VERTICAL - 08.09.2004
A opinião de: Armando Chingore
Segundo ensinamentos dos colonizadores portugueses nas escolas primárias, nós, moçambicanos, fomos descobertos por Vasco da Gama nos finais do século XV. O aspecto que cada um de nós tem e terá de considerar nesta afirmação é a palavra "descobertos", empregada pela maior parte dos historiadores europeus e euro-americanos, que merece várias discussões entre os historiadores do Terceiro Mundo, particularmente, africanos. Eles não a utilizam em relação a si próprios, em relação a sua história, por se tratar de elementos humanos.
Qual seria, por exemplo, a reação do alemão se nós reescrevêssemos que ele foi descoberto pelo italiano ou pelo turco, ou que o holandês foi descoberto pelo espanhol? A palavra "descoberto" é utilizada pelos mesmos historiadores nas ciências naturais em relação a coisas e não a pessoas, o mais correcto. Diz-se descobrir uma fórmula, descobrir um continente; quando se trata de seres humanos, de um povo e de uma civilização, a palavra apropriada seria "encontrar".
Quando se anda na rua, com ou sem destino certo, não se descobre uma pessoa, embora ela nunca tenha sido vista anteriormente. Ela encontra-se ou conhece-se. Utilizam a palavra "descoberta" intencionalmente querendo negar a história e com ela a civilização e inteligência a estes povos ditos "descobertos"! Nós, os moçambicanos, do mesmo modo que os angolanos, os guineus, cabo-verdianos, são-tomenses, todos os povos de África e do Terceiro Mundo, não fomos descobertos, e se não fomos, foi porque somos parte da inteligência, porque temos história e, consequentemente, formamos civilizações. Foi esta atitude dos colonizadores que, negando a existência de história e civilização dos povos oprimidos, tentaram e tentam no oposto apresentando-nos como desprovidos de "inteliegência", história e civilização.
Tentaram e tentam monopolizar todos esses elementos e factores comuns a todos os seres humanos, implantando a divisa de o ser "branco" é sinónimo de ter história, ser inteligente, ter cultura e civilização, com o fim de nos subjugarem. No nosso país, historiadores, políticos, intelectuais, comentadores e singulares formulam as suas opiniões. Historicamente é o que toda a gente sabe. A ocupação colonial não foi pacífica. É um facto. Também a descolonização não está a ser pacífica, muito menos fácil. As consequências deste "complot" organizado são várias e muito mais graves do que cada um de nós pensou até hoje. Uma das consequências imediatas tem a ver, a cima de tudo, com a ameaça que rodeia a existência da nossa identidade africana.
Falar de identidade africana em Moçambique, em Angola, em Guiné, em Cabo Verde, em São Tomé ou qualquer outra parte do continente africano, não é mais do que falar da sua língua, não se pretendendo unicamente frisar o conjunto de sons, mas também a sua cultura, as suas instituições políticas e sociais, a sua religião, magia e tudo o que esteve e está ligado à maneira de viver dos nossos antepassados.
A maneira de garantir a sua existência poderemos encontrá-la na nossa história, desde que os nossos povos tiveram que se opôr e lutar contra a infiltração religiosa, militar, económica e cultural dos colonialistas. Esta resistência encontra-se personificada hoje em dia, na luta do povo africano, em volta de governos revolucionários e da União Africana com que sonham os grandes líderes e os melhores filhos de África, tais como: Patríce Lumumba, Kwame Nkrumah, Eduardo Mondlane, Amilcar Cabral, Samora Machel, Julius Nyerere, Seretze Kama, Sédar Senghor, Gamal Nasser, Kenneth Kaunda, Nelson Mandela, etc.. Outra consequência é terem conseguido influenciar um grupo de africanos a seu favor. Por isso, muitos africanos pensam que sem os nacionalistas a África vai desaparecer e com ela os africanos. Na verdade, não é a África e os africanos mas sim os colonialistas e a sua cultura. Porque com a civilização europeia, muitos africanos passaram a ter os pés em África e a cabeça na Europa e America. Estudantes que se vão formar e nunca regressam, alegadamente, por falta de condições, magros salários, etc.. Esquecendo-se que quando os colonialistas chegaram, pela primeira vez, a Sofala, foram bem recebidos pelo povo e pela autoridade local que lhes permitiu a fixação numa feitoria. Sem falar de Inhambane que ficou conhecida como "Terra de Boa Gente". O que contrasta com que muitos defendam que a religião dos europeus é a única defensora e detentora da moralidade em África. Servindo-se do método psicológico da igreja aterrorizava e aterroriza o povo inculto com o inferno, o demónio, e outros "papões" por elas inventados, para afastá-los das suas crenças, tradições culturais e outras manifestações. Hoje, assistimos igrejas que proibem os seus crentes a recorrerem à medicina tradicional, em caso de doença, considerando-a como práticas do diabo ou demónio. Outras ainda, proíbem aos seus crentes em receber assistência médica, transfusão de sangue, etc.. Este é o poder moral que herdamos dos colonialistas.
A civilização de Mwenemutapa atingiu o período mais elevado do seu desenvolovimento entre os séculos XIV e XV, mesma altura em que os portugues chegaram a Moçambique.
Economicamente o reino vivia, predominamente, de agricultura, até hoje, que os nossos jovens não querem abraçar influenciados pelas perícias da globalização. Variados cereais, frutas, vegetais e criação de gado, aves domésticas e uma pequena indústria caseira. Paralela a esta, existia a indústria e comércio mais desenvolvidos, a extracção mineira, o trabalalho do metal, tais como: o cobre, o ouro, a prata e bronze, detinados ao fabrico de instrumentos utilizados na lavoura, uso caseiro e ourivesaria. Também existia uma indústria de cordoaria e fabrico de tecidos de algodão, curtimento de peles.
A caça era e continua a ser uma outra fonte de riqueza, fornecimento de carne, obtenção de pele e marfim. O marfim, o cobre e outros metais preciosos destinavam-se em grande parte à exportação. Os moçambicanos já tinham contacto com outros povos e culturas. Os colonialistas destruíram tudo o que os africanos construíram, em particular, moçambicanos ao longo da sua existência. Desde as relações comerciais estabelecidas pelos árabes, de igual para igual, que as grandes potências teimam em não aceitar. Na área das construções, as murralhas do Zimbábwè mostram o alto nível tecnológico que os colonialistas encontraram. A presença europeia fechou o frutífero comércio com o oriente e verificou-se, então, a consequente decadência económica. Fomos obrigados a enterrar algumas minas de ouro, ao nos apercebermos da cobiça desenfreada que o ouro despertava nos europeus, o que significou um retrocesso no desenvolvimento do país, do continente e da região austral, em particular. Com a proclamação da Independência Nacional e a fuga precipitada dos colonialistas, provámos mais uma vez que ainda mantemos os conhecimentos suficientes de desenvolver o nosso país sem necessidade de intervenção externa.
A imoralidade que assola o nosso país e o continente não se deve ao curto espaço que as igrejas ficaram inactivas em Moçambique. A imoralidade existe na população, há séculos foi destruída por aqueles que distribuem armas às crianças, transformando-nas em crianças soldados, sentido-se superiores perante seus pais, tios, avós, até matá-los quando lhes apetece.
Mesmo as igrejas não escaparam a esta destruição. As independências políticas dos países do Terceiro Mundo e africanos em particular, são um passo para a reconquista da sua identidade. A perpetuação é o único factor que, baseando-se na luta e na libertação do jugo colonial, tem de ser visto mais em função do futuro. Neste caso, dependerá da consciencialização das massas, da unidade na luta e do esforço de cada um de nós em querer, torná-la imortal. Não será somente dependente de um governo só, de um partido, mas, acima de tudo, da participação de cada um de nós, para esta causa primordial e comum. A igreja contribui muito para a perpetuação da pobreza, em países do Terceiro Mundo, em particular, ao difundir "Bem aventurados aos pobres porque deles é o reino dos Céus". Enquanto os europeus acumulavam riquezas e continuam a melhorar condições de suas vidas, o africano é ensinado que está neste planeta de passagem, que não se preocupe com a vida material, o importante é alcançar o reino de Deus, onde os ricos não entram! Será que toda a Europa vai para o inferno? Porque o número de pobres é muito menor em relação aos ricos que não podem entrar no céu. Aliás, já o primeiro Presidente do Kenya, Jomo Kenyatta, que nunca foi simpatizante do comunismo dizia: "Quando os brancos chegaram à África, nós tinhamos a terra e eles traziam a Bíblia, hoje nós temos a Bíblia e eles ficaram com a terra". A África nunca foi pobre, mas sim foi empobrecida e vai continuar por muito tempo, pois a democratização e a globalização não estão prontas a vestir como muito de nós pensamos, trazem consigo muita coisa oculta!
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