AOFA: Falhas no pagamento de complementos de reforma
O secretário-geral da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), coronel Tasso de Figueiredo, revelou ontem que o Estado deve aos militares mais de 450 milhões de euros.Só ao Fundo de Pensões destes profissionais o Estado tem em dívida mais de 200 milhões de euros, valor que diz respeito ao pagamento de uma parcela do complemento de pensão de reforma dos militares, que deveria ser assumida pelo Governo. Em dívida, directamente aos militares, estão assim os restantes 250 milhões de euros.
“Desde 2000 que os militares só recebem uma parcela dos complementos de pensão de reforma, que é paga pelo Fundo de Pensões. O Governo está a usar o Fundo de Pensões para o pagamento de complementos que deviam ser suportados pelo Orçamento de Estado”, acusou o dirigente ao CM.
Segundo adiantou, face à dívida de mais de 200 milhões, o Fundo de Pensões “está a ir à falência”, por não conseguir suportar o pagamento de complementos, que deveriam ser custeados pelo Estado e as pensões dos seus contribuintes. “Já há vários processos em tribunal contra o Fundo de Pensões, porque está a falhar nos pagamentos das pensões aos seus contribuintes, e contra o Estado que não está a pagar o complemento de pensão de reforma aos militares”, acrescentou.
Uma vez que o Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas assumiu apenas uma parcela do pagamento dos complementos de pensão de reforma, o Estado deve ainda aos militares o restante valor, que já “ascende os 250 milhões de euros”.
O complemento de pensão de reforma , segundo o coronel Tasso de Figueiredo, é atribuído aos militares, que passaram à reserva, até aos 70 anos de idade. Depois as pensões são recalculadas e passam a ser suportadas pelo Fundo de Pensão.
Além da dívida de 450 milhões de euros aos militares reformados, o dirigente da AOFA acusou ainda “atrasos substanciais no pagamento de subsídios que são devidos aos militares em regime de contrato”. Sem conseguir calcular a dívida neste campo, Tasso de Figueiredo salientou ao CM “a situação difícil” de alguns militares “que aguardam há meses o pagamento do subsídio de reintegração social”. Uma situação que se complica quando, segundo o dirigente da AOFA, “há muitos centros de empregos que não lhes atribuem subsídio de desemprego porque supostamente eles recebem o subsídio de reintegração social”.
Numa altura em que o Governo se prepara para fazer duros cortes nas condições dos militares, como o congelamento dos escalões do sistema retributivo e as alterações do regime de aposentação e na assistência médica, Tasso de Figueiredo não poupa críticas às acções do Executivo de José Sócrates e às declarações do ministro da Defesa, Luís Amado.
O secretário-geral da AOFA acusou o ministro de “tentar condicionar a actuação das associações [das Forças Armadas] e dissuadir a presença dos seus sócios na manifestação”. Mas lembra: “Quem não está a cumprir a lei é o sr. ministro da Defesa”, referindo-se às dívidas aos militares.
Quem também não poupou críticas ao Governo foi o ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, Loureiro dos Santos. O general considerou que o Governo ao adoptar para os militares as mesmas medidas de austeridade que para os restantes corpos do Estado revela “uma ignorância sem limites ou uma incompetência assustadora”.
Durante o ‘Porto de Honra’ de anteontem à noite, subordinado ao tema ‘Os Valores da Condição Militar e a Defesa da Pátria’, Loureiro dos Santos realçou que “a profissão militar é diferente das outras profissões da Administração Pública” e que este “é um dado que todo o governante deve conhecer”. Em causa, segundo o general, está o facto de “as compensações materiais” previstas nos diplomas aprovados em Conselho de Ministros serem “insuficientes face à situação dos vencimentos” dos militares, que actualmente estão “muito abaixo das profissões equiparadas”, como juízes e diplomatas.
O CM tentou obter uma reacção do Ministério da Defesa Nacional sobre as acusações do secretário-geral da AOFA, Tasso de Figueiredo, mas até ao final desta edição, tal revelou--se impossível.
GOVERNO CIVIL NÃO AUTORIZA MANIFESTAÇÃO
O Governo Civil de Lisboa não autorizou a manifestação convocada pelas três associações de militares para a próxima terça-feira. Mas, mesmo sem autorização, os militares admitem avançar com o protesto.
Em declarações ao Portugal Diário, o vice-presidente da Associações Nacional de Sargentos (ASN), David Pereira, afirmou que a notificação do Governo Civil, que comunicava o indeferimento do pedido de manifestação, não apresenta qualquer explicação sobre a “irregularidade em causa”. Por isso, admitiu que, caso não seja revelado o que os impede de protestar, “os militares não tencionam desconvocar o protesto”. David Pereira deixa mesmo um aviso: “O sentimento de revolta afecta toda a família militar. Por isso apelamos ao senhor primeiro-ministro, ao Presidente da República e ao Governo Civil que rectifiquem este erro”.
O dirigente da ASN fez ainda questão de esclarecer que “ao contrário do que disse o senhor ministro [da Defesa], a manifestação é um factor de coesão nas Forças Armadas”. “Esta manifestação serve para dar expressão ao enorme descontentamento e ansiedade que se vive dentro dos quartéis”, afirmou David Pereira, em resposta às declarações do Ministro da Defesa. Luís Amado.
"CONTESTAÇÃO MINA AUTORIDADE DO ESTADO"
O ministro da Defesa, Luís Amado, considerou ontem que a contestação dos militares face às medidas de austeridade aprovadas pelo Governo “mina a autoridade do Estado” e apelou “ao bom senso das associações”. Em declarações à TSF, o ministro mostrou-se preocupado com as acções de contestação dos militares, afirmando que estas “desgastam a instituição militar” e “põem em causa a coesão das Forças Armadas”. Luís Amado deixou ainda um aviso às associações militares: “O que é grave é que as Forças Armadas possam ser usadas como arma de acção política”. Segundo adiantou o ministro, “as Forças Armadas são demasiado sérias para se deixarem instrumentalizar do ponto de vista político-partidário”, advertindo que a Constituição estipula uma separação entre as Forças Armadas e a “acção política e partidária”. Luís Amado lembrou ainda que a manifestação das associações de militares não devem “desviar-se das regras do associativismo militar” e não enveredar pelo “associativismo sindical”.
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