Vasco Pulido Valente
«Era fatal. Como não se podia condenar o povo inteiro pelos governos que escolheu (até porque ele tinha pouca escolha) e como não se podia passar a culpa toda para os funcionários públicos, como se eles fossem um corpo estranho inexplicavelmente instalado no meio de nós, sem intervenção humana, era preciso encontrar outro bode expiatório. Durante a I República, António Sérgio descobriu esse bode na elite e António Barreto, de certa maneira o Sérgio desta democracia, também o descobriu agora. Segundo Barreto, a elite portuguesa (política, empresarial, intelectual, universitária) não cumpre o seu papel. Não só porque não protesta e não critica, mas também porque activamente colabora na demagogia e no desperdício. Porque, em suma, se tornou, ou nunca deixou de ser, ignorante e predadora. Devia "puxar" o país "para cima", puxa para baixo.
Este diagnóstico de Sérgio e de Barreto, que parece inegável e justíssimo, põe um problema. Se a elite portuguesa não vale nada (e eles dizem que não), em rigor não merece sequer o nome e não há nada a esperar dela. Se vale alguma coisa, se é, pelo menos, corrigível, convém então que se trate quanto antes de a educar: processo a que Sérgio chamou, numa frase que fez fortuna, "mudança de mentalidades". Só que não existe uma elite para educar a elite e, se existisse, seria preferível que, em vez de a educar, ficasse logo no lugar dela. Ao contrário de Sérgio, que nunca a sério percebeu o sítio onde vivia, Barreto sabe isto muito bem.
O que passa em Portugal por elite não difere do resto da sociedade. Nesse sentido, representa bem o país (que naturalmente não "puxa" para lado nenhum), com a sua cultura de miséria, de mentira e de parasitismo. Se por acaso destoasse da paisagem (uma impossibilidade material), não durava um minuto. Basta ver a persistência e o "método" com que o actual regime "achatou" ou afastou qualquer pessoa que em qualquer campo exibiu o mais leve indício de uma qualidade superior. A começar pelo próprio António Barreto. E como, inversamente, promoveu, gaba e admira a pior mediocridade e mesmo o puro cretinismo. Quando se escreve sobre a elite portuguesa em 2005 é prudente lembrar que ela paga para ler o Expresso e, se calhar, o lê com gosto. Esse pequeno acto, na aparência inofensivo, exprime e resume a sua inutilidade prática. Para quê falar dela?»
Público - 08/07/2005
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