Sociedade: O que são as elites?
Para além da elite política, existem na sociedade outras elites, encontradas com base no acesso a outros poderes (o económico e o simbólico, por exemplo). Nas duas últimas edições deste semanário, abordei temáticas sociológicas que considero deverem ser ter tidas em conta, quando da elaboração de programas
económicos. Procurei aí demonstrar que, em Angola, as subvenções estatais têm indiscutivelmente beneficiado as elites angolanas.
Em virtude de poder haver dúvidas acerca do que são elites, é indispensável prestar esclarecimento acerca desta matéria. O que se passa é que, quando se fala em elites, o leitor comum considera normalmente apenas quem tem acesso ao poder político. Mas elite não é apenas isso. O que se deve, então, esclarecer acerca do que são as elites e de que elites existem na sociedade angolana?
Comecemos pela definição do termo.Existem inúmeras definições de elite, podendo aqui apresentar-se uma das mais simples, retirada de um dicionário de sociologia: uma elite «compreende as pessoas e os grupos que, graças ao poder que detêm ou à influência que exercem, contribuem para a acção histórica de uma colectividade, seja pelas decisões tomadas, seja pelas ideias, sentimentos ou emoções que exprimem ou simbolizam».
Quando se diz que uma pessoa faz parte de uma elite, quer-se dizer que essa pessoa possui qualidades (inatas ou adquiridas) que fazem com que ela se encontre numa posição que:
a) lhe confere privilégios e responsabilidades,
b) lhe atribui poder sobre outras pessoas ou grupos de pessoas, normalmente em número superior.
Portanto, o que faz com que alguém integre uma elite são atributos que essa pessoa possui. Por outro lado, o facto de se pertencer a uma elite confere simultaneamente privilégios e responsabilidades.
Comecemos pelos atributos que, como se disse, podem ser inatos ou adquiridos. Quanto a atributos inatos, podem referir-se as qualidades que nascem com o indivíduo, como sejam os casos da inteligência ou de aptidões excepcionais para as artes, a literatura ou a ciência, para a política ou os negócios. Estes mesmos atributos podem ser aprimorados ao longo da vida (na escola e fora dela), podendo a eles juntar-se outros, que vão sendo adquiridos com o decorrer do tempo. Alguns dos atributos adquiridos são, por exemplo, a instrução académica e a formação profissional.
O facto de alguém pertencer a um grupo elitário faz com que esse indivíduo adquira privilégios, que o colocam num dos grupos cimeiros, na pirâmide criada com base na estratificação social. Esse indivíduo tem poder sobre quem se situa abaixo nessa hierarquia, tendo também privilégios e responsabilidades que advêm do simples facto de pertencer a um grupo elitário. É preciso, ainda, dizer que quando se fala em poder, tem-se normalmente em mente não apenas o poder político. Em sociedade, existem outros poderes
(para além do político) pelos quais se luta, como sejam o poder económico e o poder social.
As elites angolanas
Apesar de haver quem considere haver uma elite em cada sociedade, o mais comum (e penso que o mais acertado) é considerarem-se várias elites. O que se pode dizer para o caso de Angola? Podem enumerar-se, em Angola, acima de tudo, três grupos elitários, nomeadamente: uma elite política (detentora do
poder político ou com acesso a ele), uma elite económica (tendo em conta o acesso aos recursos económicos) e uma elite cultural (considerando os recursos simbólicos). No caso concreto de Angola, pode considerar-se um quarto grupo elitário, que é a elite militar. Mas, apesar de se tratar de um grupo social importante, não precisa de haver consenso quanto a considerar-se este, um grupo elitário, visto haver quem o enquadra na primeira das elites mencionada (e ultimamente, também na segunda).
Pessoalmente, devido à sua especificidade, prefiro considerá-lo um grupo elitário distinto.
Portanto, quando nos meus textos falo nas elites angolanas, não estou somente a pensar na elite política. Existem outros grupos elitários (mesmo para além dos três fundamentais que acabam de ser enumerados), que detêm privilégios no acesso aos bens socialmente desejados - o poder político, o poder social, o capital, a instrução académica e o prestígio, para citar os mais importantes.
Para além dos três principais grupos elitários, há outros. Há um grupo elitário criado com base no acesso à instrução académica, por exemplo. Mas vejamos dois exemplos, no âmbito das profissões. O primeiro é o dos professores universitários. Mesmo não havendo até aqui, em Angola, pesquisas sociológicas no quadro do prestígio das profissões, penso que se pode considerar (tal como acontece noutros países, como os Estados Unidos, o Japão, a França ou a Polónia) que devido ao prestígio social que advém do exercício dessa função, os professores universitários (independentemente da qualificação e do facto de serem ou não intelectuais) fazem parte de um grupo socialmente considerado elitário. Normalmente não dispõem de recursos económicos de monta, mas o prestígio que advém do facto de serem docentes universitários coloca-os em lugar de destaque na sociedade.
Um outro grupo profissional de destaque, na sociedade angolana, são os médicos. Em Angola, apenas o facto de ser médico confere estatuto especial a quem exibe um tal diploma. Não se trata apenas do prestígio que advém do exercício dessa profissão. Para além disso, em Angola, quer pela gritante falta destes profissionais, quer pela importância social do seu trabalho (deles depende, de alguma forma, a nossa existência), ser médico abre uma série de outras portas. Por isso, deve considerar-se este, um grupo
elitário.
Para terminar, vamos recordar que quando se fala em elites, não se está a pensar somente (nem necessariamente) naqueles que detêm o poder político.
Existem na sociedade outros poderes, que fazem com que tenhamos de considerar a existência de outros grupos elitários - daí ser mais correcto falar-se em elites (no plural). A elite de intelectuais.
Um dos grupos elitários merece referência particular, devido a haver confusão acerca de quem o integra. Refiro-me à intelectualidade. Não há dúvida que se trata de uma elite. Mas quem é intelectual? Em Angola,
pensa-se que é intelectual, aquele que estudou até determinado grau. Pois a verdade é que uma coisa não implica necessariamente a outra.
É comum ouvir-se de estudantes universitários angolanos, a expressão "Nós, os intelectuais...". Em Angola, quem conclui um curso superior considera-se intelectual. Isso está errado. Porque, se assim fosse, as universidades atribuiriam "diplomas de intelectual". E não é isso que acontece.
Por absurdo que pareça, há também chefes de secção ou de repartição que se enquadram a si próprios nessa categoria, apenas por exercerem função de chefia numa empresa ou serviço. Ora, da mesma forma como não se pode «comprar um diploma de intelectual», não me parece que haja directores que assinem despachos de nomeação para integrar a categoria dos intelectuais.
Ser intelectual não está necessariamente relacionado com formação superior (nem com função de chefia, a qualquer nível). Há intelectuais com curso superior, é verdade, mas também os há sem curso superior. Para além disso, nem toda a gente com curso superior se pode considerar pertencente à elite intelectual.
Por definição, os intelectuais são pessoas de «grande cultura literária ou científica», que «cultivam preferencialmente as coisas do espírito» e que se "dedicam ao saber literário ou científico". Para complementar esta breve definição deste grupo elitário, recorro a um conhecido escritor angolano,
para quem o intelectual é «aquele que cria», que inova.
Portanto, a exibição de um diploma (de licenciatura, mestrado ou doutoramento) não confere a alguém o direito de se arvorar em intelectual. Para pertencer a esta elite, a pessoa tem de ter capacidade e
disponibilidade para ir mais longe. Intelectual não é aquele que exibe um diploma universitário de qualquer nível (conseguido, sabe-se lá como), mas aquele que demonstra conhecimentos acima do comum, que demonstra atitude e pensamento próprio, aquele que cria e inova.
Porque se assim não fosse, não poderíamos considerar intelectuais (por exemplo) alguns dos melhores jornalistas, escritores ou compositores angolanos, apenas por não terem curso superior.
Sem haver necessidade de citar nomes, penso poder concluir que temos, entre nós, verdadeiros intelectuais sem diploma universitário. Em contrapartida, temos licenciados que nem sequer sabem expressar uma ideia.
Semanário Angolense - Luanda
P.S.: Em Moçambique também será assim?