Trinta e três anos depois do 25 de Novembro de 1975, assistimos novamente a sinais preocupantes com origem nos militares. Sinais que revelam profunda indignação dos cidadãos em uniforme de uma democracia para cuja fundação foram absolutamente determinantes.
Já há muito tempo que alguns chefes das associações profissionais dos militares e outros militares na reserva ou na reforma vêm chamando a atenção da opinião pública para a enorme insatisfação que grassa nas fileiras, insatisfação que abrange todos quantos têm o compromisso de estar prontos a sacrificar a vida para defenderem a sua Pátria, desde os mais baixos aos mais elevados graus da hierarquia.
Os motivos de descontentamento relacionam-se com o modo como têm sido descurados os direitos que o Estado lhes outorga formalmente como compensação das obrigações que lhes exige, mas lhes recusa de facto, direitos resultantes das especificidades próprias das missões que justificam a existência de um sistema militar ao serviço de Portugal e que constam da Lei sobre a condição militar.
As razões de indignação envolvem:
1) seu enquadramento incorrecto na grelha remuneratória dos vários servidores públicos (onde são descriminados muito negativamente, em comparação com as profissões da administração pública consideradas equivalentes);
2) deficiências no apoio de saúde que lhes é devido, bem como aos seus familiares, de cujo bem-estar depende em elevado grau o ânimo para o cumprimento da missão ou seja o seu moral;
3) modo como são tratados pelos responsáveis políticos os camaradas que já se encontram na situação de reserva e reforma (nos quais se revêem quando atingirem a mesma situação);
4) falta da assistência a que têm direito os militares que ficaram deficientes ao serviço do país (particularmente durante a guerra), o que também lhes pode vir a acontecer;
5) desconsideração com que estão a ser tratados os veteranos combatentes cujas condições económicas, sociais e/ou de saúde se degradaram;
6) insuficiência dos orçamentos militares correntes, que impedem o funcionamento normal das unidades, serviços e órgãos, com o risco da existência de falhas com impacte, mesmo que indirecto, na operacionalidade desejada;
7) baixa prioridade conferida ao investimento na obtenção e substituição de equipamento e armamento de primeira necessidade, para garantir a participação das unidades nacionais destacadas que operam ao lado de contingentes aliados em idênticas condições, e de longas inexplicáveis na sua materialização quando autorizadas.
Até agora, tem-se ouvido a voz dos mais experientes (e mais prudentes), que já se encontram fora do serviço activo, alertando para as consequências que estas situações poderão produzir. Assim como dos líderes associativos, pressionados pelos sócios que os elegeram seus representantes.
Sabe-se que os chefes militares, como lhes compete, têm alertado para estes problemas com a atitude de respeito que os caracteriza, mas também com a veemência que traduz forte preocupação.
Só que têm emergido ultimamente indicações da existência de sentimentos de agravo de muitos jovens em uniforme – praças, sargentos e oficiais – há muito conhecidas da hierarquia de topo, que, não há menos tempo, delas se têm feito eco junto dos políticos com capacidade de os resolver.
Sentimentos que podem acentuar-se, se vierem a entender como insuficientes e injustas as mudanças que estão a ser estudadas nos suplementos remuneratórios, quando concretizadas.
Este facto constitui uma circunstância nova que introduz uma alteração qualitativa na situação de insatisfação dos militares que até agora tem sido referida, caracterizada por os mais jovens, normalmente mais idealistas, não cuidarem muito das condições que lhes permitam o acesso justo a bens materiais e a tratamento condigno.
Costuma afirmar-se, e bem, que a nossa democracia, reforçada pela presença de Portugal na União Europeia, se tornou numa garantia de que os golpes militares não regressam.
O que terá contribuído para o confortável sossego dos responsáveis políticos perante as vozes de alerta que se têm ouvido acerca do que preocupa os militares. E terá mesmo justificado a sua apatia, não agindo em conformidade com o dever de tratar os militares com o respeito e a dignidade que merecem, em consonância com as funções que o país lhes atribui nas situações mais difíceis e perigosas. E tendo em atenção as condições de limitação de direitos e de exigência reforçada de obrigações que caracterizam a sua qualidade de servidores da Pátria em situações limite, o que os impede de declarar publicamente o desagrado que sentem.
Presumo que a postura generalizada dos militares é uma sólida disposição, melhor, determinação de não perturbar a normalidade democrática, já que é insuspeita a sua devoção ao regime, para cuja implantação tiveram contribuição decisiva.
Mas a angústia provocada por situações de dificuldade, associada ao sentimento de que são objecto de injustiça relativamente à forma como são tratados profissionais da administração pública a que são equiparados, cuja persistência lhes parece absolutamente incompreensível, poderá conduzir a actos de desespero, capazes de gerar consequências de gravidade, que julgaríamos completamente impossíveis de voltar a acontecer.
Até agora têm falado e agido os mais velhos, logo os mais conhecedores, os mais compreensivos, os mais cautelosos. Mas atenção aos jovens.
Os mais jovens são os mais generosos de todos nós, mas são também os mais sensíveis a injustiças, os mais corajosos e destemidos, os mais puros nas suas intenções, os mais temerários (muitas vezes imprudentes).
Os altos responsáveis nacionais deverão ter em muita atenção o crescente número de militares jovens que assumem a consciência de quem são os responsáveis pelas injustiças a que estão a ser sujeitos e pela situação precária em que se encontra a sua vida privada e social (como a das respectivas famílias), assim como pelos perigos que poderão decorrer para o cabal cumprimento das missões que são chamados a cumprir.
Para prevenir situações de perturbação social, que podem ser muito inconvenientes, nomeadamente na forma como somos vistos pelos nossos parceiros da União Europeia e da NATO, bem como pelos membros da CPLP, torna-se da maior importância que os nossos líderes, a começar pelo Presidente da República e o Primeiro-Ministro, leiam com atenção os sinais que saem da Instituição Militar e ajam, sem demora, em conformidade.
Convém não nos julgarmos blindados contra situações desagradáveis que possam vir a surgir, nem que insistamos em pensar que “acontecimentos (funestos) do passado não voltam a acontecer”.
Atento ao evoluir da situação e comprometido com a democracia, como os militares da minha geração, sinto o dever de fazer este alerta aos primeiros responsáveis do regime, cuja instauração tanto custou.
Leiam os sinais preocupantes que estão a vir à superfície relativamente ao que sente a Instituição Militar, dêem atenção aos chefes militares e corrijam as injustiças.
Loureiro dos Santos
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