Revisitando o PREC (?!)
(…) de bisonho e fracassado operacional (Jaime Neves) na madru-
gada de 25 de Abril a fervoroso e empenhado revolucionário. (…)
(…) Em 25 de Novembro, emerge impante como o comandante da
força aríete. Eanes fará dele, publicamente, o herói do momento e
da circunstância. (…)
Cor. Sousa e Castro in “Cap. de Abril e Cap. de Novembro”/2009
Estranhara ao verificar que o Professor e destacado analista político se tinha abalançado na tarefa de prefaciar o recente livro de Sousa e Castro, editado em Novembro passado. Assim, veio dar alguma credibilidade da dita área de direita em relação a tal publicação.
Ainda conseguiu fazer algumas críticas quer a nível militar, quer partidário, ao mesmo tempo que ia dizendo ter “sido apanhado à última da hora”, para alinhavar aquelas palavras introdutórias.
Quero acrescentar mais algo sobre o conteúdo deste livro, onde é praticada em elevado grau a técnica da omissão, quer em relação a pessoas como Hugo dos Santos, Mariz Fernandes, José Pais e Lobato Faria, quer quanto ao sucedido em acontecimentos como o 28 de Setembro e as prisões então desencadeadas pelo PCP, desde essa data.
E quando ao autor não lhe é possível omitir pessoas, dado o seu grande envolvimento nos acontecimentos mais marcantes (25 de Abril e 25 de Novembro), como foi o caso do General Jaime Neves, então avança com uma crítica feroz, a rondar o insulto.
Através destas inesperadas linhas o Professor acabaria por me fazer regressar às lembranças dos tempos do PREC, quando no então “seu” Expresso, à semelhança da restante equipa editorial se posicionou numa atitude de condescendência (quando não de apoio) à vergonhosa descolonização dos territórios africanos, e não só… E na altura ficou bem claro que esse processo e nomeadamente em Angola, foi a entrega pura e simples ao neocolonialismo soviético. Como afirmou Manuel Monge, numa entrevista (1997), que me deu para um trabalho publicado, “a descolonização é a página mais negra da História de Portugal Contemporâneo, sendo a grande nódoa de Abril”. E acrescentava: “Foi feita na defesa dos interesses políticos e estratégicos da União Soviética, dos seus aliados e dos seus movimentos no terreno; foi contra os interesses permanentes de Portugal, contra os portugueses residentes em territórios sob a nossa administração e contra os interesses das suas populações.”
Em tal processo, as contradições foram muito flagrantes. Enquanto se dizia que apenas se devia negociar com quem possuía a força das armas, como em certa medida poderia ser aceitável no caso da Guiné (o General Spínola já o tentara anos antes), em Angola veio a tornar-se num dramático equívoco. O poder seria entregue, através da actuação pouco isenta de oficiais portugueses, como Rosa Coutinho e Pezarat Correia, ao MPLA, um movimento praticamente inexistente em termos operacionais antes do 25 de Abril e completamente dividido politicamente em duas facções no exterior do território. Assim considero verdadeiramente espantoso que Sousa e Castro venha fazer a defesa daquele almirante (“vermelho”, como foi apelidado pelos retornados angolanos) que, além de ter facilitado a referida entrega a um movimento pró-soviético, se arvorou, em Portugal, em defensor do “socialismo científico”, através da via militar - o designado MFA, tão louvado por este autor.
Sousa e Castro, em relação a Rosa Coutinho, acabaria por fazer estranhos comentários elogiosos, à semelhança do que sucedeu com Vasco Lourenço, no livro/entrevista publicado no princípio do ano, com os incríveis elogios a Carlos Fabião, militar que, nas funções de CEME, permitiu, ao longo de 1975, que o Exército ficasse completamente destruído.
Mistérios insondáveis que não contribuem nada para o futuro esclarecimento da verdade histórica, não é senhor Professor?
O homem forte do 25 de Novembro
Na minha opinião estes dois coronéis deviam pôr a “mão na consciência” antes de se meterem por caminhos ínvios na crítica infundada ao General Jaime Neves. Por exemplo, a Associação de Comandos, que Sousa e Castro apelida de “extrema-direita” (?!), foi quem conseguiu mobilizar em tempos difíceis, duas companhias de comandos, vindas da vida civil e com experiência de combate em África, que o Regimento de Comandos e o Posto de Comando de Ramalho Eanes utilizaram no 25 de Novembro. Deram um decisivo contributo para normalizar a agitada situação nacional, à beira da guerra civil e conseguir a reposição da democracia pluralista prometida em 25 de Abril.
Talvez o Professor não saiba (ou não se recorde) mas pode ser imputada a estes dois militares a inveja de não terem conseguido atingir o almejado posto de general, apesar de o terem tentado mais do que uma vez, enquanto membros do Conselho da Revolução, ou quando este órgão político-militar foi extinto. Daí as suas criticas dispendidas a Jaime Neves na Comunicação Social ou em textos publicados.
Também, segundo oficiais dos “comandos”, não é verdade o referido neste livro que «Sousa e Castro e os seus camaradas alferes do QP se recusaram a receber os crachats da especialidade “comando”, no final de um curso realizado em Angola». O que sucedeu foi que não completaram o “curso de comandos” e assim sendo, nunca poderiam receber esses crachats.
Quando pretende pôr em causa a isenção e o apartidarismo de Jaime Neves, este autor tem a desfaçatez de afirmar que, no gabinete do comandante do Regimento, “verificou, sem espanto, pontificava um cartaz com o emblema do PPD”. Tal também não é verdade, pois desde finais de
O que se inventa, passados mais de trinta anos, para denegrir a imagem pública de um oficial como Jaime Neves que, nos anos 90, foi condecorado com a mais alta condecoração portuguesa – a Torre Espada, pela sua actuação em África e nos vários acontecimentos ocorridos em Portugal: 16 de Março, 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975. No alvará da condecoração (1995), assinado por Mário Soares, pode ler-se: o Coronel Jaime Neves teve uma participação decisiva nas acções militares que conduziram à restauração da democracia em Portugal e à sua intransigente defesa, nomeadamente pela sua actuação no 16 de Março, 25 de Abril e 25 de Novembro.
Sousa e Castro deita para o lixo os grandes elogios dados pelo Presidente da República da altura (generosidade, frontalidade, prestígio nacional, heroísmo militar e cívico, elevado exemplo e motivo de elevado prestígio para as Forças Amadas e credor da gratidão do Povo Português) e aplica-lhe rótulos como: politicamente um zero à esquerda; bisonho e fracassado operacional na madrugada de 25 de Abril; atitude completamente direitista, promotor insano e imparável de instabilidade no processo político-militar!!!
Afirmações deste tipo, comparadas com as das mais altas hierarquias do Estado, apenas denigrem quem as profere…
E foi este o autor do livro que o Professor se dignou aceitar prefaciar…
As omissões… e continuando nos desmentidos
Neste ensaio memorialístico, como referi, ocorrem graves omissões; entre elas destaca-se a importante actuação do General Hugo dos Santos antes, durante e depois do 25 de Abril e que praticamente não é referida ao longo do texto.
Também o autor passa pelo 28 de Setembro como “cão por vinha vindimada”, já que não são mencionadas as barricadas nas estradas, com multidões de civis apoiadas por militares, e as inúmeras prisões inspiradas pela linha estalinista do PCP, que se prolongariam em Dezembro, contra os ditos capitalistas e banqueiros.
Sobre este tipo de actuações, nove meses depois, vem falar que pediu a demissão do Conselho da Revolução, em 19 de Julho de 1975 por nos “Quatro caminhos” (bifurcação Sintra/Amadora/Lisboa) à saída da Amadora ter sido barrado por “bandos de civis coadjuvados por militares”. Eu, que passava sempre por esse local a caminho do Regimento de Comandos, não me recordo que tal tivesse ocorrido nesse verão. Terá sido uma actuação pontual relacionada com a manifestação do PS na Alameda Afonso Henriques, com refere. Já naquela do 28 Setembro tal ocorreu nos principais acessos a Lisboa, como sucedeu comigo na Calçada de Carriche/Odivelas e nos termos que descreveu: bandos de civis a mandar parar as pessoas e perguntando por armas, e revistando os porta-bagagens das viaturas, perante a complacência de alguns militares presentes.
Outra grave omissão, já praticada desde a altura em que trabalhou com Maria de Medeiros, para o seu filme sobre o 25 de Abril, foi ter retirado Jaime Neves da sequência das acções, nomeadamente na Avenida da Ribeira das Naus. Mas as fotos de Eduardo Gajeiro, que têm sido expostas publicamente, ilustram perfeitamente essa actuação. Quem enfrentou os carros de combate de Pato Anselmo e entrou em diálogo com este oficial foi o então Major Jaime Neves, depois de dar a guardar, a um soldado, a G-3 de que era portador. Disse-lhe:
“Vamos conversar. Então já estamos todos do mesmo lado e só vocês não aderiram…!?”. Isto resultou e não houve qualquer confronto, como afirmou Jaime Neves na entrevista que me concedeu (“Memórias da Revolução; Portugal 1974-75”/2004, p.47).
Assim não é verdade como diz no livro que “nos celebrados episódios da Ribeira das Naus, da Rua do Arsenal e do Terreiro do Paço, que só a enorme coragem de Salgueiro Maia evitará que se transformem numa cruenta tragédia. (…)”. Em relação ao mais dramático da Rua do Arsenal foi de facto Salgueiro Maia, mas a generalização feita não lhe fica bem… E quem comandou as operações no Terreiro do Paço foi o Ten-Coronel Costa Campos também ignorado por Sousa e Castro, tal como lá compareceu Jaime Neves, que chegou a esta praça, antes do Esquadrão de Cavalaria de Salgueiro Maia.
E quanto ao falhanço das equipas de “comandos” por não terem conseguido deter alguns dos oficiais com funções de comando em Cav.ª 7 e Reg. de Lanceiros 2, à saída das suas residências, tal apenas se poderá assacar aos comandantes desses grupos de “comandos”, lançados na cidade de Lisboa e actuando sem qualquer meio de ligação rádio. Sobre a referida missão de captura de uma viatura da PSP, não se terá considerado essa necessidade, pois houve a colaboração da PSP da área, já que o comandante desta corporação na Praça da Alegria era o Capitão “Comando” Coutinho Ferreira, que aderiu.
Finalmente, depois ter ouvido tanta gente sobre os acontecimentos anteriores e posteriores ao 25 de Abril e ter consultado inúmeras obras e arquivos, foi a primeira vez que vi atribuída a missão da tomada da DGS, na António Maria Cardoso, a uma equipa de “comandos”, nesta data. Talvez Otelo queira pronunciar-se sobre a quem foi atribuída essa missão. Quem de facto a executou foi o Esquadrão de Cavalaria de Estremoz, outra das unidades muito ignoradas na acção.
Sousa e Castro revisita Marcelo Rebelo de Sousa em 1975
Para salientar a dita “legalidade revolucionária”, que tinha destruído as Forças Armadas, e justificar a manutenção em funções do Conselho da Revolução, o autor foi repescar o discurso proferido pelo Professor na Assembleia Constituinte, em 3 de Dezembro de 1975:
(…) O que sucedeu no 25 de Abril com o Movimento das Forças Armadas foi precisamente isso. O MFA, de alguma maneira exprimindo cabalmente a vontade do povo português contra a ditadura fascista e colonialista, veio a ser portador de uma legitimidade revolucionária
(…) A legitimidade revolucionária tem um conteúdo. A legitimidade revolucionária não é, não pode ser, um cheque em branco.
A legitimidade revolucionária teve um conteúdo, primeiro, definido no Programa do MFA, e teve conteúdos supervenientes, deles citando, porque me parece o documento mais representativo, o Plano de Acção Política, aprovado alguns meses atrás.(…)
No entanto, Sousa e Castro não destacou um outro aspecto talvez por ser inconveniente para a sua análise. Nesse mesmo discurso, Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de por vezes utilizar a linguagem típica da época e introduzida no discurso político pelo experiente PCP (por exemplo - regime fascista e não autoritário -, como talvez seja mais correcto) também afirmou:
“(…) Vivemos, portanto, neste momento, em plena actividade da Assembleia Constituinte, um período de coexistência de duas legitimidades: uma legitimidade transitória, que durará até ao momento da entrada em vigor da Constituição, uma legitimidade revolucionária, e que é a legitimidade corporizada nos documentos que referi do MFA, e que tem a sua tradução em órgãos que não têm directa vinculação relativamente a esta Assembleia Constituinte; e uma legitimidade democrático-eleitoral, legitimidade essa bebida no sufrágio directo, universal e secreto, que representou a expressão da vontade dos Portugueses no dia 25 de Abril de 1975. (…)
Para lembrar a conjuntura vivida naquela época revolucionária, convém ressaltar o que era afirmado a um jornal francês por Melo Antunes, considerado o mais importante ideólogo do MFA. Assim se percebe que, tal como este MFA, que funcionando como hierarquia paralela levou ao desgaste e à indisciplina da Forças Armadas, também a nível partidário a aliança feita com o PCP resultou num grande fracasso (Declarações de Melo Antunes ao “Nouvel Observateur”, em 21-11-1975):
(…) Depois do 25 de Abril, a estratégia do Partido Comunista não era muito clara. Talvez não estivesse mesmo ainda definida. Nós nas Forças Armadas, éramos a verdadeira força motriz da Revolução. Queríamos levar a efeito um projecto preciso, socialista e pluralista, socialista e democrático. Pensávamos que para realizar um tal projecto, a presença ao nosso lado do Partido Comunista era, mais do que útil, necessária. Por isso propusemos aos comunistas uma frente comum e uma colaboração total. Eles aceitaram. Mais tarde estalaram as crises entre os partidos, a cujo relato a pouparei. Estas crises, sobretudo entre o PC e o PS, repercutiram-se no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA), cuja homogeneidade inicial foi depressa destruída. (…)
Cor. Ref. Manuel Bernardo 22-12-2009
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