CORREIO DA MANHÃ (Maputo) - 08.09.2004
TRIBUNA
Coluna de João CRAVEIRINHA
email: craveirinhajoao@mail. pt
… 1- Quem são os Dragões da Morte de Moçambique? Somos uma organização clandestina de todas as raças e credos, naturais de Moçambique (…) e temos o fim de pôr termo às guerrilhas (…) e pôr termo às conversações com a FRELIMO, nem que tenhamos que começar a fazer TERRORISMO URBANO, para fazer calar os inconscientes que dão vivas à FRELIMO…(in Boletim Informativo nº1 dos Dragões da Morte de 13 Agosto 1974, Lourenço Marques).
Introdução:
O bem sucedido golpe militar do 25 de Abril de 1974, em Portugal, surpreenderia tudo e todos em
Moçambique quer a portugueses quer a moçambicanos ainda não conscientes dos ventos de mudança em África. Muita gente daria uma reviravolta de 360º pretensamente se assumindo como frelimista. Desse período, Abril a Setembro, em Moçambique ainda ocupado pela administração portuguesa, surgiriam em frenesim várias facções de grupos políticos perfilando-se para uma (utópica) PARTILHA do PODER com a FRELIMO, único interlocutor privilegiado no Diálogo com PORTUGAL pós 25 de Abril 1974. Antigos fundadores da FRELIMO e dissidentes, como o reverendo Uria Simango, Paulo Gomane e outros regressam a Moçambique instalando-se na Beira e Lourenço Marques.
Em meados de Maio para Julho 1974 o Dr. Almeida Santos chega de Lisboa em nome do Governo português. Nessa altura teria prevenido o seu amigo António Vaz (antigo director da PIDE /DGS até 1972) para sair de Moçambique o mais depressa possível visto a iminência de eventual prisão. O amigo comum, o Engº Morgado, daria o recado a António Vaz na Companhia de Cimentos onde era director, possibilitando assim a sua fuga via África do Sul depois de contacto com a polícia boer sul-africana. Em 1968/69 o
inspector goês Casimiro Monteiro (da PIDE) teria preparado a morte do Dr. Eduardo Mondlane.
Por essa altura Antº Vaz era director da PIDE/DGS, na “Vila Algarve”, em Lourenço Marques.
A Rebelião branca
Segundo ainda relatos, ao fim da tarde de sexta-feira, 6 de Setembro 1974, na baixa da cidade de Lourenço Marques, avenida da República hoje 25 de Setembro, circularia uma carrinha levantando bem alto a bandeira da FRELIMO em contra – partida arrastando toda esfarrapada a bandeira portuguesa pelo alcatrão da estrada. Transeuntes brancos ao assistirem esta cena revoltam-se perseguindo a carrinha destruindo esta e seus ocupantes rasgando em tiras a bandeira da FRELIMO erguendo triunfalmente num pau a bandeira portuguesa. De pronto a palavra de ordem circula como um rastilho e a comunidade europeia concentra-se na baixa buzinando os automóveis em caravana cantando o Hino de Portugal e espalhando-se por toda a Lourenço Marques. Contra a corrente, três carros com estudantes universitários brancos, sobretudo, surgem do nada na baixa, em provocação, exibindo cartazes com a foto de Samora Machel. Acusados de traidores, de imediato seriam perseguidos pela turba exaltada refugiando – se no jornal Notícias e Tribuna na rua Joaquim Lapa. As viaturas dos estudantes seriam destruídas e apedrejados os vidros e portas das instalações do edifício dos jornais onde se refugiaram e arremessadas granadas de
mão para a entrada. Como um rastilho a onda de “fervor” patriótico português anti – independência
e anti pretos terroristas da Frelimo cresce por toda a cidade branca. Entre outros, os alvos são
a Associação Académica, o RCM – Rádio Clube hoje RM. A caravana de automóveis em protesto dirige-se à Ponta Vermelha no Governo-geral onde quase uma centena de viaturas encontra-se bloqueada por jipes da Polícia de Choque da PSP chefiada pelo coronel Cunha Tavares. Reina enorme agitação na cidade e subúrbios. Ninguém consegue dormir. Sábado à tarde, 7 de Setembro, a bandeira da Frelimo hasteada na RCM é retirada e substituída pela bandeira portuguesa. A Rádio é tomada pelos revoltosos brancos. Aos microfones da RCM, Gomes dos Santos do grupo colonial FICO apela à adesão dos “BONS CHEFES
NEGROS”. Os DRAGÕES da MORTE dos irmãos Mesquitelas da Matola (filhos do deputado português Dr. Gonçalo Mesquitela) organizam a resistência armada anti – FRELIMO.
MAFALALA
Durante o período das conversações em Zâmbia, multiplicavam-se os comícios no Estádio Salazar (Machava). Sábado, 7 de Setembro em “Lussaca” a FRELIMO e PORTUGAL chegam a um Acordo para uma Transição de Moçambique à Independência a 25 de Junho de 1975. O bairro da Mafalala surge toda decorada com bandeiras da FRELIMO. Os boatos circulam de que há guerrilheiros da FRELIMO no bairro. Crê-se que os Dragões da Morte organizam os ataques aos subúrbios. Na MAFALALA a residência de Nuno Caliano da Silva é transformada em Quartel-General ou “Base Galo (amanheceu) ”. A família Caliano dirige todo o processo de acolhimento de “refugiados” vindos da cidade branca da elite da Polana. A maioria,
brancos da esquerda gorda, chega aterrorizada à casa dos Calianos. Teresa, a esposa de Nuno Caliano, seria uma verdadeira e incansável Mãe Coragem.
Perseguido, o poeta José Craveirinha, responsável de uma célula clandestina da FRELIMO, refugia-se em casa da cunhada no interior da Mafalala com sua esposa Maria. Seu filho mais velho, Stélio Newton (a terminar o serviço militar português), apresenta-se ao seu destacamento de Engenharia militar como voluntário enviado para defender o Aeroporto de Mavalane. Suspeita-se da chegada de mercenários madeirenses vindos da África do Sul em apoio aos Dragões da Morte.
O filho mais novo do poeta, Zeca Craveirinha, é um dos vigilantes (desarmados) da Mafalala. O efeito psicológico prevalece e as cantinas da Mafalala poupadas. Reina alguma harmonia multiracial graças à organização cívica do bairro. Todavia alguns Dragões da Morte (ex-Comandos e GEP’s etc.), patrulhariam em particular a Mafalala “procurando turras ou terroristas” da FRELIMO entrando pela rua da Guiné. Isaías Tembe, o único com uma G3 (que não sabia manejá-la), é ferido e capturado pelos Dragões da Morte na Mafalala.
Em Lourenço Marques colonos portugueses e naturais (brancos) mais extremistas entram aos tiros pelos subúrbios atingindo muito cidadão negro e mestiço desprevenido. Centenas de feridos e mortos.
… “Galo… Galo Amanheceu”… – A partir de 10 de Setembro a situação altera-se com a palavra de ordem pró-FRELIMO lançada pelo ex-comando colonial, o mestiço Aurélio Lebon, a partir dos microfones da Rádio Clube de Moçambique recuperada. Mais tarde a população negra retalia em fúria colhendo vítimas brancas inocentes (e não só).