“Sempre houve intenção da Ana Rita excluir as filhas.
Porquanto, Ana Rita é dotada de conhecimentos e procedimentos jurídicos, uma vez que é deputada e foi
membro da Comissão Permanente da Assembleia da República, o que pressupõe que exercia esta função a título profissional. Também não é aceitável a justificação de ter havido falhas na indicação de nomes das filhas; isto porque Ana Rita, sempre teve conhecimento da existência das mesmas, como filhas; e o facto de serem maiores não as exclui do direito a herança”, lê-se numa das passagens da
queixa remetida ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a que o “vt” teve acesso.
(Maputo) Charlotte Mundava Sithole Maló e Ana Matongasse Sithole Tanner, filhas de Alberto Sithole (falecido) com Maira Cumale (de nacionalidade zimbabweana, hoje a residir e a trabalhar em Londres), estão a intentar uma acção judicial de impugnação de habilitação de herdeiros nos termos dos artigos
98 do Código do Notariado e 1115 do Código do Processo Civil, contra Ana Rita Jeremias Sithole, Lídia Salgethe Sithole, Alberto Tongane Sithole e Sigauguene Pomulana Sithole.
A impugnação surge pelo facto de Ana Rita Sithole, deputada e membro do partido Frelimo, ter feito, à revelia das primeiras duas filhas (suas enteadas), uma declaração de habilitação de herdeiros excluindo as duas filhas. Mais, quando do casamento de Alberto Sithole e Ana Rita, a existência das duas filhas foi
omitida, o que permitiu que o regime de casamento de ambos não fosse o exigido por lei.
De acordo com dados em poder do “vt”, Alberto Sithole deixou cinco descendentes, nomeadamente: Charlotte Sithole, Ana Sithole, Lídia Sithole, Alberto Sithole e Siganguene Sithole. Igualmente, deixou três imóveis, um na cidade da Matola, outro no bairro da Sommershield, cidade de Maputo, e o último na cidade da Beira, bairro das Palmeiras, para além de outros bens de não menos valor.
Segundo apurou o “vt”, no primeiro casamento oficial celebrado entre Sithole e a senhora Bárbara Massiquela, não houve filhos. Consta que foram padrinhos deste casamento, o primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e Arquitecto da Unidade Nacional, Eduardo Chivambo Mondlane e Janeth Mondlane.
No segundo casamento, celebrado com a actual deputada da Frelimo, Ana Rita Sithole, em Abril de 1977, nasceram Lídia, Alberto e Siganguene. Porém, em 20/08/2003 Ana Rita Sithole e os filhos celebraram a escritura da sua habilitação como únicos e universais herdeiros, no segundo Cartório Notarial de Maputo, à revelia das primeiras filhas de Alberto Sithole.
Segundo acusam as filhas de Alberto Sithole, “ao se declararem como únicos herdeiros do de cujus, apesar de conhecerem e saberem da localização exacta das co-herdeiras”, Ana Rita Sithole e filhos, “pretenderam «afastar» as primeiras da “sucessão, violando assim o disposto no artigo 92 nº 1 do
Código do Notariado, conjugado com o artigo 1115 do CPC”.
Por outro lado, de acordo com dados remetidos ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo(TJCM), “apesar de Ana Rita Sithole ter casado em regime imperativo de separação de bens, por força do artigo 1720 nº 1 alínea C, declarou junto do Notário ter casado em regime de comunhão de bens, como forma de poder dolosamente beneficiar-se da meação”.
Outra acusação das filhas de Sithole, é o facto de “Ana Rita Sithole administrar muito mal a herança jacente, estando inclusive a vender um dos imóveis no bairro Hanhane-Matola (N.E: apurámos que este imóvel foi vendido aos padres da Igreja Católica ao preço de 330 Mil USD)”, pendido-se assim, que o TJCM decida a favor das vítimas, neste caso, as duas filhas o seguinte: “declarar que seja de nenhum efeito a habilitação feita no 2º Cartório; declarar justificada a qualidade
de herdeiros a Charlotte Sithole e Ana Sithole, nos termos dos artigos 2133 alínea a), 2157 e 2075 do Códogo Civil, conjugados com os artigos 98 do Código do Notariado e 1115 do Códogo do Processo Civil (CPC)”, bem como “comunicar ao 2º cartório da existência da presente acção; remover Ana Rita Sithole da função de cabeça-de-casal, nos termos do artigo 2080 nº 1 alíneas a), b) e c) do Código Civil, afim de
que, por acordo, seja designado outro cabeça-de-casal; que sejam citados os reús (Ana Rita Sitolhe e filhos) a arrolar todos os bens móveis e imóveis”.
ANA RITA SITHOLE
Reagindo às acusações das filhas (enteadas), a 3 de Novembro de 2003, Ana Rita Sithole endereçou ao TJCM uma carta na qual extraímos o seguinte: “ a R. nunca teve intenção dolosa visando obter a meação da herança em virtude da morte do seu marido nem de excluir as co-RR da divisão dessa herança ora jacente; é pacífica a contemplação das co-AA como co-herdeiras de seu pai, facto este que a R. nunca pôs de parte, pelo que mostra-se sanada a irregularidade apontada pelas requerentes para anulação da escritura de habilitação de herdeiros, uma vez que a R. aceita a justificação da qualidade
de co-herdeiras das autoras; não está provada a má administração da herança jacente por parte da ora R; a R. exerce as suas funções de cabeça-de-casal com competência e zelo nos termos da alínea a) do nº 1 do art.2080º conjugado com o art. 2079º, ambos do Código Civil, e não existe nenhum dos motivos previstos no art. 2086º do mesmo diploma legal que concorra para a sua remoção do cargo de cabeça-de-casal; mostram-se arrolados todos os bens comuns do casal susceptíveis de partilha mortis causa do autor da sucessão, e nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Excia, deve a presente acção ser julgada improcedente e procedente a
presente contestação, devendo as Co-AA serem condenadas em custas, máximo de procuradoria e multa, a arbitrar por esse Tribunal que possui a necessária balança, por litigância de má-fé, ao abrigo do disposto no art. 456 do CPC, com o que se fará a costumada JUSTIÇA”.
HISTORIAL
No dia 20 de Agosto de 2003, no 2º Cartório Notarial, assinou-se uma declaração de habilitação de herdeiros na qual se resume o seguinte: no dia 8 de Julho de 2000 no Hospital Central de Maputo (HCM), faleceu Alberto Sithole casado com Ana Rita Jeremias Sithole (em regime de comunhão de bens – esta passagem é acompanhada de uma caligrafia diferente à da pessoa que passou a declaração original),
natural da Beira e residente na Matola – que não deixou herdeiros sujeitos a invetário orfanológicos, não deixou testamento ou qualquer outra disposição da última vontade”, tendo deixado como únicos herdeiros dos seus bens: “Lídia Salgethi Sithole, Alberto Tongana Sithole e Siganguene
Pomulane Sithole, que segundo a lei, não há quem com eles possa concorrer a esta sucessão.
Entretanto, as filhas mais velhas de Alberto Sithole (Charlotte Sitholle e Ana Mathongasse Sithole), vendo-se em desvantagem reclamaram o facto e a 15 de Dezembro de 2003 foi exarada uma nova declaração de habilitação de herdeiros, onde já constam os nomes dos cinco filhos de Alberto Sithole,
nomeadamente: Charlotte Sithole, Ana Sithole, Lídia Sithole, Alberto Sithole e Siganguene Sithole.
Recentemente, isto é a 18 de Julho de 2004, Charlotte Sithole e Ana Sithole voltaram a enviar uma carta ao TJCM, pedindo ao abrigo do art. 506 C.P.C, requerer “a absolvição parcial do pedido, a declaração da nulidade do regime de casamento, a remoção do cabeça-de-casal e na apresentação do rol da herança jacente”, pois “os RR, deste processo celebraram uma nova habilitação de herdeiros, da qual fizeram já constar as AA como co-herdeiras; esta atitude dos RR consubstancia uma confissão nos termos do nº 1 do art. 293 e do art. 294 do C.P.C e constitui excepção peremptória nos termos do nº 3 do art. 493 C.P.C”, o que, na óptica das duas autoras do processo, “justifica a absolvição do pedido formulado na
Petição Inicial no atinente à justificação da qualidade de co-herdeirras”.
De acordo com dados em poder do “vt”, “dessa nova habilitação consta ainda que a Co-R Ana Rita Sithole como tendo casado sob o regime da comunhão de adquiridos com o de cujus Alberto Sithole, mesmo sabendo que, esse regime de comunhão de adquiridos é nulo nos termos dos artigos 294 e
286 por violar a alínea c) nº 1 do artigo 1720 Código Civil”.
Segundo as queixosas, “relativamente ao rol dos bens da herança jacente junto aos autos, a R Ana Rita Sithole omitiu dolosamente os seguintes bens: “os direitos resultantes do contrato de locação do imóvel sito na Rua Damião Góis nº 201, bairro da Sommershield-cidade de Maputo, da qual corre processo de alienação junto do APIE sob o nº 456/93; os direitos resultantes do contrato de locação do imóvel sito na
Rua Roberto Ivens na cidade da Beira, do qual, o de cujus era inquilino e as AA continuam a pagar rendas ao Estado e o estabelecimento de ensino Colégio Nyamunda”.
Mas, acima de tudo, as filhas de Alberto Sithole pretendem o seguinte: “a) declarar sem efeito o pedido de justificação da qualidade de herdeiros dos AA, em virtude da confissão dos RR; b) declarar nulo e de nenhum efeito o regime de comunhão de adquiridos constante da certidão de casamento entre a R. Ana Rita Sithole e o de cujus Alberto Sithole, nos termos dos artigos 294 e 286 CC e alínea c) do nº 1 do artigo 1720 CC; c) declarar como válido para todos efeitos legais o novo rol de bens que constituem a herança jacente; proibir a R. Ana Rita Sithole de praticar qualquer acto de administração ou disposição da herança jacente, nos termos dos artigos 2086 CC e 1399 C.P.C; e) nomear as AA como cabeça-de-casal nos termos da alínea c) nº 1 art. 2080 CC e nº 2 do art. 1399 C.P.C e f) autorizar as AA a assinarem o contrato de compra e venda em curso na APIE sob o nº 456/93 do imóvel da Rua Damião
de Góis em representação dos outros co-herdeiros”.
O “vt” apurou que o valor do património deixado por Alberto Sithole ronda nos 1.000.000.000,00USD (cerca de 22.250.000.000 Mt ao câmbio de 22.250,00Mt)
Fontes do “vt” alegam que são infundadas as informações veiculadas no livro de Fabrício Sabat, «Viúvas da Minha Terra», onde Ana Rita Sithole, entrevistada como viúva, teria dito que depois da morte do marido, teria distribuído bens pelas enteadas. “É mentira”, disse Charlotte Sithole, acrescentando que além do carro velho que está a apodrecer na garagem, “não nos deu nada. Por exemplo, o terreno de que fala no livro, para se conseguir tivemos que indemnizar as pessoas que nele habitavam”.
RECONCILIAÇÃO
A reportagem do “vt” visitou ontem a casa localizada no bairro de Matola Hanhane B, nº 454. Uma bela obra de arquitectura. Esta é a casa que está a originar celeuma, pois segundo nos contou a filha mais velha de Alberto Sithole, “a minha madrasta não nos diz qual foi o valor que cobrou pela venda da
casa. Inicialmente, falou-nos de 200 mil USD, depois subiu para 280 mil USD, mas sabemos que o valor real da venda foi 330 mil USD (cerca de 7.342.500.000MT), pois, os actuais proprietários dizem ter comprado por esse valor”.
Ainda ontem, ouvimos o Padre Américo - pessoa que está na residência em questão. Segundo ele, contactado via telefónica, pois se encontrava no distrito de Namaacha, quem tratou do processo da compra da habitação foi o Padre Edgar que reside em Namaacha. Contudo, garantiu-nos que a mesma já foi adquirida pela Igreja Católica ao preço, caso não esteja enganado, de “300 mil USD”. O processo terá envolvido a Imobiliária de Moçambique, LDA (IMOVISA) - restando saber se foram observados os requisitos mínimos para este tipo de negócio, pois segundo apurámos de fontes na Conservatória
do Registo Predial, o processo da compra ainda não deu entrada.
Entretanto, fonte da IMOVISA, em contacto na tarde de ontem com o “vt”, disse-nos que “a IMOVISA tentou vender a casa mas não conseguiu. Foi a Ana Rita Sithole quem vendeu a residência”, acrescentando que, neste momento, “a IMOVISA está a tentar recuperar a placa”, que alguns dias quando a empresa esteve a negociar a habitação foi colocada na fachada da residência.
Para além do processo que decorre no TJCM, de acordo com Charlotte, tentou-se seguir a via da negociação mas, em vão: “nós chegamos a propor que nos oferecesse a mim e a minha irmã que está na Beira apenas 120 mil USD. E ela ficaria com todo o património, mas não aceitou. Houve uma segunda
negociação, também, em vão. O valor que fixou por cada uma de nós é de 30 mil USD”, quer dizer, “tem 330 mil USD, dividindo este valor por dois, fica 165 mil USD”, ou seja, “165 mil USD para Ana Rita e os restantes 165 Mil USD para os 5 filhos”, o que daria a cada um dos filhos qualquer coisa como 33 mil USD.
Questionada se não tem recebido pressão para recuar no processo, Charlotte desabafou: “agora estou a receber pressão por parte da minha irmã. Ela está a passar dificuldades e quando ouve falar dos 30 mil USD que a minha madrasta nos quer oferecer não aguenta. Este valor dá para fazer qualquer coisa, mas não é o suficiente. Queremos que haja justiça. Porque razão não nos incluiu na primeira declaração de
habilitação de herdeiros e só veio a incluir-nos depois que reclamámos, alegando ter havido falhas? Mas que falhas se sempre viveu connosco e foi ela quem nos educou?”, acrescentando que “fala de nomes”, mas não sabe se pactuam ou não com esta injustiça.
A propósito da educação, a fonte recordou que as duas filhas de Sithole sempre viveram nos centros internatos da Namaacha e Nampula. Quando tivessem férias, iam à casa do pai, mas Ana Rita encaminhava-as a casas de tios. No entanto, os três filhos de Ana Rita viveram sempre em casa de Sithole, estudaram e estudam na Pretória e nos Estados Unidos de América.
ADVOGADO
O advogado da Ana Rita Sithole, Rubão Cuna, disse-nos ontem ter “sérias dificuldades” em abordar um assunto que, à partida, “é de foro familiar”. Assim sendo, justificou-se ainda, “a lei não me permite discutir na imprensa assuntos que já estão sendo discutidos no tribunal. Não sei se ao recorrer à
imprensa os ofendidos terão tido alguma dificuldade no tribunal, onde, doa a quem doer, é o local próprio”.
Esta fonte ajuntou que, por outro lado, a ética e deontologia profissional o impede de tratar o assunto na imprensa. “As partes podem levantar o assunto na imprensa. Mas, eu, como advogado não posso fazer o mesmo”, disse ele. Tentou esclarecer, igualmente, que no caso de “litígios familiares” não se permite que os actos processuais sejam publicitados tal como seria em casos de crime.
(Victor Matsinhe, Armando Nenane e redacção)
VERTICAL - 22.09.2004
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