A universalidade de uma opinião, tomada seriamente, não constitui nem uma prova, nem um fundamento provável, da sua exactidão. Aqueles que a afirmam devem considerar que: 1) o distanciamento no tempo rouba a força comprobatória dessa universalidade; caso contrário, precisariam de evocar todos os antigos equívocos que alguma vez foram universalmente considerados verdade: por exemplo, estabelecer o sistema ptolemaico ou o catolicismo em todos os países protestantes; 2) o distanciamento no espaço tem o mesmo efeito: caso contrário, a universalidade de opinião entre os que confessam o budismo, o cristianismo e o islamismo os constrangerá.
O que então se chama de opinião geral é, a bem da verdade, a opinião de duas ou três pessoas; e disso nos convenceríamos se pudéssemos testemunhar como se forma tal opinião universalmente válida.
Acharíamos então que foram duas ou três pessoas a supor ou apresentar e a afirmar num primeiro momento, e que alguém teve a bondade de julgar que elas teriam verificado realmente a fundo tais colocações: o preconceito de que estes seriam suficientemente capazes induziu, em princípio, alguns a aceitar a mesma opinião: nestes, por sua vez, acreditaram muitos outros, aos quais a própria indolência aconselhou: melhor acreditar logo do que fazer controles trabalhosos.
Desse modo, dia após dia cresceu o número de tais adeptos indolentes e crédulos: pois, uma vez que a opinião já contava com uma boa quantidade de vozes do seu lado, os que se seguiram o atribuíram ao facto de que ela só podia ter conquistado tais votos graças à consistência dos seus fundamentos. Os que ainda restaram foram constrangidos a concordar com o que já era considerado válido por todos, a fim de não serem considerados cabeças irrequietas que se rebelam contra opiniões universalmente aceitas, nem garotos intrometidos que querem ser mais inteligentes do que o mundo inteiro.
A essa altura, o consenso tornou-se uma obrigação. A partir de então, os poucos que têm capacidade de julgar precisam calar, e os que podem falar são aqueles completamente incapazes de ter opinião e julgamento próprios, são o mero eco da opinião alheia: contudo, são também defensores tanto mais zelosos e intransigentes dela. Pois, naquele que pensa de outro modo, odeiam menos a opinião diferente que ele professa do que o atrevimento de querer julgar por conta própria, experiência que eles mesmos nunca fazem e da qual, no seu íntimo, têm consciência. Em suma, muitos poucos sabem pensar, mas todos querem ter opiniões: o que mais lhes resta a não ser, em vez de criá-las por conta própria, aceitá-las totalmente prontas de outros? Uma vez que assim sucede, quanto poderá valer a voz de cem milhões de pessoas? Tanto quanto um facto histórico que se encontra em cem historiadores, mas que depois se comprova ter sido transcrito por todos, um após outro, motivo pelo qual, no fim de contas, tudo reflui ao depoimento de um único homem.
Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ter Razão'