Jaime Nogueira Pinto
«Se há coisa de que tenho orgulho e a que sou grato, é à memória destes reis que fizeram, refizeram, restauraram Portugal.»
«Pai, foste cavaleiro
Hoje a vigília é nossa»
Fernando Pessoa
1 - TENHO em frente a casa, no topo norte do Jardim do Campo Grande, duas estátuas: são de Leopoldo de Almeida, de 1950, em pedra branca.
Quando aproximadas de trás, no sentido sul-norte, por quem venha do jardim, parecem silhuetas de heróis de «fantasia heróica», de dois guerreiros de um passado ou futuro míticos contado ou imaginado por Tolkien e Peter Jackson, plantados ali à espera de entrar em combate, ou guardando o caminho, como sentinelas num limes.
Olhadas de perto e de frente são D. Afonso Henriques, o Conquistador e fundador de Portugal; e D. João I, o Mestre de Aviz e rei «de boa memória». O Fundador fundou Portugal, guerreando de Norte a Sul, fazendo e desfazendo alianças com galegos e leoneses, espadeirando mouros, questionando Papas; o «de boa memória» salvou e consolidou a independência e, no seu tempo, os portugueses começaram a descobrir e abrir o mundo; e por alguns séculos a fazer aquilo que seria o seu «nicho» na ordem das «nações»: pôr em contacto os «centros» de decisão e inovação, com as periferias perigosas. E graças a isso, sem vergonha, vivemos e sobrevivemos por quase seis séculos, depois
de Aljubarrota.
2 - Os Poetas - Camões e Pessoa - entenderam melhor do que ninguém estas coisas: o «forte príncipe»», «incansável», o «Afonso que não sabe sossegar», o «pai» que foi «cavaleiro»; e «João, a quem do peito o esforço cresce», o «Mestre (...) do Templo que Portugal foi feito ser»; entenderam a substância e a simbologia exemplar destas
vidas, ambas longas, muito longas mesmo, para a época - cerca de oitenta anos. Duas vidas de reis combatentes, conquistadores e demarcadores de fronteiras, bravos, inteligentes, astutos, com sentido e razão de Estado, do Estado português, brutais e implacáveis na sua defesa, e por ele pondo tudo em risco, desde a própria vida, à família próxima e, às vezes, à própria alma.
Eles, com o Restaurador D. João IV de Bragança, que também correu riscos, conspirando contra Filipe IV e depois tão bem coordenou, pela diplomacia e pelas armas, a equipa da Restauração, que de Londres e Roma, a Angola e ao Brasil, refundou e garantiu Portugal.
Ajudado por uma equipa, onde estava presente e dominava o Padre António Vieira, o «imperador da língua portuguesa».
Se há coisa de que tenho orgulho e a que sou grato, é à memória destes reis que fizeram, refizeram, restauraram Portugal; e a todos que, em quase 500 anos, com alma e corpo o serviram, numa linha sustentada pela diplomacia e pelas armas, e que sempre teve um objectivo: defender a independência nacional de um vizinho muito mais poderoso, nos termos «objectivos» da avaliação do poder nacional: território, população, economia, poder militar.
3 - O «cliché» de que a independência conta pouco, nestes tempos de fragmentação de Estados frustrados e de união de Estados «europeus», é falso; a estatalidade, o Estado soberano e o Estado agindo em termos dos seus interesses (que não têm que ser apenas «económico-materiais», mas podem ser culturais, militares, securitários) são a regra, na maioria das áreas: desde toda a Ásia, onde as potências locais - como a China, a Índia, o Paquistão - se movem entre si em equilíbrios que lembram a Europa do século XIX, às Américas onde «o nacionalismo» - o antiamericano e agora o americano dos EUA - está na ordem do dia; ou à Rússia. As excepções são a zona da África subsariana - dos Estados fracassados, saídos da descolonização e da Guerra Fria; e a União Europeia, em processo de uma «unificação», cujos contornos, alcance e caracterização são difíceis de
classificar; e onde, para quem tivesse dúvidas, os «grandes» continentais não as inibiram de violar as regras do jogo «económico-financeiro», quando estas prejudicaram os seus interesses nacionais, provando que são estes que prevalecem, mesmo entre os guias do «núcleo duro» do europeísmo.
4 - Tendo um «Estado nacional», isto é um Estado em que as fronteiras político-jurídicas territoriais do Estado, coincidem com as fronteiras histórico-culturais da Nação, deveríamos pensar bem antes de alienarmos por «lentilhas», ou em tributo a «correcções políticas» de «bons» (e deslumbrados) neófitos, este trunfo, essencial num mundo em que a instabilidade espreita e atinge os Estados sem nação (ou com várias nações) e as nações sem Estado.
E agora há que pensar muito a sério o concerto peninsular ibérico, depois do dia 16 de Novembro, na Catalunha: ou será que não se percebem, em Portugal, as consequências da evolução eleitoral no País Basco, na Catalunha e na Galiza; nem se reflecte sobre a política espanhola e suas implicações, desde a aposta «americana» de Aznar, às consequências da sua saída da liderança do Governo e do
PP; ou do casamento anunciado do príncipe das Astúrias? Estaremos tão obnubilados pela rotina da política partidária doméstica, que nem para os vizinhos mais vizinhos olhamos?
5 - Quem não percebeu que sem a independência, ou seja, a liberdade da Nação, não há nenhuma espécie de liberdades das pessoas, pois deixamos de ser autogovernados para passarmos a uns «provinciais» periféricos de um qualquer «império» franco-germânico ou vassalos de um «reino» de Espanha, não percebeu a centralidade do problema nacional hoje.
Nestes dias difíceis, de começo de um ano difícil, entre ameaças apocalípticas de terrorismos fanáticos e de continuada degradação da sociedade portuguesa, entre a pedofilia e o «Big Brother» e «o pão e circo» contemporâneo da Televisão e do Futebol, é capaz de ser um bom exercício rever estes nossos «maiores» - os reis que fizeram e que restauraram Portugal - e pensar bem no seu exemplo. Porque «hoje a vigília é nossa»!
EXPRESSO - 24/01/2004
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