MediaFax – 12.07.2004
Por Fernando Veloso
É escandaloso o que se está a passar no terreno com o recenseamento eleitoral. Não resisti vir a público repisar o que insistente e atempadamente previa que pudesse acontecer, contra a histérica reacção dos funcionários públicos da propaganda do regime.
A falta de respeito pelo cidadão está à vista. Mas os “observadores” nacionais vão ter boa opinião. Não saíram de Maputo, mas é tudo gente «omnipresente». “Observar” à distância é cómodo e funciona.
Os cartazes afixados anunciam o recenseamento para o período de 15 a 30 de Junho. A actualização do censo eleitoral, por uma total desorganização, que já se previa, do STAE, foi alterada para ser de 28 de Junho a 15 de Julho (próxima 5.ª feira) mas os cartazes são os mesmos a fazer crer que o recenseamento
já terminou no dia 30.
É a falácia ao serviço dos “democratas”!
Os anúncios na rádio até ameaçam o cidadão. Dizem mais ou menos isto: “Só se pode recensear quem tiver cédula pessoal ou certidão de nascimento” (tudo coisas que só há nas conservatórias); “bilhete de identidade” (coisa que não se consegue em menos de seis meses); “carta de condução” (que custa 8 a 10 milhões, a mais barata). Não tem uma dessas coisas? “Não se preocupe. Também pode recensear-se com duas testemunhas da sua zona de residência. Mas, cuidado! É proibido recensear-se duas ou três vezes. Quem o fizer é multado com 3 salários mínimos”.
Certas pessoas – entenda-se as que têm postos de recenseamento por perto – obviamente, estão com medo de se recensearem. As outras não têm sequer dinheiro para lá se deslocarem. Muitas das que têm os postos perto, não vão. Não têm dinheiro para pagar as multas se alguém interpretar mal os seus anseios de esclarecimento para exercício de cidadania. Não dominam as leis. Por isso, mesmo que precisem de actualizar os requisitos, ao ouvirem a publicidade que está no ar, muitos cidadãos assustam-se. Têm medo de ir presos. É o que “muitos pensam” e alguns me disseram.
É o cidadão com medo da democracia.
É a engrenagem dos instalados no Estado a meter medo ao cidadão. É a onda das “democracias” dos permanentemente no poder.
Ao invés dos anúncios chamarem os cidadãos para irem aos postos de recenseamento verificarem se estão aptos a votar, repelem o cidadão. Metem-lhe medo. A mensagem não atrai.
Afasta. Afugenta. Aterroriza.
As viaturas da “educação cívica” andam a alta velocidade, em altos berros e sonoplastia destorcida. Ouve-se uma parte, mas já não se ouve o fim. O carro já passou. Depois “o combustível não chega”. “As verbas são curtas”. Há até quem comente, no gozo: “É preciso aproveitar agora o carro para se irem fazendo umas negociatas!…”
Como se não bastasse, os postos de recenseamento foram colocados em locais de baixa densidade e, como convém (a quem?), bem distantes dos aglomerados de grande concentração populacional.
Acresce a isso, a falta de películas fotográficas; as máquinas fotográficas bem diferentes daquelas com que os recenseadores foram treinados. É a confusão total. Além de que as fotos quase não se vêem. Há falta de cartões. Falta material de plastificação. Falta tinta para carimbos.
Não há viaturas para levar os materiais aos postos de recenseamento. Etc., etc., etc. ….
Os cadernos estão trocados. Os nomes não constam. Total trapalhada.
Tem acontecido de tudo um pouco.
Uma vergonhosa falta de respeito pela Constituição. Uma total burla ao cidadão.
Dirão: “não se preocupem. Está tudo a correr bem!”
Como também é de prever, os comunicados finais dos observadores (tachistas locais, por sinal todos residentes em Maputo, e representantes internacionais de contra-partes de negócios bem sucedidos) até já devem estar prontos. “Está tudo, mesmo tudo, bem organizado.”
Vão dizer-nos: “Os erros de recenseamento prejudicam todos por igual. Correu tudo muito bem. A organização foi fantástica. Está tudo assegurado para haver eleições «livres e justas»(«free and fair»). A Democracia em Moçambique não são só eleições. Os moçambicanos estão a fazer progressos significativos na construção da democracia”.
A minha consciência força-me a prevenir que o que se está a fazer é perigoso para a Democracia e para a integridade nacional.
Os “lúcidos” devem ficar a saber que a responsabilidade lhes caberá em absoluto se as suas certezas nos vierem a trair. Receio que, por não se ter deixado a democracia funcionar se venha a imaginar como única alternativa a “explosão da bolha”.
Um país em que os senhores da CNE e do STAE são mais conhecidos que os candidatos, algo vai seriamente mal em matéria de eleições que querem democráticas. Nos países em que os processos eleitorais são sérios, confiança nos árbitros é tanta que se ouve falar deles. Entre nós são principais artistas deste autêntico circo.
Que estará “Deus” a pensar destes nossos reverendos?