Nos últimos tempos do Chissanismo, a conversa do povo resgatou o primeiro presidente de Moçambique independente.
Uma falange, não minúscula, de moçambicanos acredita que caso Samora Machel continuasse vivo a sua sorte seria outra.
O poder político não ficou alheio ao resgate: a pré-campanha de Armando Guebuza tem se apoiado muito nos emblemáticos discursos do primeiro Presidente do Partido Frelimo.
Mais duas semanas e haverá pompa e muita circunstância pelos 71 anos que Samora Machel comemoraria se fosse vivo. A pompa virá do lado mais suspeito. Dos que se beneficiaram, sem dúvidas, da sua morte. Dos que desvirtuaram os seu ideais e supostamente, criando patos tornaram-se os Rockefellers domésticos. Há quem diga que frangos rendem mais do que patos. Mas, isso é outra história. Foi em 19 de Outubro de 1986 que tudo se tornou turvo para uma certa falange de moçambicanos. Outros acordaram os seus apetites burgueses que estavam adormecidos. O “Nós
somos soldados do povo marchando em frente na luta contra a burguesia”, foi atirado para as gavetas da história. Também o refrão virou-se contra os seus mais dedicados cantores.
Mas se Samora Machel fosse vivo que Moçambique teríamos?
O resgate da figura de Samora Machel tem sido feito com alguns cortes em relação à realidade da sua chancelaria. Tenta-se vender às novas gerações uma imagem demasiado romantizada dos anos do Machelismo.
É uma espécie de filme censurado. Os realizadores, cortam, no filme, os tempos do carapau e repolho, do pão ausente, da guia de marcha, das chambocadas públicas, dos fuzilamentos em hasta pública, dos campos de reeducação, da detenção dos que pensavam diferente dos “libertadores”.
No filme oficial não consta que o regime dirigido por Samora Machel fuzilou, em pleno estado de direito, extrajudicialmente.
Melhor, não se quer que os jovens de hoje saibam que “DEMOCRACIA” era um conceito ausente nos tempos da “outra senhora”.
É preciso que se saiba que, com Machel, vivíamos numa ditadura. O partido único governava o amor e determinava as horas em que os casais deviam fazer sexo.
Mas é preciso resgatar Samora Machel no que ele tinha de bom. Na sua vontade de visionar um Moçambique justo, onde a burguesia fosse uma classe a combater. É preciso resgatar sem enganar
aos mais jovens.
CELSO MANGUANA
PS: Este texto é dedicado á Aurora Bila, ao João Paulo Ndava, ao Fenias Tovela, a Yolanda Boca, ao
Cláudio Manhiça, ao Dambuza Chissano, a Eunice Jorge, a Eunice Jethá e ao Roberto Tivane, meus
“camaradas” da “ Continuadores da Revolução”.
A revolução continua.
IMPARCIAL - 21.09.2004