegãs e Guerra Russo-Japonesa, por exemplo). Por fim, o choque frontal entre potências expansionistas, visando a eliminação radical de competidores (Guerra Civil Americana, Guerra do Ópio e Grandes Guerras europeias; a Guerra do Pacífico foi iniciada pelo Japão como um segundo andamento, mas foi conduzida pelos Estados Unidos como um terceiro andamento).
A paz – aquilo que a simples prosperidade manifestamente não conseguiu garantir, como esses quase cem anos que se iniciaram com a Guerra Civil Americana demonstravam sem cessar – foi procurada pela ONU em diversas vertentes, uma das quais justamente o comércio internacional, através da OECE/OCDE, do GATT e, mais recentemente, da WTO.
A teoria sobre a contribuição decisiva do comércio transfronteiriço para a prosperidade mundial é abundante. Mas só muito recentemente o comércio internacional tem sido visto, não pelos teóricos da economia, naturalmente, mas pelos teóricos da política, como um instrumento da paz (de que as adesões da Rússia e da República Popular da China à WTO são excelentes exemplos).
Ora, neste aspecto, o visconde de la Figanière é de facto um percursor.
Todavia, tal como os pensadores que acima referi se equivocaram, por não terem visto com clareza todas as cambiantes da prosperidade, também este aristocrata se equivocaria se visse no crescimento do comércio internacional um indicador seguro da paz.
Uns não ponderaram devidamente o facto de as tecnologias conhecidas terem ainda um ciclo demasiado curto para fazer com que a malha das interdependências económicas se apertasse. E também descuraram o que significava uma distribuição demasiado desigual dos níveis de desenvolvimento económico e das matérias primas que os proporcionavam – cenário que incentivava a criação de áreas de exclusividade.
Ao outro, escaparia o facto de, sob a designação de comércio internacional, se acolherem realidades muito diversas: desde as correntes comerciais típicas do período de desenvolvimento extensivo (fluxos paralelos entre metrópoles e territórios exclusivos, pondo em circulação daquelas para estes últimos bens que incorporam tecnologias de ponta e capitais, recebendo, em retorno, matérias primas, bens produzidos com tecnologias rudimentares ou já maduras, e rendimentos de capitais) até aos padrões de comércio próprios de economias que se interpenetram em todas as fases dos respectivos processos produtivos e na movimentação dos capitais.
Só neste último cenário é que se pode admitir que um tal grau de interdependência “simétrica” faria com que qualquer agressor estivesse a dar um tiro no pé – na medida em que não conseguiria ficar imune aos danos que infligisse no seu adversário.
Este, aliás, um argumento forte para quem propugna pela globalização – pois só ela poderá conduzir a um cruzamento de interesses interestaduais de tal modo denso que seria insensatez rompê-lo.
Duas notas finais.
A tese do Visconde de la Figanière vem afirmar que, num cenário de intensas trocas de bens, serviços e capitais (e implícitamente de pessoas), não é sensato iniciar uma guerra – mas a arte da guerra é, justamente, a ciência da insensatez.
A insensatez pode, também, ser sensata – o que no caso da tese em apreço significa fazer a guerra sem a destruição do adversário, ou seja, mantendo intacta a capacidade produtiva do oponente e preservando os seus meios de pagamento internacional.
Não é preciso, portanto, grande imaginação para ver como, no quadro de uma economia global, a guerra poderia (poderá?) ser conduzida sensatamente. No entanto, nada disto diminui o mérito que a Figanière pertence por inteira justiça. Foi ele, como parece, o primeiro a ver que é preciso, no plano relacional, algo mais do que a prosperidade para nos aproximar, a todos, da paz.
Algés, Março – Junho 2003
20:01 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Cabo-verdianos em S. Tomé e Príncipe
www.asemana.cv 09/08/2004
O Ministro das Finanças, João Serra, confirmou a este diário que o Governo está empenhado em localizar o
paradeiro dos descontos obrigatórios que foram efectuados nos «magros salários» dos trabalhadores
cabo-verdianos contratados para as roças de S. Tomé e Príncipe. Para além disso, e segundo uma fonte dos
Negócios Estrangeiros, a Cidade da Praia vai «desenvolver diligências junto do Banco Central tendo
a vista a localização de contas desses cabo-verdianos no antigo Banco Nacional Ultramarino, em Cabo Verde». Acredita-se que foram feitos depósitos na Delegação desse banco em S. Tomé e transferências para Cabo Verde.
Segundo o livro do historiador português Augusto Nascimento «O Sul da Diáspora – Cabo-verdianos em
plantações de São Tomé e Príncipe e Moçambique», os primeiros 86 contratados chegaram a S. Tomé e Príncipe em Abril de 1864. Mas, «decorrido aproximadamente um ano sobre a chegada, os cabo-verdianos em S. Tomé e Príncipe clamavam pelo retorno à natal…».
Ainda de acordo aquele historiador, agora em entrevista ao jornal A Semana (nº 668, 02-07-04), os
cabo-verdianos naquele país do Equador sentem-se espoliados, já que hoje, na velhice, ninguém se
responsabiliza por eles, não obstante os descontos que fizeram para a previdência social ainda no período
colonial, depósitos esses que por altura da independência o governo português terá deixado nos cofres do tesouro são-tomense.
“Há que perguntar ao Estado de S. Tomé e Príncipe o que foi feito aos fundos dos trabalhadores. Estes
descontavam para um cofre no qual, por lei, ninguém podia mexer”, sugere Nascimento, para quem é preciso ter em conta o que diz o direito internacional para situações do género, já que os descontos foram feitos e depositados no BNU em São Tomé.
“Mas os problemas dos cabo-verdianos não é só isso”, alerta o mesmo historiador. “É o problema da
propriedade das terras, da comercialização do pouco que se produz, etc., porque não há em STP uma
mercantilização da vida, nem sequer há a possibilidade de uma acumulação que permita, depois, um
enriquecimento das pessoas. É tudo completamente diferente de Cabo Verde, o que é um paradoxo, como é
que um país pobre e seco como este consegue produzir e ter um mercado que funciona normalmente, enquanto em STP, onde a natureza dá tudo, nada disso acontece”.
A emigração para S. Tomé e Príncipe foi, na realidade, a forma que as autoridades coloniais encontraram para debelar a crise por que passava Cabo Verde, sobretudo, nos anos de grande seca. Augusto Nascimento relata que, a dada altura, Lisboa autorizou o governador de Cabo Verde a «transportar para S. Tomé e Príncipe até um milhar de indivíduos de ambos os sexos, empregando para esse fim todos os meios de persuasão».
Porém, longe de ter significado uma vida melhor, implícito em qualquer acto de emigração, a de S. Tomé
e Príncipe foi de desespero. Volvidos todos estes anos, o grosso dos cabo-verdianos nesse país encontram-se na mais absoluta miséria, conforme reconheceu o primeiro-ministro, José Maria Neves, há dias no debate do estado da nação. Daí o seu empenho em procurar dar uma vida melhor a esses cidadãos por
ele visitados, recentemente, aquando da sua participação na Cimeira da CPLP naquele país doEquador.
Um grupo de cidadãos já recebe uma pequena pensão do Estado cabo-verdiano, ao mesmo tempo que se procura outras formas de melhorar a vida da comunidade cabo-verdiana em S. Tomé e Príncipe.
22:56 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Lisboa - São cerca de 15 mil os indianos, supostamente naturais das antigas colónias de Goa, Damão e Diu, que aguardam actualmente que lhes seja concedida nacionalidade portuguesa, suspeitando-se que mais de metade destes casos sejam ilegais, uma vez que assentam na usurpação de identidades de pessoas já falecidas, adianta o jornal «Público» na edição desta segunda-feira.
No caso destas três cidades indianas, a lei portuguesa diz que os seus naturais, desde que nascidos até 1961, podem requerer a cidadania nacional. Porém, como as autoridades têm constatado, muitos destes indivíduos procuram nos cemitérios locais os nomes de pessoas que estariam em condições de pedir a nacionalidade portuguesa.
Com os elementos que recolheram, dirigem-se depois aos registos do país e solicitam certidões de nascimento, que, na maior parte dos casos, são passadas sem qualquer controlo, revela o diário. Em Portugal, foram já registadas diversas situações em que o mesmo nome é muitas vezes reclamado por duas e três pessoas.
Os dados dos 15 mil requerentes estão já a ser apreciados nos Registos Centrais nacionais, sendo igualmente alvo de averiguações por parte da Polícia Judiciária (PJ) e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), acrescenta o mesmo jornal.
Segundo responsáveis da PJ que investigam crimes de falsificação de documentos, a usurpação de identidade é um dos delitos mais praticados individualmente ou por grupos organizados, tendo em vista a imigração ilegal. A Inglaterra é o destino preferencial de muitos dos imigrantes ilegais que recorrem a documentação falsa.
(c) PNN - agencianoticias.com - 2004-08-23
22:59 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Público - 21 de Agosto de 2004
Por HELENA MATOS
A descolonização é o principal e quase exclusivo tópico da agenda política de Portugal nesse Verão de 1974, em que, recorde-se, o país está ainda muito longe do clima revolucionário das ocupações e nacionalizações que o há-de caracterizar meses depois. Antes pelo contrário, as greves são frequentemente apresentadas como reaccionárias pelo PCP e pelo MFA, sublinha-se mesmo que os trabalhadores portugueses são, na Europa, dos que usufruem horários mais reduzidos e mobilizam-se os trabalhadores para trabalharem um domingo, oferecendo o salário desse dia "à Nação". A revolução podia esperar. A descolonização não.
A expressão "acelerar o processo de descolonização" torna-se recorrente, após o 28 de Setembro, nas páginas dos jornais, na boca dos responsáveis, e alinhava-se, numa desconcertante harmonia, ao longo das colunas dos mesmos periódicos que garantiam, ainda em Novembro de 1974, que Angola teria direito a três deputados na futura Assembleia Constituinte.
Pura esquizofrenia é talvez a expressão que melhor define a forma como nesse Verão de 1974 os jornais portugueses acompanham o que acontece nas então colónias portugueses: celebra-se a sua libertação do colonialismo português e simultaneamente apresenta-se como positivo entregar os destinos desses povos e territórios a líderes não só fortemente antidemocráticos como até, em alguns casos, a movimentos recompostos na urgência da anunciada independência. A este título é exemplar o caso do MPLA que, precisamente há trinta anos, em Agosto de 1974, se reunia em Lusaca para "in extremis" conseguir apresentar um líder e sanar as profundas divergências entre Agostinho Neto, Mário de Andrade e Daniel Chipenda.
Com a mesma reverência com que durante décadas reproduziram as declarações de Salazar, os jornais portugueses enchem, nesse Verão de 1974, páginas e páginas com declarações oficiais. Mas com a diferença substancial de que já não existia censura. Nesse Verão de 1974, sem sombra de lápis azul a cortar-lhes alguma observação menos adequada, os jornais portugueses transformaram-se numa espécie de imenso "Diário da Manhã" (jornal de propaganda do salazarismo). Uma das traves mestras desta imprensa de propaganda é a tese de que África estava a ser libertada e quando alguma notícia sai desta versão oficial é evidente a dificuldade da nova classe política portuguesa em lidar com jornalistas que se assumam como jornalistas e não como amigos, companheiros ou camaradas. Recorde-se, por exemplo, a entrevista que Vasco Gonçalves dá à BBC em Setembro de 1974, e em que é patente o seu desconforto pela cobertura que a BBC fizera da revolta de Lourenço Marques: "A BBC era uma fonte de informação séria no regime anterior ao 25 de Abril. (...) Ora, aquando da rebelião em Lourenço Marques, a BBC deu guarida às afirmações, mentiras e calúnias que esse grupo de mercenários e criminosos atirava para o ar através do Rádio Clube de Moçambique, que tinha ocupado."
Antes pelo contrário, da imprensa portuguesa pouco tinha Vasco Gonçalves para se queixar. De facto, fora como "mercenários e criminosos" que sumariamente foram rotulados por boa parte da imprensa portuguesa aqueles que contestaram quer os acordos de Lusaca quer todos os outros acordos que definiram as condições da independência das colónias. Nesta linha mais de propaganda do que de informação, os jornais portugueses, ao mesmo tempo que faziam títulos como "Libertar o povo de Cabo Verde das grilhetas colonialistas", atiravam, para o final destas empolgadas notícias, umas breves e veladas referências à contestação pelos cabo-verdianos desta independência que os amarrava à Guiné. Mesmo questões simbolicamente tão importantes quanto a reabertura do campo de concentração do Tarrafal são votadas ao silêncio. Aliás, não deixa de ser significativo que ainda hoje raramente se refira que o Campo do Tarrafal, encerrado pelas autoridades portuguesas em 1954, foi reaberto por essas mesmas autoridades, após o 25 de Abril, para aí serem internados vários cabo-verdianos que se opunham ao PAIGC. Note-se, contudo, que o destino destes presos foi apesar de tudo melhor que aquele que foi reservado aos comandos guineenses que haviam integrado o exército português: enquanto estes presos cabo-verdianos do Tarrafal vieram para Portugal, em 1975, com as últimas tropas portuguesas, o fuzilamento foi o destino de muitos dos comandos guineenses.
Os portugueses não queriam ver estragada a sua festa e estavam dispostos a fechar os olhos àquilo que a conspurcasse. Inicialmente Lisboa não quer ouvir falar de ponte aérea entre as antigas colónias e Lisboa. A própria ajuda internacional para os refugiados começa por ser recusada com receio de que imagem de Portugal seja prejudicada.
Enquanto eles não se deitaram à espera de nada no aeroporto da Portela, enquanto não se lhes viram os filhos brancos, pretos e mulatos, enquanto não se lhes viram as mãos e o rosto marcados pelo sol de África, foi fácil estigmatizá-los na figura do grande explorador racista, de chicote na mão. E uma vez chegados a Portugal, muitos deles vão conseguir mais facilmente um subsídio ou alojamento pago pelo Estado português em hotéis de luxo do que inscrever-se num sindicato ou ter acesso a um emprego nas empresas nacionalizadas. Eles não podiam ter sido simples trabalhadores. Eles tinham tido de ser capitalistas. Há escolas em que se aprovam moções contra a admissão de professores vindos das ex-colónias dado o seu reaccionarismo.
Como claramente intuiu Gabriel García Márquez nas reportagens que, em 1975, faz em Portugal: "Uma má solução em Angola obrigará ao regresso a Portugal de 600 mil colonos ressentidos, que irão reforçar as fileiras da reacção e criar conflitos económicos."
Empenhado e militante, Gabriel García Márquez sabia que esses refugiados, a que ele chama não por acaso "colonos ressentidos", serão um forte borrão de dor nesse universo festivo que ele e tantos outros jornalistas desenhavam da revolução dos cravos. Dessa revolução em que se usaram flores em vez de balas. Em que não houve vítimas...
Quando eles chegaram, estragaram a festa. No desespero que traziam estampado nos olhos, os portugueses viram o reverso das utopias libertadoras. Desconheço se a imagem dos seus caixotes arrumados ao longo do Tejo terá contribuído para que algumas chefias militares e políticas que tinham fechado os olhos à catástrofe da descolonização resolvessem dar por encerrado o PREC.
Mas independentemente dos motivos que tenham detonado as acções de cada um dos protagonistas, encontramos um bizarro fio teimando em ligar a agonia do Império ao destino de Portugal: catorze dias depois de o alto-comissário português em Angola ter entregue simbolicamente o poder ao povo angolano tinha lugar, em Portugal, o 25 de Novembro. A festa acabara em Portugal. Em África, a farsa podia continuar. Jornalista
13:30 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Dizem alguns políticos e até historiadores pós-25 de Abril que Portugal estava sem possibilidades de continuar a guerra de África, ou conseguir uma outra solução mais justa para todos, porque as finanças portuguesas estavam falidas.
Sendo assim, gostaríamos de saber o que foi feito do "nosso ouro":
- Em 1973 tínhamos 865.963 toneladas de ouro livres de ónus;
- Em 1974 foram, após o 25 de Abril, vendidas 92.563 toneladas, ficando livres de ónus 773.400 toneladas;
- Em 2003 só tínhamos livres de ónus apenas 172.657 toneladas de ouro, de um total de 517.160 toneladas, o que significa que entre 1974 e 2003 foram vendidas mais 256.240 toneladas de ouro, estando 344.503 toneladas não livres.
E, após a adesão à CEE (UE), foram muitos os milhões que entraram em Portugal.
Quem terá a coragem de explicar ao povo português a quem serviu a venda deste ouro e onde foram aplicadas as receitas destas operações?
21:50 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
vertical nº 632 de 11.08.2004
Macutini – Francisco Rodolfo
EX-COMBATENTES MOÇAMBICANOS NAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS ACABARAM MESMO POR “CHUCHAR” DEDO?...
É terça-feira de manhã, dia 10 de Agosto. Recebo um telefonema da Maxixe, Província de Inhambane, uma das províncias moçambicanas que não sofreu da guerra colonial, mas tinha muitos filhos na frente de combate.
Estou deste lado da linha:
- “Sr. Rodolfo, alguém deu-me o número do teu telemóvel. Estás a ver a notícia?”
- “Qual a notícia? Agora são 6:10 horas, ainda estou a dormir. Estou a escutar o Emílio Manhique, como habitualmente. – respondi. “Não é meu hábito ver o “Bom Dia Moçambique” da nossa TVM”.
- “Veja então, a RTP-África. Não tem esse canal aí?” – questionou.
- “Tenho todos os canais, porque estou ligado a TV-Cabo”- respondi.
- “Então, veja os noticiário. Lá em Portugal, o Governo português anunciou que vai pagar os euros aos ex- Combatentes moçambicanos nas Forças Armadas Portuguesas que combateram nas antigas colónias”. – explicou-se ele.
- “O actual embaixador de Portugal em Moçambique, esclareceu que os ex-combatentes moçambicanos não vão ser contemplados. Não têm direito”. Mandou uma nota ao “Vertical”, em reacção ao meu “Macutini” na vépera da visita do Dr. Durão Barroso, em Moçambique.
- “Quer com isso dizer que os «EX-COMBATENTES MOÇAMBICANOS NAS FORÇAS ARMADAS PORTUGUESAS QUE ESTIVERAM NO ULTRAMAR ACABARAM POR ‘CHUCHAR’» O DEDO?” – questiona meio nervoso, o meu interlocutor, já que ligou do telemóvel.
- “Como é que o Consulado Geral de Portugal recebeu-nos os documentos, sabendo que «eram brincadeiras?» O tipo larga os seus afazeres e vai aí no Maputo, para brincarem connosco na «bicha» do Consulado Geral de Portugal?” – questiona ainda.
Não sei qual é a posição do actual Governo de Portugal, chefiado por Santa Lopes, mas Durão Barroso durante a visita a Moçambique, defendeu a posição de que “nada há a pagar”.
Depois do esclarecimento do Embaixador de Portugal em Moçambique, um ex-combatente disse-nos:
- “O Dr. José Manuel Durão Barroso, Primeiro Ministro português, não avalia o quanto andou um indivíduo no mato 4 anos, porque ele tinha 18 anos quando se deu o 25 de Abril em Portugal. Pensa que a «pretalhada» não tem direito”. – desabafou.
Expliquei que estão abrangidos os moçambicanos que, embora tivesse nascido em Moçambique, são de raça branca, mesmo que estivesse na situação dos negros. A medida é para todos, retorquiu.
- “Alguns deles têm dois passaportes?”- replicou.
Agora que o “taco” comecçou a sair, em Portugal, de acordo com as notícias da RTP-África e RTP-Internacional, fica definitivamente claro que mesmo o novo Primeiro Ministro de Portugal, Engº. Santana Lopes, está-se nas tintas, com “os que estão nas ex-cólónias”. Até posição contrária.
22:55 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe
Governo envia equipa técnica de apoio
http://www.asemana.cv 07/08/2004
Dois técnicos do Ministério do Ambiente, Agricultura e Pescas partem, ainda este mês, para São Tomé e Príncipe com o objectivo de identificar um projecto que permita aos cabo-verdianos o desenvolvimento de actividades produtivas nas parcelas de terreno que receberam do governo desse país. Recorde-se que na sua recente visita a São Tomé e Príncipe o primeiro-ministro, José Maria Neves, considerou «uma calamidade» a situação em que vivem muitos dos cabo-verdianos ali radicados desde que foram como «contratados» para as roças.
O apoio do governo não se resume ao envio desses técnicos. Uma fonte assegurou a este diário que o Ministério dos Negócios Estrangeiros vai desencadear uma campanha de sensibilização junto de agências internacionais vocacionadas para ajudas humanitárias de emergência, tendo em vista a mobilização de recursos para o tratamento das situações e casos mais urgentes.
Foram feitos contactos com o Programa Alimentar Mundial para uma intervenção de urgência com vista à assistência humanitária a velhos e crianças e apoio a actividades produtivas, nomeadamente através do fornecimento de equipamentos agrícolas e sementes.
O apoio do governo estende-se, também, à educação. Vai ser apoiada a escolarização de filhos de cabo-verdianos que vivem nas roças crianças e brevemente enviado para ilha do Príncipe um grupo de professores do ensino secundário.
Mas os apoios governamentais não começaram agora. Na altura em que o Ministro dos Negócios Estrangeiros era Manuel Inocêncio foi estabelecido um subsídio pecuniário e foram atribuídas algumas bolsas de estudos para Portugal.
Recentemente foi lançada pelo Instituto das Comunidades uma campanha de solidariedade que visa a recolha de fundos para o financiamento de vários projectos. Mas, a par dos apoios vários, diplomatas que lidam o dossier «Cabo-verdianos em São Tomé e Príncipe» defendem que a «história da emigração forçada» deve ser tirada do esquecimento para que a sociedade civil e política ganhe consciência da gravidade da situação em que vive a comunidade. Os mesmos diplomatas sugerem mesmo que o livro do historiador português Augusto Nascimento «O Sul da Diáspora – Cabo-verdianos em plantações de São Tomé e Príncipe e Moçambique» seja popularizado nos anos terminais do ensino secundário e nas escolas de formação de professores.
O certo é que a situação da comunidade cabo-verdiana começou a despertar reacções a nível interno. Tanto assim é que num programa de análises da Rádio de Cabo Verde Manuel Faustino, que é presidente da Associação «Zé Moniz», admitiu que o Estado português «deveria encontrar uma forma de indemnizar esses patrícios».
E, ao que parece, a ideia de indemnização tem pernas para andar. O advogado Eurico Monteiro, ele próprio nascido em São Tomé de onde regressou com cinco anos de idade, disse a «A Semana on-line» que já está «a estudar a viabilidade de uma acção contra o Estado português que visa tão-somente encontrar uma forma para minorar o sofrimento daqueles que ficaram nas roças depois da descolonização».
Segundo cálculos do Instituto das Comunidades vivem neste momento em São Tomé e Príncipe entre 8 a 12 mil cabo-verdianos sem contar com os seus descendentes.
10:38 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Por Adelto Gonçalves
Francisco Félix de Souza, o Chachá, foi um baiano, de incomum habilidade no trato social, que atravessou o Atlântico e chegou sem um tostão a Daomé, na África Ocidental, para transformar-se no maior traficante de escravos do século XIX. Mestre de um comércio baseado em extrema crueldade, foi, no entanto, sempre tido até mesmo por adversários como homem afável e generoso, a ponto de hoje ser objeto de culto pelo enorme clã dos Souzas, que se espalha de Gana ao Gabão com representantes também no Senegal, na Costa do Marfim, na Europa, Estados Unidos e Canadá.
A intrigante história desse mercador de escravos ganhou agora novas cores com o livro que lhe dedicou o poeta e historiador Alberto da Costa e Silva, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e ex-embaixador do Brasil em Portugal, na Nigéria e na República do Benim. Baseado em extensa bibliografia, Francisco Félix de Souza, mercador de escravos procura destrinchar o que há de verdadeiro e verossímil do lendário na história desse personagem ainda hoje venerado por quase toda a comunidade agudá daomeana que o tem por ancestral fundador.
Nascido a 4 de outubro de 1754, d. Francisco – assim até hoje tratado – é lembrado todos os anos por aqueles que se consideram seus descendentes e, nas palavras do autor, não se passa um punhado de dias sem que alguém vá rezar em seu túmulo em Daomé. Segundo Costa e Silva, por uma dessas comuns metamorfoses da memória, a imagem do traficante de escravos foi substituída pela do grande patriarca e protetor dos ex-escravos regressados do Brasil.
Isso não deve causar estranheza porque não poucos exterminadores de índios dão seus nomes hoje a monumentos, ruas e rodovias no Brasil. E não são raras as famílias consideradas quatrocentonas que se orgulham de ancestrais que enriqueceram com atividades menos nobres. Sem contar que, por trás dos ideais da conjuração mineira de 1789, o que havia mesmo era o interesse de ex-arrematantes de contratos de se livrarem das dívidas que haviam acumulado ao colocar no bolso o dinheiro dos impostos que recolhiam em nome da Coroa. Nada como tempo para mitificar as ações dos homens.
Se formos levar mais longe este exercício de memória, não podemos esquecer que foram os comerciantes de grosso trato – que negociavam principalmente carne humana – que asseguraram a sobrevivência (e o luxo) da corte do príncipe regente d. João em sua chegada ao Rio de Janeiro. E, como lembra Costa e Silva, que os ingleses primeiro fizeram dinheiro com o comércio de escravos para, depois, investir em plantações nas Caraíbas e no Sul dos Estados Unidos, em navios cargueiros, no comércio de bens alimentícios e financiar a revolução industrial.
A diferença é que, ao contrário dos ingleses, aqueles que enriqueceram com o tráfico de escravos no Brasil e na África, talvez porque viessem de uma metrópole já atrasada à época, não aplicaram seus recursos em novos tipos de atividade econômica, preferindo imobilizá-los em mosteiros, igrejas e na ostentação e no desperdício. Essa constatação pode explicar o atraso que hoje separa os países de língua portuguesa das nações de língua inglesa.
Apesar da inteligência de primeira grandeza que lhe atribuem, Francisco Félix de Souza não foi um homem muito além do seu tempo, pelo menos entre aqueles que viviam no mundo lusófono e cercanias. Tinha 94 anos de idade quando morreu – ou 81, segundo outros cálculos – e, embora tivesse sido riquíssimo, estava endividado.
Certamente, acumulara um patrimônio elevado em escravos, esposas, currais de gado miúdo, chiqueiros, capoeiras e tulhas de inhame, mandioca e milho. Mas, por causa das pressões inglesas, deixou-se quase arruinar, provavelmente, segundo Costa e Silva, porque não sabia fazer outra coisa que não fosse traficar gente. Se investiu em outras atividades, foi na compra de navios para transportar escravos e, já parte final de sua vida, em plantações de dendê.
Baseado em fontes impressas, Costa e Silva supõe que Francisco Félix tenha deixado a Bahia por volta de 1800, indo diretamente a Badagry, de onde, após alguns desacertos comerciais, mudou-se, primeiro, para Popô Pequeno e, depois, para Ajudá, onde obteve emprego na fortaleza portuguesa de São João Batista de Ajudá. Logo chegou a comandar a fortaleza, mesmo sem a autorização formal dos portugueses, e passou a atuar como intermediário comercial naquele que era o mais importante centro exportador de escravos do golfo de Benim.
Diz Costa e Silva que a vida de Francisco Félix na África nem sempre foi fácil – até amargou meses de cárcere, à época de um golpe de estado. Mas, depois, o dadá, o rei de Daomé, deu-lhe o título de chachá, que poderia significar chefe dos brancos e vice-rei de Ajudá. Francisco Félix passou a ser conhecido como Chachá, mas não se sabe ao certo a origem do título. Seria, segundo versões, corruptela de “já, já!”, ou seja, “agora mesmo”, imperativo de que abusaria no trato com os subordinados.
Foi assim que Costa e Silva reconstituiu este retrato de Francisco Félix de Souza, reunindo versões contraditórias ou lendárias. Pesquisador cuidadoso, aproveitou-se também de sua experiência pessoal como diplomata que testemunhou em 1960 a independência da Nigéria e conheceu Etiópia, Gana, Togo, Camarões, Angola., Costa do Marfim, Zaire, Gabão e outras nações africanas para dar coerência a um relato a que acrescentou ainda a visita que fez em outubro de 1995 a Daomé para participar da festa de instalação do novo sucessor no título de Chachá, o VIII, Honoré Feliciano Julião de Souza.
Autor de livros ainda recentes, mas já considerados clássicos da historiografia africana como A enxada e a lança: a África antes dos portugueses, de 1992, e A manilha e o libambo, de 2002, Alberto da Costa e Silva dá, com Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, outra decisiva contribuição para o conhecimento das relações de Brasil e Portugal com a África, mostrando como funcionava do outro lado do Atlântico o tráfico de escravos. E o leitor recebe uma biografia escrita, num português irrepreensível, com rigor e transparência, resultado de anos a fio de investigação.
__________________________
FRANCISCO FÉLIX DE SOUZA, MERCADOR DE ESCRAVOS, de Alberto da Costa e Silva. Rio de Janeiro, Nova Fronteira/Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 208 págs., 2004. E-mail: [email protected]. _________________________________
Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: [email protected]
00:23 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Notícias Lusófonas - 28-Jul-2004 - 23:07
Em 1964 a ONU colocou Cabinda como 39º país a descolonizar e Angola como o 35º
Em Cabinda a revolta e a fome continuam. Uma vez terminada a guerra civil que devastou o território angolano, muitos pensaram que a situação de Cabinda mereceria a atenção da comunidade internacional e uma atitude diferente do governo de Angola. Mas as autoridades de Luanda seguiram outra via, e numa
conjuntura em que não existe mais guerra civil com a UNITA, optaram por direccionar as suas atenções militares unicamente para a simbólica resistência no enclave. Uma resistência que Angola insiste em negar a existência, mas que existe. E que combate desde 1975, data em que o território foi ocupado pelas suas tropas do MPLA.
Por Hugo Machado
Cabinda é um enclave costeiro, que está separado do resto de Angola por uma faixa de terra pertencente à Republica Democrática do Congo, país com quem faz fronteira a Este e a Sul. A Norte encontra-se a Republica do Congo, e a oeste o Oceano Atlântico.
A população total de Cabinda (residentes no enclave) ascende às 175 mil pessoas, pouco mais de 1% da população total de Angola. O seu solo é extremamente rico em jazidas de petróleo de onde são extraídas cerca de 800 mil barris diariamente.
Esta é talvez a principal razão pela qual Cabinda se encontra ocupada por Angola, desde 1975.
As vastas reservas de crude deste pequeno país são a causa de interesses sombrios, que envolvem disputas estratégicas de cariz político e económico entre companhias petrolíferas ocidentais que envenenam ainda mais a situação de Cabinda. Estas multinacionais não desistem de pressionar e incentivar o exército angolano a eliminar os focos de resistência o mais rapidamente possível.
Apesar da sua riqueza petrolífera, trata-se de um território que permanece subdesenvolvido, com uma população mitigada pela fome e a viver no limiar da pobreza. Apenas 1% da riqueza proveniente da exploração petrolífera permanece em Cabinda. A grande maioria do petróleo extraído tem como principais
destinatários os Estados Unidos e Angola.
O governo de Luanda não se coíbe de utilizar os lucros provenientes da venda do petróleo de Cabinda para comprar as armas que o seu exército utiliza para matar a população local. Método igualmente usado pelo governo do MPLA para financiar a longa guerra civil contra a UNITA.
A consciência de que estão a ser explorados tanto pelo governo angolano como pelas companhias petrolíferas internacionais a operar no território, é algo que provoca na população um forte sentimento de revolta. É esta situação, que aliada ao enraizado senso de patriotismo e sentido de liberdade do povo de
Cabinda, leva a população a defender-se da ocupação angolana e a partir para a luta armada em busca do seu direito a ser livre.
Uma resistência armada que é liderada pela FLEC (Frente de Libertação de Cabinda). Um movimento que se encontra activo há mais de 30 anos e que opera a partir da Republica Democrática do Congo. A FLEC a princípio ainda recebeu apoio moral de vários governos africanos, entre os quais Zaire, Congo, Republica Centro-Africana, Gabão e Uganda. Nações que mais tarde retiraram esse apoio com receio que o movimento de libertação de Cabinda fosse um foco de incentivo para outros povos em busca da sua liberdade e independência.
Independência que foi negada aos habitantes de Cabinda em Novembro de 1975, quando tropas do MPLA apoiadas por efectivos militares cubanos e soviéticos invadiram e ocuparam o território. Tudo com a conivência do governo português da altura, que curiosamente era comunista e que nas vésperas da proclamação de independência de Angola, em 1975, reconheceu a sua incapacidade para controlar a situação.
O único suporte das ambições expansionistas de Angola sobre Cabinda são os acordos de Alvor, celebrados numa conjuntura de revolução em Portugal e de grande pressão internacional.
Portugal enquanto potência colonizadora, sempre justificou os seus direitos territoriais, fazendo uso dos tratados assinados em 1885 com os reinos cuja fusão perfaz a actual Cabinda. Direitos que incidiam sobre os protectorados de Kalongo, Luango e Ngoio, que foram designados em documentos oficiais como
territórios ao norte do rio Congo e não como terra angolana.
A Conferência de Berlim, que decorreu nesse ano de 1885, reconheceu a partilha de três Congos: Congo francês, Congo belga e Congo português. Numa época onde as potências coloniais dividiam África, disputando fronteiras, o Tratado de Berlim retirou a Portugal a margem norte do rio Congo, um dos seus bastiões, concedendo-lhe um território de recuo. Nasceu nesse momento Cabinda.
Durante a presença portuguesa a sua identidade territorial esteve sempre reconhecida, inclusivamente pela Constituição Portuguesa de 1933, que distinguia Cabinda de Angola. A situação política apenas se alterou no
decorrer da longa Guerra do Ultramar. Com o objectivo de administrar com menos despesas as suas colónias ultramarinas, Portugal decide em 1956 colocar Cabinda e Angola sob a autoridade de um mesmo Governador-Geral, seguindo o modelo da África Equatorial francesa, que agrupava Ruanda, Congo e Burundi.
Tratou-se de uma medida provisória e conjuntural.
Algo reconhecido em 1964 pela Organização de Unidade Africana e a ONU, que no seu plano de descolonização separou os dois países, colocando Cabinda em 39º entre as nações a descolonizar e Angola em 35º. Todavia a necessidade de simplificar o processo de descolonização, e a guerra civil em que
posteriormente mergulhou Angola, abafaram a ocupação de Cabinda o tempo suficiente para que os interesses económicos e os jogos políticos de bastidores inseridos num cenário de Guerra Fria falassem mais alto e condicionassem a actuação da Comunidade Internacional.
Hoje em dia a situação de Cabinda parece esquecida. Um país que nunca fez parte integrante do território angolano. Uma comunidade onde não existe qualquer tipo de afinidade para com o resto da população angolana e em que grassa um forte desejo de separação e reconhecimento de independência. Algo que na conjuntura actual parece bastante improvável de acontecer dada a riqueza da região e os interesses económicos nela envolvidos.
A sua luta pela auto-determinação não usufrui de qualquer apoio político internacional significativo, e o movimento de resistência armada não possui meios humanos e económicos que consigam fazer frente à máquina de guerra de Luanda.
O máximo a que a população de Cabinda poderá almejar num futuro próximo, será tentar negociar uma maior autonomia e o acesso a uma maior percentagem da riqueza que resulta da exploração dos recursos da sua região.
00:08 | Permalink | Comments (0) | TrackBack (0)
Recent Comments