PÚBLICO - Sábado, 18 de Setembro de 2004
Jorge heitor
Um jovem nascido há 31 anos na área da missão católica de Cumura, nos arredores de Bissau, Inácio Valentim, publicou agora em Lisboa o seu primeiro romance, "Em Nome do Absurdo", para nos falar de forma alegórica do sofrimento do povo guineense, que se tornou independente quando ele próprio dava os primeiros passos.
Oriundo de uma terra que nestas últimas quatro décadas já conheceu por mais de uma vez os horrores da guerra, Valentim sentiu o imperativo de, em tom melancólico, recriar a tristeza de quem queria ser livre e agora se chega a perguntar se valeu a pena cortar os laços que existiam com a antiga potência colonial.
"As pessoas preferem a escuridão, para não ver o tamanho da degraça", escreveu este compatriota de João Bernardo Vieira e de Kumba Ialá, dois presidentes que não deixaram grandes saudades na África Ocidental e que são paradigmáticos de um continente que, em muitos casos, tarda em democratizar-se.
Estamos perante a narrativa, por hipérbole, de um tempo de "tiranos e ditadores", que tanto podem ser brancos como negros, perguntando-se agora as novas gerações por que é que muitos africanos não serão hoje indubitavelmente mais felizes do que o eram antes de alcançadas as independências.
"A Guiné é o meu passado, a minha história e o futuro incerto que eu quero e sonho desenhar", diz-nos um dos intervenientes na complexa acção deste livro, Mutaro, segundo o qual "temos que aprender a existir no meio das incertezas", como aquelas que actualmente rodeiam a vida de tantos africanos, de Bissau a Mogadíscio.
O autor encontra-se já a preparar uma segunda obra sobre o destino absurdo do seu povo, que ainda não teve direito a ver concretizado tudo aquilo que há uns 32 anos estava a ser desejado por esse engenheiro agrónomo de mérito que se chamava Amílcar Cabral. Esperemos que ela seja, se possível, ainda mais elucidativa e nos dê novas pistas de reflexão sobre o que é viver-se em África, no século XXI.
Título: "Em Nome do Absurdo"
Autor: Inácio Valentim
Edição: Universitária Editora
110 págs., 10 euros