Por Ângelo Soares
As nacionalizações em Portugal efectuadas ao abrigo do Dec.-Lei nº 407-A/75, de 30 de Junho e as expropriações efectuadas ao abrigo da Reforma Agrária, desde 25 de Abril de 1974 até meados de 1977, conferiram aos titulares de direitos sobre esses bens, o direito a uma indemnização que somente lhes é reconhecida pela Lei nº 80/77, de 26 de Outubro.
Tratava-se, obviamente, de corrigir uma situação que nada tinha a ver com a descolonização.
Na Assembleia da República, são apresentadas, pelo governo socialista de então, duas propostas de lei, que foram usadas como documentos de trabalho, tendo o Partido Social-Democrata elaborado um texto conjunto dessas duas propostas com inovações de importância para o debate e futura legislação do regime de indemnizações.
O reconhecimento de notórias “ dificuldades de consenso”, levou o Grupo Parlamentar do CDS-PP a apresentar, em 27 de Maio de 1977, o Projecto de Lei Nº. 74/I.
Com evidente desejo de auxiliar os então designados por “retornados”, o Artº 27. deste Projecto, apresentava a seguinte redacção:
- Os bens sitos em territórios de ex-colónias que se prove terem sido aí expropriados, nacionalizados ou de outra forma objecto de privação duradoura de posse e fruição, bem como os respectivos títulos representativos de direitos, estão sujeitos a idêntico regime, podendo as correspondentes indemnizações ser calculadas, face à legislação aplicável, pelo tribunal da residência do titular.
- Nos casos referidos no número anterior, presume-se a existência de direito à indemnização, em conformidade com os princípios gerais de direito.
Do Nº 139, do Diário da Assembleia da República, de 10 de Agosto de 1977, constam as diferentes e elucidativas intervenções seguindo as tendências em moda na época:
Veiga de Oliveira(PCP): a aprovação da lei chamada das “indemnizações” representa mais um entorse ao espírito e ao sentido da Revolução de Abril.
Acácio Barreiros(UDP): Voto contra por uma razão muito simples. É que estamos com o 25 de Abril, contra os monopólios e o imperialismo. É uma monstruosidade pagar mais de 100 milhões de contos aos grandes capitalistas de Portugal.
Sousa Franco(PSD): “abstenção na votação final da Lei das Indemnizações, com consciência de que, no momento, é melhor ter esta lei do que lei nenhuma.
Luís Cid(PS): Com esta votação se regularizava mais um contencioso latente na vida nacional e se consolida a jovem democracia portuguesa.
Amaro da Costa(CDS): A lei das indemnizações, tal como foi aprovada, constitui, a nosso ver, um colossal erro económico e social.
...por razões de justiça social, por razões de ordem económica e por razões políticas justifica-se plenamente o nosso voto (negativo).
Foi neste ambiente que o projecto do CDS atrás referido se transformou no artº. 40º. da Lei Nº 80/77, de 26 de Outubro, com a nova redacção:
1.- Os bens sitos em territórios de ex-colónias que se prova terem sido aí expropriados, nacionalizados ou de outra forma objecto de privação duradoura bem como os respectivos títulos representativos de direitos, estão sujeitos a regime de indemnização fixado segundo a lei do Estado da localização dos bens ou da sede ou direcção efectiva, a pagar pelo Estado que procedeu à respectiva nacionalização, expropriação ou privação da posse ou fruição.
Aqui deixamos de forma sucinta, como os políticos abrilistas tiveram a alta “capacidade” de resolver com um simples artigo formado por 3 parágrafos em 26 linhas do Diário da República, uma questão tão dramática como a das indemnizações que o Estado Português deve aos espoliados do Ultramar.
Não foi tido em conta que faltou capacidade aos negociadores portugueses que intervieram no Acordo de Lusaka para que no mesmo fosse incluída uma cláusula a defender, depois da independência, os legítimos interesses dos milhares de residentes em Moçambique.
Nem os alertou o conhecimento público generalizado da FRELIMO ser um movimento com raízes marxistas.
E ignoraram, ou fizeram-se esquecidos, de que o Conselho de Ministros da República Popular de Moçambique, por Decreto-Lei nº 4/75, de 16 de Agosto, havia decidido “encerrar os escritórios dos advogados, por ter sido julgada incompatível a existência da advocacia privada com uma justiça que se irá pôr ao serviço das largas massas do povo moçambicano”.
Em consequência “não é permitido em Moçambique, a título de profissão liberal, exercer advocacia ou funções de consulta jurídica, solicitar judicialmente ou praticar procuradoria judicial ou extra judicial”.
Foi criado o Serviço Nacional de Consulta e Assistência Jurídica, que ficou na dependência da Procuradoria-Geral da República.
Face a tais medidas, os tribunais ficaram sem funcionários de carreira e a justiça transformou-se durante vários anos em uma confusão diabólica.
Mesmo que os espoliados em Moçambique estivessem em situação económica de o fazer (o que não acontecia) não existia forma válida de litigar contra o governo marxista no poder.
Mas vamos admitir, por pura divagação intelectual, que alguém conseguia visto para regressar a Moçambique (artº 4º da Portaria 28/75 de 19 de Agosto, perda de residência a quem estiver ausente, sem causa justificada por período superior a 90 dias) e, como parte interessada, procurava interpor uma acção contra o Estado moçambicano cumprindo para tanto as normas revolucionárias estabelecidas no Dec-Lei nº 4/75.
Depois de 31 de Março de 1983 poderia estar sujeito à Lei nº 5/83, cujo artº 4º estabelecia a pena de 3 a 30 chicotadas por série, podendo aplicar-se até ao limite de 3 séries espaçadas por períodos não inferiores a 8 dias.
Conforme o artº 3º esta pena não poderia ser suspensa ou substituída por prisão ou multa. Constando da alínea 3ª que somente não seria aplicada quando o criminoso tivesse sido condenado à pena de morte.
Era esta a situação no estado da localização dos bens ao qual o artº 40 mandava reclamar os espoliados de Moçambique.
Com relação a Angola e ao acordo do Alvor, assinado em 28.01.1975 entre o Estado português e os chamados movimentos de libertação FNLA, MPLA e UNITA já foi tido como necessário o artº. 54º pelo qual estes movimentos se comprometeram a respeitar os bens e interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Angola.
Pelo Dec.-Lei nº 458-A/75, de 22 de Agosto, este Acordo foi considerado transitoriamente suspenso “no que diz respeito aos órgãos de governo de Angola”, “por ter sido objecto de frequentes violações por parte dos aludidos movimentos, numa manifestação da sua incapacidade de superarem as divergências”.
Incapacidade que nos anos seguintes se manteve nos vários sectores da administração pública angolana.
Os anos passaram fazendo serenar os ânimos políticos. E, em 16/4/1992, a Resolução do Conselho de Ministros nº 13/92, subscrita pelo então Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva, cria o Gabinete de Apoio aos Espoliados, no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros e pelo prazo de 5 anos.
A Resolução começava por afirmar: “O complexo problema da descolonização, iniciado nas circunstâncias políticas e sociais de todos conhecidas, ocasionou graves repercussões na vida pessoal e profissional de muitos cidadãos portugueses que, naquela data viviam nas ex-colónias”.
Era competência do GAE “a ponderação e defesa dos interesses dos portugueses cujos bens e direitos foram confiscados, nacionalizados, no decurso dos processos de descolonização”.
Vem a propósito registar que o governo francês indemnizou em devido tempo os cidadãos franceses espoliados nas colónias que mantinha, o mesmo acontecendo com a Inglaterra e Itália, país que levou o seu critério de justiça social ao ponto de ter liquidado os bens espoliados aos seus emigrantes em Angola e Moçambique, tendo multiplicado os valores reclamados pelo coeficiente correctivo de 1,90.
É chegada a altura de a Assembleia da República se redimir aprovando uma lei que corrija a injustiça praticada em 10.08.1977, com o artº. 40º que alguns juristas consideram de constitucionalidade duvidosa.
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