VERTICAL - 11.05.2004
Espera-se mais que um pronunciamento bizarro
(Maputo) Depois de em Setembro de 2002 Aníbal António dos Santos Júnior, mais conhecido por Anibalzinho, ter-se escapulido pela primeira vez da Cadeia de Máxima Segurança da Machava, vulgarmente conhecida por B.O., o Ministro do Interior, Almerinho Manhenje, naquela que foi tida como a
afirmação mais bizarra do ano, ter dito aos deputados da Assembleia da República (AR) e à Nação em geral que "em qualquer parte do mundo os presos fogem", hoje a sociedade exige que a reacção de Manhenje e dos restantes funcionários do sector da Justiça sobre a mais recente "soltura" de
Anibalzinho seja, no mínimo, um pouco mais que um pronunciamento bizarro.
Anibalzinho, que se encontrava a cumprir a pena máxima de 28 anos de prisão, sumiu anteontem, em plena luz do dia.
Tanto o Ministro, como o Comandante, passando pelo Director da B.O., até às Forças Especiais, sobre as quais se gastaram rios de dinheiro na sua formação para que houvesse máxima segurança na B.O., devem ter algo para dizer relativamente à alegada fuga de Anibalzinho, assim entendem os advogados da Liga dos Direitos Humanos (LDH).
Eles consideram este último acontecimento como se tratando de uma brincadeira com a inteligência das pessoas, pois, justificam, "não podem existir indivíduos que fazem e desfazem sem que nada lhes aconteça". A pergunta que deve ser formulada agora, de acordo com as nossas fontes da LDH, é porquê somente Anibalzinho consegue sair da B.O.; "aquele que o terá feito fugir está a evitar certos
acontecimentos".
Na óptica dos nossos interlocutores, o que importa agora é que os dirigentes tomem uma atitude de ordem moral. "É altura dos dirigentes colocarem os seus cargos à disposição", afirmam eles.
Relativamente ao papel da dita Sociedade Civil (se é que existe de facto), nesta matéria, as nossas fontes da LDH generalizaram: "no país não existe Sociedade Civil (SC)", pois, "todos os dias criam-se
organizações que se fazem passar por representantes da SC, mas quando chega a hora de participar
na resolução dos problemas do país, essa tal SC não tem ouvidos, não tem olhos e não tem voz. Ninguém levanta a voz. Ninguém é capaz de encobrir o que quer ser visto a nu". Os escândalos não repugnam a ninguém, acontecem naturalmente.
Para a LDH, o olhar de preocupação não deve ser restringido à responsabilização jurídica apenas, tem que se partir para uma responsabilização política. É que, de acordo com os advogados da LDH, o próprio Ministro do Interior tem a obrigação moral de dizer ao Presidente da República, individualidade sobre a qual é responsável pela sua segurança, que coloca o seu cargo à disposição, pois, "a imagem do Chefe
de Estado é denegrida pelos governantes".
A LDH entende que não é possível aceitar a fuga naquela cadeia porque somente o acesso àquele estabelecimento para tratar de questões de direito é difícil, dada a alta segurança.
Para além da Sociedade Civil, as críticas da liga estendem-se à Comunidade Internacional que tem o seu grau de culpabilidade. Para eles, estando-se a tratar de doadores, impõe-se que façam a devida fiscalização do cenário sobre o qual são despojados os seus donativos.
"A SC devia exigir ao Governo a prestação de contas e não ficar alheia à tomada de decisões", salientaram.
A alegada fuga de Anibalzinho "remete-nos a uma situação de séria apreensão do Estado de Direito", disse-nos o empresário Fernando Amado Couto, considerando a alegada fuga como se tratando de "um motivo para indignação".
Fernando Couto, que não sabia do acontecimento, afirmou, a partir de Joanesburgo onde se encontrava, que por parte das autoridades que velam pelo sector da Justiça espera que haja uma reação de acordo com a consciência e responsabilidade que a cada um compete.
O presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e Legalidade da AR, Ossumane Aly Dauto, entende que a alegada fuga só vem demonstrar a fragilidade dos estabelecimentos prisionais. De modo algum, prosseguiu ele, se pode concluir que este acontecimento veio colocar em causa os processos ora em curso, nomeadamente, o "caso Carlos Cardoso", agora no Tribunal Supremo, ou o "caso BCM". Para Aly Dauto, apenas as entidades jurídicas poderão saber explicar o que está acontecendo,
concretamente, sobre a crise das instituições de Justiça e a fragilidade das prisões.
"O facto de os presos fugirem em qualquer parte do mundo não pode fazer-nos olhar para a fuga de Anibalzinho como sendo uma normalidade. Deve preocupar as instituições que deverão trabalhar na recaptura do cadastrado", disse Aly Dauto.
Nataniel Macamo, porta-voz do Ministério do Interior, disse que "os reclusos têm tido «banhos solares» de manhã e de tarde. Ao grupo de Anibalzinho o oficial não deu o «banho solar» na parte da manhã. Fê-lo de tarde e, a dada altura, o oficial abandona o circuito. Até ao momento presume-se que tenha havido uma facilitação porque houve falta de cuidado no cumprimento do dever. Houve negligência porque não foram
tomados os devidos cuidados".
Questionado sobre as medidas que teriam sido tomadas relativamente ao grupo tido como extremamente periogoso, Nataniel Macamo disse-nos que "os reclusos são tratados com humanidade e não com crueldade ou tortura". (Armando Nenane e Victor Matsinhe)
PS: Até ao fecho desta edição, a Polícia da República de Moçambique(PRM), pela voz do porta-voz do Comando- Geral, Nataniel Macamo, disse que tinha detido dois polícias para as investigações. Trata-se dos oficiais Júlio Laíce e de
Luís Simões.