... Em Moçambique, António Vaz, responsável da Delegação, confirma que a PIDE/DGS «possuía uma muito razoável rede de informadores no seio da FRELIMO...»}63. Novos exemplos o demonstram. Em 1969, numa informação classificada de «totalmente segura» faz-se um inventário das armas existentes no armazém da FRELIMO, em Mitomani164. Em 1974, um informador dá conta da chegada a Dar-es-Salam de «armas mais potentes que o foguetão de 122 mm»165. A polícia desconfia que seja o míssil Strella, o que será confirmado166. Ainda um último exemplo: as circunstâncias que conduziram ao assassínio de Eduardo Mondlane.
Sabe-se hoje quem fabricou e enviou a bomba que vitimaria o presidente da FRELIMO. Terá sido Casimiro Monteiro, segundo acusação de Rosa Casaco167, secundado por Oscar Cardoso168. Mas ficamos sem saber quem informou a PIDE de que Mondlane encomendara uma «tradução francesa das Obras Escolhidas do célebre marxista russo George V. Plekhanov»169 e onde a encomendara. Sabe-se, apenas, que dificilmente se encontraria aquele autor e aquela versão linguística numa livraria portuguesa.
O inspector-adjunto da PIDE-DGS, Oscar Cardoso, tão parco noutro tipo de informações, tem neste caso o cuidado de afirmar que Casimiro Monteiro «teve a colaboração do chefe de segurança do Mondlane, o Joaquim Chissano, actual Presidente da República de Moçambique»170®. Tratar-se-á de uma provocação. Contudo, persiste a interrogação:
- Quem, dentre os elementos próximos do presidente e da direcção da FRELIMO, informou a PIDE?
O mais provável é que tenha sido Silvério Nungu, que adiante identificaremos. Nungu foi preso quando tentava fugir para Moçambique e teria morrido em resultado de uma greve da fome. A hipótese foi avançada pelo jornalista inglês David Martin, correspondente em Dar-es-Salam do jornal The Observer171. Uma coisa é certa. Tinha de ser alguém perto do presidente da FRELIMO. Mas voltaremos a falar de tudo isto no capítulo consagrado às operações, quando abordarmos mais em pormenor o assassínio de Eduardo Mondlane...
1.2. Assassínio de Eduardo Mondlane
Tentemos, agora, fazer luz sobre o assassínio de Eduardo Mondlane, presidente da FRELIMO.
1.2.1. O crime
Na manhã do dia 3 de Fevereiro de 1969, em Dar-es-Salam, Eduardo Mondlane, presidente da FRELIMO, morre, quando abria uma encomenda armadilhada contendo «a tradução francesa das Obras Escolhidas do célebre marxista russo George V. Plekhanov»23. A explosão ter-lhe-ia decepado as mãos e separado o tronco em duas partes24.
1.2.2. Cortinas defumo
Polícias e membros do regime lançam cortinas de fumo, tendentes a desviar a atenção dos verdadeiros criminosos:
O inspector Gomes Lopes, chefe da Subdelegação da PIDE/DGS na cidade da Beira, declara a um jornalista norte-americano: «Ou os russos planearam o assassinato ou se tratou duma engenhosa armadilha montada pêlos chineses»25.
O engenheiro Jorge Jardim, por seu lado, afirma que Hastings Banda, do Malawi, atribuíra a morte de Mondlane a «manobras dos agentes da China»26.
Finalmente, o professor Silva Cunha, membro dos Governos de Salazar e de Caetano, declara que ao regime interessava mais Mondlane do que Machel à frente da FRELIMO. A mesma versão seria avançada por António Vaz, chefe da delegação da PIDE em Moçambique, para quem Mondlane era o «menos mau»2'1.
1.2.3. A verdade sobre o crime
Segundo Geoffrey Sawaya, chefe dos serviços secretos da Tanzânia, no livro bomba teria sido usado material explosivo fornecido por uma empresa japonesa à Casa Praff, sita no n° 5 da rua Joaquim Lapa, em Lourenço Marques. E a PIDE teria sido ajudada no seio da FRELIMO, por Lázaro Nkavandame e por Silvedo Nungu. Nungu fora secretário administrativo do Comité Central, eleito no 1° Congresso da FRELIMO, sendo igualmente assinalada a sua presença na Direcção do Departamento de Informação e Propaganda, ao lado de Pascoal Mucumbi28. Ao que parece, morreu na prisão em resultado duma greve da fome29.
O jornal The Observer, de 7 de Fevereiro de 1972, atribui à PIDE/DGS as responsabilidades pelo crime. E declara que a polícia tanzaniana tinha como suspeitos e colaboradores da polícia portuguesa Lázaro Nkavandame e Silvério Nungu, detido quando tentava fugir para Moçambique30.
O jornal The Sunday Times, num artigo publicado em 20 de Janeiro de 1975, refere, pela primeira vez, o envolvimento de Casimiro Monteiro no crime31.
A espionagem italiana do Servizio Informatione Difesa (SDI) atribuiu o crime a uma rede envolvendo a PIDE e a AGINTERPRESS, o engenheiro Jorge Jardim, Uria Simango e Robert Leroy, espião em Dar-es-Salam. O autor material teria sido Casimiro Monteiro32.
Segundo testemunho do chefe de redacção do Notícias da Beira, o engenheiro Jorge Jardim compareceu na redacção no dia do atentado (facto, ao que parece, inédito) e aguardou várias horas pela chegada duma «.importante notícia», precisamente a notícia do atentado que vitimou Eduardo Mondlane33.
O inspector Rosa Casaco, em entrevista ao Expresso, assegura:
«Quem montou a carta foi o Casimiro Monteiro, parece que a mando do António Fernandes
O próprio filho de Casimiro Monteiro, em testemunho prestado à RTP, afirma ter sido o pai quem esteve por detrás da não desvendada morte do então presidente da FRELIMO35.
Oscar Cardoso, antigo responsável da PIDE/DGS, declarou em entrevista publicada:
«A carta armadilhada, que provocou a morte de Eduardo Mondlane, foi preparada por Casimiro Monteiro, que era de facto um grande especialista em explosivos. Mas o Casimiro Monteiro não agiu sozinho, teve a colaboração do chefe de segurança de Mondlane, o Joaquim Chissano, actual Presidente da República de Moçambique»^
Descontada a previsível provocação de quem foi instrutor da RENAMO, fica mais uma confirmação do papel de Casimiro Monteiro no crime. De resto, também o antigo operacional da CIO rodesiana, Henrick Ellert, atribui o assassínio a Casimiro Monteiro37. E o falecido marechal Costa Gomes garantiu que «quem matou o Mondlanefoi a PIDE»^.
Assim, todos os dados carreados parecem suficientes para concluir da responsabilidade da PIDE/DGS no assassínio de Eduardo Mondlane. Afigura-se, também, indubitável ter sido Casimiro Monteiro o autor material do crime. Já os instigadores são mais difíceis de discernir, embora pareça claro ter havido intervenção do chefe da delegação António Vaz e do engenheiro Jorge Jardim.
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