Paulo Lukamba Gato
Por Makuta Nkondo - Folha 8 - 16.10.2004
Paulo Lukamba Gato é um político de referência, no xadrez nacional. O seu protagonismo veio ao de cimo, quando no declinar do cessar-fogo, nas chanas do Luena, em 2002, após as mortes de Jonas Savimbi e Armando Dembo, assume as rédeas da UNITA. Trouxe-a, ainda guerrilheira, para Luanda, onde com tacto e sabedoria, tratou de juntar todos os seus retalhos, numa tarefa ingente. Na hora da sucessão ousou levantar alto demais a fasquia da democracia, estendendo o seu brasão à disputa para o cadeirão à sucessão de Jonas Malheiro Savimbi.
Muitos consideraram ter ele posto a cabeça na guilhotina, numa altura em que deveria consolidar mais o período de transição. Foi a votos com Isaías Samakuva e perdeu copiosamente. Nesta entrevista ele fala, desapaixonadamente do passivo e do activo da UNITA. Da campanha eleitoral do nono Congresso e da estratégia política da actual direcção do seu partido. Sobre Jonas, a nostalgia o acompanha, "porquanto devo muito ao «mais velho Savimbi», que me amava muito e com ele muito aprendi", disse visivelmente emocionado o também conhecido como "homem de sete vidas", em virtude das várias escapadelas nos conturbados anos de conflito militar.
Lukamba Paulo, Gato, natural do Bailundo, é assumidamente africano e não se envergonha da poligamia. Pai de sete filhos, espera vê-los poderem desfrutar de um futuro risonho, num País mais justo e igual para todos. Como político tem a ambição de poder influenciar o rumo dos acontecimentos, por isso domina bem várias línguas, como o Umbundu, o inglês, o português e o francês.
"Amo Angola e tudo devemos fazer, para o transformar num grande País!" Este é Lukamba Paulo Gato.
Folha 8 - O senhor parece ter desaparecido depois do IX congresso da UNITA. Ficou bastante chocado com os resulta-dos eleitorais, que lhe foram desfavoráveis?
Lukamba Paulo Gato - Desde a realização do IX Congresso do nosso Partido em Junho de 2003, tenho consagrado imenso tempo à reflexão política. Reflicto sobre o que poderá ser Angola do pós-guerra e sobre o conteúdo real da reconciliação nacional. Re-flicto sobre o papel da UNITA nesta fase do desen-volvimento histórico do nosso país. Reflicto igual-mente sobre os caminhos que a UNITA terá de trilhar nesta nova era do pós-Dr.SAVIMBI. Poderá a UNITA encontrar através do debate profundo, desapaixonado e responsável, a sua própria identidade politico-ideológica no quadro da nova configuração política do País.
Reflicto ainda em certa medida a respeito da minha própria vida como cidadão angolano inserido, evidentemente, no contexto cultural, sócio-político, económico e internacional de hoje. Os franceses dizem, " à quelque chose malheur est bom". Tenho hoje, mais do que nunca, tempo para a reflexão.
F8 - Antes não tinha esse tempo?
LPG - A distância que assumi em relação à política activa, permite-me ter uma visão das coisas que é muitas vezes diferente da dos que estão na gestão do dia a dia do Partido. Por isso, digo que tenho sido, mesmo assim, útil à UNITA, tentando ajudar a criar a dinâmica democrática que a situação actual exige no quadro do pluralismo das ideias no nosso seio.
É uma prática nova para todos os angolanos, mas é um passo que tem que ser dado, pois o mundo caminha, hoje mais do que ontem, nessa direcção.
O pluralismo que se opõe à unanimidade é que permite avançarmos na lógica dialéctica de formas inferio-res para formas superiores no plano da concepção das ideias, da organização e mesmo da actuação.
O pluralismo ao nível da organização política da nação é o que se chama afinal Democracia Multipar-tidária, que todos nós dese-jamos consolidar e apro-fundar no nosso País.
F8 - Volto à carga, por não ter respondido ao seu silêncio?
LPG- Repito: não estou em silêncio! Eu reflicto sobre a Angola que desejamos para amanhã, no momento em que virámos a página.
Mas, também, reflicto sobre a UNITA, que teremos depois da morte do presidente fundador, o dr. Jonas Savimbi. Eu penso sobre tudo isso porque, desde os 30 anos, não tenho tido tempo para consagrar-me a uma reflexão aprofundada.
F8 - O que o impedia antes?
LPG - A guerra que o País viveu, primeiro, durante os 14 anos de luta anti-colonial e depois na história recente de 30 anos de guerra civil, numa clara situação de desequilíbrio, não permi-tiam que nos debruçáss-emos sobre todas estas causas.
As razões são discutíveis, mas a meu ver: os 30 anos de guerra civil, depois da violação dos Acordos do Alvor e da independência, não foi a melhor.
F8 - Porquê?
LPG - Não se pode compreender que as negociações para a independência de Angola, tenham apenas durado dois dias (48 horas)... Quanto tempo tiveram as negociações de Lancaster House pela independência do Zimbabwe? Quanto tempo tiveram as negociações pela independência da Namíbia? O mesmo se aplica ao processo, para a desapartheização da África do Sul? As discussões entre Mandela e o regime racista do Apar-theid, começaram em 1985, quando Mandela foi atingido de pneumonia e transferido para um hospital. Nessa altura, recebeu a visita do ministro da Justiça, e Mandela disse: "eu vou discutir consigo? (1985 até 1992), portanto foram sete anos de discussões.
F8 - Estes exemplos visam mostrar o quê?
LPG – Visam mostrar que houve muita leviandade. Porque é que se facilitou, com uma má discussão, em 48 horas; sendo Angola um País importante na estratégica regional, pelos seus recursos naturais e não só. O grande causador dos conflitos foi a leveza dos acordos e isso não foi sério. Por outro lado temos de reconhecer que os três dirigentes de então, os falecidos velho Jonas e Neto, e o histórico Holden, não souberam distinguir entre o interesse geo-estratégico de duas superpotências que se batiam na guerra fria(União Soviética e a América) e o interesse dos angolanos.
F8 – Como está a encarar o processo de reconciliação nacional?
PLG - Precisamos, em primeiro lugar de ter uma mesma noção do conceito da reconciliação nacional. Teremos de saber dar a esse conceito uma substância real no plano político, económico e sócio-cultural para que a reconciliação nacional não seja uma palavra vã ou não se pense que basta largar pombinhas brancas e o País está reconciliado. É preciso que a direcção do País se dedique ao trabalho de pesquisa, o tempo suficiente para que o fenómeno social Angola seja devidamente dissecado em todas as suas dimensões por ser um fenómeno com-plexo. Não basta estar sentado em Luanda e pregar a reconciliação nacional.
Folha 8 – Então?
Lukamba Paulo Gato - É preciso andar, escutar o País profundo para que desse esforço nasçam ideias que irão redimir a nossa Pátria comum. O nosso País e os angolanos estarão igualmente reconciliados quando tiverem todos a noção de que fomos efectivamente vítimas da guerra fria, que não foi senão um acomodar violento de interesses geo-estratégicos das superpo-tências de então, o que para o nosso País representou a destruição da terra e dos homens; quando os angolanos abandonarem o espirito recriminatório; no dia em que soubermos todos identificar o interesse nacional entre os vários interesses político-partidários; Assim que os ango-lanos, sem mais olharem para a cor da camisola do outro conseguirem entrosar os ideais do desenvolvimento material e espiritual e lutar pela afirmação da nossa identidade neste mundo globalizado.
F8 – Na sua opinião, as bases da reconciliação foram devidamente lançadas?
LPG - Não! Mas, eu não tenho medo da recon-ciliação, apesar de que, quando se fala de UNITA-MPLA, amedrontar algumas pessoas, por levantar-se o espectro da bipolarização. Não faço a apologia da bipolarização, mas penso que aqueles que têm o peso histórico devem tomar a dianteira associando ao mesmo tempo as formações políticas, a sociedade civil, as igrejas e todas as forças vivas da nação. Penso que se deve neste momento em que se vira a página, aprofundar o conceito mesmo da reconciliação nacional. O que é a reconciliação nacional? Qual é o conteúdo real da reconciliação nacional? Porque o que se vive actualmente, insisto, é a fase do fim da luta armada.
F8 – E a paz?
LPG - A paz é outra coisa. Sim, tem-se a facilidade, a ligeireza de dizer que a paz chegou. Não! A paz tem um preço que se deve pagar. Deve pagar-se o preço da paz. Vivemos uma fase importante, crucial, decisiva: o fim da luta armada e deve-se agora fazer esforços no sentido de dar um conteúdo real à paz . O quê é a paz? Não é o lançamento de pombas brancas. Não é isto a paz. A paz é um estado de espírito é um comportamento. Depende de como ganhar o seu pão: de manhã, ao meio-dia, à tarde. As crianças comem, podem ir à escola, ao hospital. A paz social, a paz civil, a paz de espírito.
F8 – O que pensa das denúncias da UNITA sobre a intolerância polí-tica por parte do MPLA?
LPG - Se os dirigentes da UNITA e do MPLA ao mais alto nível, não souberem entender que o País vive um momento histórico singular, poderão passar novamente ao lado do problema fundamental que é a Paz e a Reconciliação e convivência nacional, a construção de um Estado de Direito e Democrático com oportuni-dades iguais para todos os seus filhos. A intolerância, foi em 1975, a grande causa do conflito que antecedeu a proclamação da indepen-dência e continuou depois dela. A incapacidade de coabitar na diversidade de opiniões políticas provocou a expulsão destes e daqueles da capital do País com pesada factura que todos tivemos de pagar em particular aqueles que deram as suas próprias vidas para hoje podermos falar da democracia participativa, inclusiva e apaziguadora, não de uma democracia com duas velocidades. Eu falo da UNITA e do MPLA, não porque seja apologista da bipolarização da vida política do País, mas sim pelo pragmatismo e o realismo.
F8 – Mas porque é que dá tanta ênfase a estes dois partidos em detrimento dos demais?
LPG - É que estes partidos históricos são, sem sombra de dúvida, os maiores protagonistas da vida nacio-nal, e o peso da história que carregam sobre os seus ombros deve dar-lhes a responsabilidade de velar sempre e em todas as circunstâncias pela preser-vação do interesse nacional; a paz, a estabilidade, a tolerância e o respeito pelas ideias alheias. Estes valores é que fazem a riqueza da democracia. Se não tivermos cuidado, neste virar de página, poderemos adiar uma vez mais, o reencontro de toda família angolana, na fraternidade e solidariedade. Por outro lado penso ser perigoso a política policiada; não esqueçamos, estamos numa fase de praticamente pré-campanha. As pessoas começam a atirar-se umas contra as outras.
F8 - Quer dizer que a intolerância não existe no terreno?
LPG – Bem, ontem, havia a luta armada, com tiros de canhões, mas, hoje, diz-se; você me feriu; me fez isto. É preciso discutir. Há intole-rância, não há intolerância? Existem incidentes. Eu sou daqueles quadros que pensam que depois de ter atravessado o deserto deve-se sempre fazer bem o sentido, a tolerância, o respeito pelas ideias contrárias. É isto que pode dar um conteúdo à democracia.
Acredito que a estabilidade do nosso País deve vir antes de todas outras demarches, por ser necessário um trabalho permanente, para se acabar com a into-lerância. Cabe a quem? Ao MPLA e à UNITA. Estes dois partidos são os que devem assumir plenamente as suas responsabilidades perante o que Angola vai ser na próxima década. Vai depen-der do que eles decidirem fazer juntos, guardando ao mesmo tempo a linha limite entre o poder e a oposição. Há espaços para todas as forças políticas, porquanto elas são chamadas a darem a sua contribuição em nome do interesse nacional. O problema agora é de saber o quê é o interesse nacional e quem define o interesse nacional: o poder ou os Angolanos no seu conjunto. Deve-se definir o espaço do interesse nacional; o resto é o espaço para as nossas querelas e para a disputa do poder político.
F8 – O senhor apareceu, recentemente, numa acção benemérita na companhia do general Kamorteiro e com direito a cobertura da TPA, porquê?
LPG – Na minha terra existe um provérbio Umbundu que diz: "U WOHÃ VONJO HAMO ALI"; "não se deve confundir o silêncio em casa com a ausência".
Ou melhor, aqueles meninos que fomos visitar, foram registados com os nossos nomes, numa altura im-portante das nossas vidas, quando estávamos nos maquis.
Agora esperemos que eles consigam preservar os no-mes, sobretudo o meu xará, porque o meu é muito pesado.
"Muitos Eleitores não têm B.I."
Folha 8 – Como encara a realização das próximas eleições?
Lukamba Paulo Gato - Para que as eleições sejam livres e justas é preciso também que sejam abrangentes. Ora parece-me que neste momento uma parte significativa dos nosssos compatriotas, ainda não têm documentos de identidade que lhes permitam exercer o dever cívico do voto. O País ainda se guia por uma lei constitucional quando já devia ter uma constituição que tivesse merecido o mais amplo consenso que incluia Partidos Políticos com assento ou não na Assembleia Nacional; a Sociedade Civil; as Igrejas; entidades tradicionais; organizações sociais da mulher, da juventude etc..etc…. A administração do Estado que será a charneira da organização das eleições, ainda não está bem implantada em todo o País, muito menos em condições de imediatamente responder pelas exigências do processso eleitoral.
F8 – Como assim?
LPG - Há problemas de ordem administrativa, política, jurídica e logística que ao nível do País ainda não estão resolvidos. Ao nível dos partidos políticos, mesmo não sendo do executivo do meu partido, sinto que é preciso um grande esforço no tempo para que se possam reunir as condições político-administrativas como a implantação e a organização do partido a todos os escalões, bem como, aspectos materiais para que o partido possa estar à altura de disputar o acto eleitoral em posição confortável. É importante sabermos quando terão lugar as eleições, mas é essencial que os actores da vida política conheçam as tarefas inerentes a esse complexo processo e possam controlar a sua execução, pois será tarde demais se apenas nos interessamos ao acto de votar. Esse é um processo que deve ser controlado desde a primeira à última das suas tarefas.
F8 – A UNITA, o seu partido, tem reivindicado eleições em 2005. O sen-hor colocando-se como cidadão normal, comun-ga da mesma opinião?
LPG – Eu sou um militante disciplinado do meu partido e por isso respeito as suas decisões. Entretanto, como cidadão, penso ainda faltar, no plano político um pouco mais de organização, a implantação do partido no conjunto do território nacional, as questões de logística, tão necessária às eleições. É lá onde há uma diferença, não uma divergência, com alguns dos meus colegas. Precisamos de tempo para que o partido seja equipado, para que o partido seja bem instalado, bem implantado no conjunto do território nacional. Por outro lado, penso e esta é a realidade, a maioria dos nossos militantes não tem um bilhete de identidade. Quem vai poder votar sem bilhete de identidade? Eu sempre digo: o essencial não é quando as eleições terão lugar. O essencial é saber se já reunimos as melhores condições para que as eleições possam ser livres e participativas. As pessoas da campanha não têm bilhetes de identidade. Ninguém vai aceitar que aquelas pessoas possam votar e é a grande maioria do nosso eleitorado.
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