PÚBLICO - Sábado, 18 de Setembro de 2004
Jorge Heitor
"Cenas d'África"
Autor: Pedro Félix Machado
Editora: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
258 págs., 18 euros
Pedro Félix Machado, mestiço nascido em 1860, filho de um micaelense e de uma luandense, é considerado um dos primeiros valores da literatura angolana, ao publicar obras como as "Cenas d'África", que a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, agora decidiu reeditar, especialmente para todos os estudiosos do panorama literário lusófono de finais do século XIX.
Lançadas em 1892 pela Ferin, de Lisboa, as "Cenas" foram escritas por alturas do suicídio de Antero, de cujos ideais socialistas dão um reflexo, e uma década depois de "Os Maias", que não teriam deixado
também de ter os seus leitores no universo colonial, fosse em Luanda ou em Benguela, terras pelas quais Pedro Machado se repartiu.
O trabalho em epígrafe tem o subtítulo "? Romance Íntimo" e começou por aparecer em folhetins na imprensa lisboeta, de acordo com um costume então muito em voga. Depois, o lançamento em livro quase coincidiu com a publicação do seu volume de sonetos "Sorrisos e Desalentos". Pedro Machado, tal como Alfredo Troni, não era um qualquer no meio intelectual das colónias, pelo que ainda hoje tem o
seu nome perpetuado numa das ruas de Luanda.
Trata-se de uma observação atenta da realidade de Luanda, com as suas ruas de areia ladeadas de árvores mal alinhadas, os seus comerciantes galanteadores, suas mulatinhas dengosas e sua iluminação muito rudimentar, nos tempos de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto
Ivens.
"Bug Jargal", o romance escrito por Victor Hugo em 1818, quando ainda tinha apenas 16 anos, foi uma das obras que influiu na formação de Pedro Félix Machado, quando ele decidiu passar ao desenho dos
costumes, dos personagens, dos sentimentos e da história de Angola, cerca de meio século antes de isso vir a ser feito por António de Assis Júnior, Castro Soromenho e Henrique Galvão.
"O esquema da vida é um formidável ponto de interrogação traçado sobre o Destino", escreveu um juiz da Relação de Luanda, inventado ou retratado pelo romancista. E o seu esquema foi antever todo o
potencial da literatura angolana, que 100 anos depois estaria no auge, com Pepetela, Luandino e Manuel Rui Monteiro.