Transcrevo, pela sua importância, este trabalho apresentado no Yahoo Group de S. Tomé:
Olá a todos,
Segue abaixo uma grande reflexão do Silvino Palmer sobre a integração Regional. Mais um contributo valioso deste nosso brilhante quadro:
Adelino Cassandra
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Caros amigos e compatriotas
Achei interessante traduzir e compartilhar convosco um artigo de opinião do Sr. Moeletsi Mbeki sobre a integração regional. O Sr. Moeletsi Mbeki é vice-presidente do Instituto Sul-Africano das Relações Internacionais, uma instituição inserida na Universidade Witwatwersrand (África do Sul). Esta é uma versão alargada de um documento apresentado na conferência da UNCTAD que teve lugar na Alemanha em Fevereiro de 2004.
Peço-vos paciência para lerem o artigo pois é um pouco extenso mas vale a pena lê-lo pelo seu conteúdo e fazer uma análise comparativa ao caso de S.Tomé e Príncipe (STP).
No fim, apresento algumas considerações no contexto de STP.
""Porquê que a Integração Regional não é uma solução para o subdesenvolvimento de África?""
Instituto Sul-Africano para as Relações Internacionais (Joanesburgo)
Opinião
Junho 04, 2004
Há três anos atrás, a Organização da Unidade Africana (OUA) dissolveu-se e foi substituída por União Africana. A OUA foi constituída em 1963 com a missão específica de libertar partes de África que ainda permaneciam sob o regime colonial e dominação do apartheid. Alguns desejariam que a OUA fosse mais ambiciosa e conduzisse a um ""estados unidos de África"".
Hoje, o modelo africano para a integração regional já não é o dos Estados Unidos da América mas sim o da União Europeia. Isto devia dizer-nos imediatamente que a integração regional, pelo menos em África não é um produto forjado internamente mas tende a ser uma cópia dos outros. Como em todas as imitações, a integração regional em África é um movimento superficial que provàvelmente não alcançará muitos dos objectivos dos seus arquitectos.
LIÇÕES DA INTEGRAÇÀO EUROPEIA
A integração europeia, um processo que está longe de ser acabado, foi o resultado do reconhecimento pelos líderes europeus de que, se os seus países não fizerem algo, para modificar os princípios fundadores dos direitos soberanos dos estados, a Europa cedo ou tarde desintegrar-se-ia. Em menos de três gerações entre 1870 e 1945, dois dos estados mais poderosos da Europa, a França e a Alemanha, combateram três guerras, cada uma delas mais devastadoras que a outra anterior.
O advento das armas nucleares trouxe uma mensagem para os Europeus em que passos devem ser dados para evitar uma outra guerra entre as potências Europeias. A integração regional foi vista como um caminho inevitável.
A Europa Ocidental, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, confrontou-se com uma outra ameaça, a ameaça de ser engolida pelo comunismo Soviético e pela insurreição comunista interna em países tão importantes como a França, a Espanha, a Itália e a Grécia. Ao emergir da guerra, a Europa não tinha o poder para defender-se por isso virou-se para os Estados Unidos, para a sua proteção militar e assistência para regenerar a sua destruída economia.
Os Americanos estavam dispostos a ajudar uma vez que eles também sentiam que o expansionismo Soviético, especialmente nos centros industriais da Europa, ameçavam também os seus interesses. Para os Americanos, os países europeus que estivessem sempre a degladiar entre si não podiam constituir parceiros fortes na sua luta contra a União Soviética. Os Americanos exigiram então um forte elemento de integração europeia como condição para providenciarem uma proteção do nuclear.
Mesmo antes das iniciativas da integração regional, a Europa criou estados-trincheiras que sempre existiram por muitos séculos. Estes estados tinham um controlo físico dos seus territórios e sobretudo um controlo dos seus sistemas político, social e económico. Por outro lado, em meados do século 20, as sociedades europeias tinham alcançado níveis semelhantes de desenvolvimento económico e as suas populações desfrutavam níveis de vida semelhantes. Havia excepções evidentemente, tais como a Península Ibérica e outras partes do sul da Europa que estavam atrasadas. Mas estes podiam ser arrastados pelo resto da Europa ao custo mínimo através de todas as espécies de subsídios.
Esta uniformidade industrial possibilitou a Europa de implementar as medidas de liberalização comercial, a pedra angular da integração regional, com pouco receio e fraca probabilidade das economias de alguns países serem inundadas pelas dos parceiros mais desenvolvidos.
OS ESTADOS AFRICANOS NÃO SÃO CRIAÇÕES AFRICANAS.
Os estados africanos que conhecemos hoje não fora criados pelos Africanos. Com poucas excepções como o Egipto, a Etiópia, a Libéria, e talvez a África do Sul, os estados africanos foram criados pelas potências imperiais europeias na Conferência de Berlim de 1884-85. Os Africanos não ganharam o controlo destes estados criados por terceiros até recentemente nos anos 60.
Os estados africanos por isso têm numerosos obstáculos. Eles sofrem de uma fraca fidelidade dos seus cidadãos ao próprio país. Isto explica porquê que os países africanos durante os últimos 30 anos têm sido o centro de muitos conflitos, em particular guerras civis, guerras inter-tribais, violentos conflitos comunais e progromes (i.e. perseguição organizada contra uma classe ou raça), guerras de secessão e, mais recentemente na região dos Grandes Lagos na África Central, tentativas de genocídio.
Estes grandes conflitos têm sido acompanhados por um vasto movimento populacional para dentro ou fora de diferentes fronteiras nacionais. A África, isto não nos surpreende, alberga o maior número de refugiados e deslocados no mundo. Por outro lado, uma vez que estes estados apenas recentemente são governados por Africanos, as elites africanas assumem que a soberania constitui um seu património económico valioso porque isto permite-lhes enriquecerem a si próprios. Isto exacerba ainda mais a fraca fidelidade das populações em realção a estes estados porque o processo de auto-enriquecimento da elite prejudica a capacidade destes estados para fornecerem serviços à população em geral.
Um aspecto importante nos conflitos em África, ao contrário dos conflitos do passado na Europa, é a quase completa ausência de guerras inter-estados. Como vimos no caso da Europa, o receio de guerras devastadoras inter-estados foi uma das forças galvanizadoras da integração regional europeia. Não é este o caso de África. Durante os últimos 50 anos houve apenas duas guerras inter-estados entre os países africanos. Foram a guerra entre a Tanzânia e a Uganda nos anos 70 e a guerra entre a Etiópia e a Eritreia nos anos 90. Esta última podia de facto ser considerada a continuação da guerra de secessão entre os rebeldes da Eritreia para se separarem da Etiópia.
Desta breve discussão das experiências da Europa e da África sobre a formação dos estados e o desenvolvimento, deveria ser claro que a integração regional do comércio não foi também a força galvanizadora da cooperação empresarial na Ásia e na América Latina. Um das mais antigas organizações regionais na Ásia - a Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN) - foi inspirada mais pelo medo do comunismo do que pelos objectivos do desenvolvimento económico.
RESTRIÇÕES À INTEGRAÇÀO REGIONAL DO COMÉRCIO EM ÁFRICA
Vimos que os países europeus, grandes e pequenos, alcançaram um alto nível de industrialização e desenvolvimento económico muito antes da integração regional comercial ser a prioridade de topo da sua agenda. Foram as questões políticas e de segurança em vez de desenvolvimento económico que mobilizaram a integração europeia.
Em África temos diferentes pontos de partida. Como discutimos anteriormente, não há questões políticas ou de segurança atrás da integração regional regional africana. Tentativas para introduzir estas questões - como aconteceu com a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC) quando a Ruanda e a Uganda invadiram a DRC (República Democrática do Congo) - apenas conduziram a SADCC a um quase colapso. Os países africanos têm estado envolvidos nas tentativas de integração regional por razões económicas.
Argumenta-se que muitos países africanos são pequenos, pobres, subdesenvolvidos e não têm um mercado interno. Para colmatar essa deficiência, o argumento continua, é necessário que os países africanos eliminem as barreiras ao comércio entre eles. Através desta via, os países africanos seriam capazes de desenvolver empresas com as necessárias economias de escala para torná-las competitivas nos mercados mundiais, dizem.
A experiência da Europa contudo mostra que esse argumento é falso. Se tomarmos o exemplo dos países Europeus relativamente pequenos - Suécia, Holanda, Dinamarca, Suíça, Bélgica - este países desenvolveram empresas de nome mundial muito antes da integração europeia se tornar realidade. Algumas das grandes multinacionais que se desenvolveram nos pequenos países vêm à minha memória fàcilmente: Electrolux, Volvo, Saab, Nestlé, Philips, Unilever, Royal Dutch/Shell, ABB, Heineken, Carling, Norsk-Hydro, Roche, Maersk, UBS, ABN-AMRO, noemeando apenas alguns.
Os exemplos listados anteriormente demonstram que não é o tamanho da população de um país que determina se um país industrializa-se ou nào. É sim a sua competência e o controlo das suas políticas económicas e sociais que em última instância determinam se um país industrializa-se ou não.
CHAVE PARA O DESENVOLVIMENTO
O factor mais importante que determina se um país se desenvolve ou não é a sua capacidade em controlar o seu espaço político, económico e social, isto é, a sua política. Não é ainda este o caso da maior parte dos países africanos. O social, o económico e em larga medida as decisões políticas não são controladas pelos africanos ou, mais correctamente, por autoridades africanas. São controladas, contràriamente, por actores estrangeiros que gerem esses processos para os seus próprios benefícios.
A seguir estão os mais importantes actores não-africanos que determinam as políticas africanas:
- Multinacionais estrangeiras
Os exemplos mais contundentes, hoje, são as empresas petrolíferas que desenvolvem uma imensa indústria extractiva em África que tem uma ligação quase nula às economias locais onde elas operam para além das minúsculas ""royalties"" que vão para o pagamento das importações que alimentam o consumo das elites e fomenta a corrupção e a repressão.
- Instituições financeiras multilaterais
Através de diversas condições impostas, estas ditam as políticas económicas e socias a seguir pelos estados africanos.
- Outros estados estrangeiros e actores não governamentais
Por causa so seu papel como doadores e/ou credores este têm uma enorme vantagem e por isso influenciaam as políticas socio-económicas dos estados africanos.
Outro factor que determina se um país se desenvolve ou não é a sua capacidade em gerar excedentes económicos significativos por um lado e por outro lado a sua capacidade em afectar uma parte desse excedente para o investimento produtivo em vez do consumo privado. Uma grande parte do execedente da África sub-sariana sai do continente para o pagamento da dívida, expatriação do lucro, fuga de capitais, etc.
Um dos mais vergonhosos escândalos em África mas não difundidos é o nível ao qual as elites africanas exportam o capital do continente. Segundo as Nações Unidas, cerca de 40% da riqueza privada de África é conservada fora do continente pelos seus detentores, comparada com apenas 3% da Ásia do Sul e 6% da Ásia Oriental. O pequeno excedente económico que resta, como vimos, vai para o financiamento do consumo das elites e governantes dos estados altamente irresponsáveis.
Este são alguns dos factores que explicam a incapacidade dos estados africanos sub-sarianos para formarem e reterem as pessoas competentes que eles precisam para embarcarem numa industrialização sustentável comparada, por exemplo, com a Ásia do Sul e Oriental.
Durante os últimos 40 anos ou mais, vastas quantidades de tempo e de dinheiro foram gastas na promoção da integração regional em África largamente em vão. O patético fraco fluxo comercial entre os países africanos - excluindo a África do Sul - não mudou do que foi há uma geração, apesar de toda a energia que tem sido dedicada à copperação regional e integração durante anos.
Se examinarmos o que aconteceu na Europa ocidental no passado e o que está acontedendo actualmente na Ásia, dá a impressão que há dois factores que conduzem ao desenvolvimento e industrialização. Estes são, primeiro, políticas que promovam a acumulação do capital e investimento em capital social - saúde, educação, habitação social e paz social.
As primeiras políticas conduziram a um outro resultado que foi a segunda maior força dinamizadora da industrialização e desenvolvimento da Europa Ocidental no passado e da industrialização da Ásia hoje, que é, a competitividade nos mercados mundiais.
Estes são os factores que explicam porquê que pequenos países na Europa foram capazes de alcançar o mesmo nível de desenvolvimento dos grandes muito antes da integração europeia vislumbrar-se no horizonte depois da Segunda Guerra Mundial.
Uma mensagem semelhante aplica-se à África. É o desenvolvimento de políticas e práticas internas de cada país que conduzirá ao desenvolvimento de África em primeiro lugar e não a cooperação entre os vizinhos. O que acontece entre os vizinhosé importante principalmente por razões de estabilidade política, mas o que forjará o desenvolvimento económico africano é a qualidade das relações entre os países africanos individuais e o mercado mundial. (Os mercados africanos fazem parte do mercado mundial evidentemente).
Similarmente, foi a capacidade dos pequenos países europeus em competirem nos mercados mundiais que possibilitou-os a alcançarem o mesmo nível de desenvolvimento dos grandes que tinham a vantagem de terem maiores mercados internos.
Esta exposição é uma abordagem geral das condições gerais especialmente na África sub-sariana. Há entretanto algumas excepções. Estas são proeminentemente, a África do Sul e as Maurícias. Estes dois países são economias industriais em desenvolvimento que se forem sustentados por um período de tempo significativo poderão tornar-se importantes forças motoras do desenvolvimento africano não por causa da integração regional mas sim pelo seu papel emergente como investidores estrangeiros no resto de África.
O facto é que as Maurícias é uma boa ilustração da não importância relativa da integração regional no processo de desenvolvimento. Na independência no anos 60, as Maurícias eram um país africano típico - geogràficamente pequeno, pouca população, economia baseada na monocultura (o açúcar) que contribuia para a maior parte das receitas das exportações e emprego, baixo rendimento per capita. Hoje as Maurícias é, depois da África do Sul, o país africano não produtor de petróleo mais rico. Ela exibe uma economia que é quase tão diversificada quão a da África do Sul.
Este resultado fenomenal não foi gerado pela integração regional; foi gerado largamente pela exportação do vestuário e texteis com preços competitivos e de alta qualidade para os mercados mundiais. Recentemente as Maurícias emergiu, assim como a África da Sul, como um importante investidor estrangeiro noutros países africanos.
O Sr. Moeletsi Mbeki é vice-presidente do Instituto Sul Africano das Relações Internacionais, uma instituição inserida na Universidade Witwatwersrand (África do Sul). Esta é uma versão alargada de um documento apresentado na conferência da UNCTAD que teve lugar na Alemanha em Fevereiro de 2004.
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Fim da tradução
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As minhas conclusões:
Vou resumir a minha análise sobre a integração regional em três vectores: político, económico e socio-cutural.
- Político
Não vou aqui alargar-me nesta vertente pois vou deixá-la a consideração dos políticos. Mas não posso deixar de tecer algumas considerções: Com a integração ou não, é imprescindível que o centro das decisões políticas sobre STP fique em STP. Aliás, este era um dos objectivos nobres que nos mobilizou e transformou a nossa consciência política nos anos 60 e 70.
- Económico
1) Na sequência de um meu artigo de opinião que escrevi há uns meses atrás sobre este tópico continuo a afirmar que STP não está neste momento preparado para uma integração regional com livre circulação de pessoas e bens. A integração regional só será benéfica se ela for o motor da alteração da nossa estrutura produtiva, ajudar-nos a ser mais eficientes e competitivos no mercado internacional. Não é esse o caso de STP e o presente artigo do Sr. Moeletsi Mbeki dá-nos uma melhor visão sobre a realidade actual no mundo.
2) STP tem que definir uma estratégia. Nós escolhemos o turismo como o nosso produto chave para o desenvolvimento e criação do emprego. Curiosamente o nosso mercado turístico, os nossos clientes, não estão na África.
3) Estamos obcecados com a integração regional quando temos problemas internos terríveis. Se não resolvermos primeiro os problemas internos, em vez da integração regional, a longo prazo, poderemos ser surpreendidos com a desintegração nacional.
4) As disparidades entre os diferentes estratos socias são cada vez mais gritantes no país. A disparidade entre a ilha de S.Tomé e a do Príncipe é abismal e piora a cada dia. Durante a minha recente estada no Príncipe não havia uma única alma em toda a ilha que tivesse ligação à internet.
5) Não é possível arrancar STP do subdesenvolvimento com a exportação da matabala para o Gabão ou outra parte de África feita pelos vendedores ambulantes com todo o respeito que tenho pelos mesmos pela sua coragem e tenacidade.
6) Algumas pessoas têm levantado algumas objecções sobre a livre circulação de pessoas e bens. Acho que é uma preocupação legítima uma vez que receiam que esta medida venha a ter impacto na sua estabilidade, segurança e bem-estar.
Devíamos perguntar a nós mesmos o seguinte:
a) Porquê que Cabo Verde não entra para a Comunidade Económica da África Ocidental com a consequente adopção do Franco CFA?
b) Porquê que Cabo Verde está a trabalhar para ser considerado uma zona perférica da União Europeia?
c) Porquê que Cabo Verde alinhou a sua moeda indirectamente ao Euro?
d) Porquê que a Seychelles saiu recentemente da União Aduaneira da África Austral?
e) Porquê que não há uma livre circulação de pessoas e de bens entre Macau e a China, entre Hong Kong e a China?
f) Porquê que não há uma livre circulaçào de pessoas e de bens entre a Malásia e a Singapura?
- Socio-cultural
Também vou deixar este capítulo para para os conhecedores da matéria. Entretanto: Ser africano é algo que vai na alma. A Suíça e a Noruega, por exemplo, não fazem parte da União Europeia, neste momento, mas não deixam de ser europeus.
Penso que a existência de um equlíbrio entre os três vectores e se chegarmos a conclusão que uma integração com livre circulação de pessoas e de bens traz benefícios para STP então devemos agir com a cabeça e não com o coração. As pessoas devem sentir-se à vontade para exprimirem as suas ideais, as suas preocupações, sem ataques pessoais, calúnias, intrigas, hipocrisias porque este assunto é extremamente importante para o nosso futuro.
Silvino Palmer