The New York Times - 21/10/2004
Antiga colônia portuguesa é utilizada como ponte para os negócios
James Brooke - Em Macau
Nesta península repleta de história, onde a cultura portuguesa se mistura ao ar salgado do Mar do Sul da China, um visitante do Brasil pode começar o seu dia tomando café da manhã, enquanto folheia um dos três jornais diários locais em português ou assiste às notícias em uma das duas estações de televisão em língua portuguesa.
Na rua, um motorista de táxi sinaliza que o veículo está livre e leva um passageiro até um platô onde há coqueiros, igrejas católicas barrocas, nomes de ruas em painéis de azulejo em português e chinês e panfletos bilíngües anunciando festivais de música. Para que o visitante que fala português se sinta mais em casa, a Rádio Macau transmite fado, bossa nova e notícias em português durante todo o dia.
Cinco anos atrás, quando Portugal devolveu à china este enclave de 26 quilômetros quadrados, a maioria das pessoas previu que a língua portuguesa desapareceria do local num piscar de olhos. Os portugueses pouco fizeram para promover a sua língua desde chegaram pela primeira vez a Macau, como mercadores, por volta de 1553.
Quando partiram, apenas cerca de 2% da população de Macau, de 450 mil habitantes, falavam a língua de Lisboa. Os 98% restantes se comunicavam em cantonês e outros idiomas.
Mas em uma surpreendente reviravolta, as inscrições para aulas particulares de português triplicaram, chegando a mil desde 2002. Isso levou as escolas públicas chinesas locais a oferecerem português neste outono, atraindo mais de 5.000 alunos.
"O número de falantes do português disparou no ano passado", garante Manuel F. Moreira de Almeida, um português que vive na cidade há muito tempo e que é dono da Livraria Portuguesa, localizada em uma estreita rua colonial. "Em poucos anos, haverá mais falantes de português por aqui do que durante o
período em que a cidade foi colônia de Portugal".
Se é a economia que determina a ascensão e a queda das línguas, o renascimento do português é ditado pela nova determinação de Pequim no sentido de que Macau sirva como uma plataforma para os crescentes interesses comerciais e estratégicos chineses no mundo latino.
Embora os jogos de azar sejam há muito tempo o principal negócio local, a pequena Macau encontrou um novo papel para si, como elo de ligação da China com os 220 milhões de falantes de português no mundo.
Embora Pequim vá sempre atrair os visitantes mais importantes, como no caso da viagem, em maio passado, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, Macau oferece programas de treinamento e convenções no ambiente culturalmente amigável do canto mediterrâneo da China, onde o português
está, pelo menos oficialmente, em pé de igualdade com o chinês.
"Macau pode ser uma ponte entre a China e os países de língua portuguesa", disse, em outubro passado, após uma reunião comercial de cúpula com sete ministros de países de língua portuguesa, o vice-ministro do Comércio, An Mi.
Ao fim das conversações, a China assinou um acordo para aumentar o volume comercial, os investimentos e a cooperação econômica com Portugal e seis ex-colônias portuguesas: Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e Timor Leste. São Tomé e Príncipe não compareceram devido às relações diplomáticas que mantêm com Taiwan.
Atualmente, a Universidade de Macau leciona Direito em língua portuguesa para angolanos e moçambicanos. Seminários de treinamento em turismo, enfermagem, tradução e administração empresarial atraem alunos de cinco países de língua portuguesa da África e de Timor Leste, um nicho asiático que tem antigos laços históricos com este posto comercial no delta do Rio Pérola.
"Macau poderia funcionar como intermediária, fornecendo serviços de boa qualidade em treinamento, tradução e consultoria", afirma Gaary M.C. Ngai, um pesquisador local. Vagarosa para estabelecer conexões com os países de língua portuguesa e espanhola, a China atualmente se move agressivamente.
Quase que da noite para o dia, ela se tornou o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos, comprando ferro, aço, soja e alumínio brasileiros. O comércio bilateral da China com o Brasil quadruplicou desde 1999, chegando a US$ 6,7 bilhões no ano passado. Em troca, a China está apoiando os esforços do Brasil para obter uma cadeira no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
"Sob o ponto de vista militar e industrial a China intimida, mas as suas regiões especiais possuem uma imagem diferente", disse Luiz Fernando Furlan, ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, referindo-se a Macau e a Hong Kong, segundo a Associated Press.
No norte do Brasil, está sendo construída uma usina siderúrgica no valor de US$ 1,5 bilhão em uma joint venture entre o grupo Shanghai Baosteel e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a maior produtora de minério de ferro do mundo. A CVRD também possui uma parceria com a produtora chinesa de alumínio Chalco para a construção de uma refinaria de bauxita de US$ 1 bilhão, também no norte do Brasil.
Os negócios da Argentina com a China dobraram desde 2000. O Chile está negociando um acordo de livre comércio com a China. E, à medida que se torna cada vez mais dependente do petróleo importado, a China cultiva relações com Angola, um dos maiores produtores da África Ocidental. Com a intensificação dos negócios e trocas oficiais, a China concordou recentemente em ampliar o seu crédito a Angola em US$ 2 bilhões.
Grande parte dessa cifra será destinada à reconstrução da ferrovia Leste-Oeste, uma obra do período colonial que foi destruída por 40 anos de guerra civil.
"Os países de língua portuguesa, ricos em recursos, e o mercado mundial de maior crescimento, a China, parecem formar um par perfeito", disse Na, o vice-ministro chinês do Comércio no ano passado.
Macau está preparando uma legião de tradutores bilíngües para esses novos mercados. Em um exemplo típico desses novos rumos, quando a Feira Internacional de Comércio e Investimento de Macau for aberta em 21 de outubro, ela contará com uma grande área denominada "Feira da China e dos Países de Língua Portuguesa".
Após se reunirem aqui no início de outubro, executivos da Portugal Telecom, a maior empresa portuguesa, estão fazendo planos para expandirem os seus negócios daqui para toda a China. Segundo um novo acordo de livre comércio Macau-China, a partir de 1º de janeiro de 2006 cerca de 93% dos produtos exportados daqui para a China deixarão de estar sujeitos a tarifas, e o mercado chinês foi aberto para 18 setores locais de serviços, incluindo o de telecomunicações.
Para Ricardo Pinto, editor do "Ponto Final", um dos jornais diários portugueses, a conexão também permite que a cidade conte com alguma diversificação econômica, deixando de depender apenas dos jogos. No passado Macau era conhecida como a Monte Carlo do Oriente. Atualmente, os jogos estão em ascensão, o que alimenta expectativas de que mais de 5 milhões de pessoas utilizem o aeroporto da cidade neste ano.
O seu 15º cassino, o Casa Real, abriu as portas recentemente e os rendimentos com os jogos em Macau aumentaram 50% em relação ao ano passado, segundo o "The Macau Post Daily", o primeiro jornal de língua inglesa da cidade, criado em agosto para tirar vantagem da nova onda de afluência.
Com o plano de investimento de bilhões de dólares em cassinos, Macau espera dobrar, por volta de 2010, o seu número anual de visitantes para 30 milhões, mais ou menos o mesmo de Las Vegas.
Com a renda per capita de Macau chegando a US$ 17 mil, um nível próximo ao de Portugal, há poucos incentivos econômicos para que os 110 mil detentores de passaporte português na cidade migrem para Portugal.
Aproveitando o boom dos cassinos, o governo de Macau espera arrecadar US$ 2 bilhões em impostos sobre jogos neste ano, 60% a mais do que no ano passado.
Longe de desprezar o passado colonial de Macau, as lideranças da cidade restauraram e iluminaram marcos coloniais como igrejas, fortes, hospitais, teatros, museus, um observatório e o palácio do governador.
Em um caso raro em se tratando de cidades asiáticas modernas, a preservação histórica de Macau foi tão extensa que a cidade espera ser reconhecida no ano que vem pela Unesco como patrimônio histórico mundial. "Eles passaram da preservação ao cultivo da herança", diz Harald Bruning, diretor do "The
Macau Post Daily".
As coberturas de telhas vermelhas de barro cozido, os pratos portugueses a base de bacalhau e a profusão de motonetas proporcionam ao visitante um ambiente marcadamente mediterrâneo. É exigido que todas as placas de ruas e nomes de companhias sejam escritos em português e em chinês, o que pode deixar o visitante que fale apenas inglês desnorteado.
Mas como diz Almeida, que vê uma nova geração de falantes da língua portuguesa freqüentando a sua livraria: "O português saiu de uma ressaca colonial para se transformar em oportunidade de negócios".
Tradução: Danilo Fonseca
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