PÚBLICO - 23.10.2004
ANA DIAS CORDEIRO
Idrissa Djaló, líder do primeiro partido político guineense que condenou a sublevação de 6 de Outubro passado, recusa atribuir exclusivamente à questão étnica os motivos que levaram à insurreição e à morte de pelo menos dois chefes militares. Numa entrevista ao PÚBLICO por telefone, a partir de Bissau, o dirigente do Partido da Unidade Nacional (PUN), da oposição extra-parlamentar, reconhece que existe uma dimensão étnica no acto mas adianta que o problema reside essencialmente no facto de certas forças políticas "utilizarem" os militares para "manterem o poder".
Questionado sobre se os políticos estão reféns dos militares, Idrissa Djaló faz uma distinção entre o Presidente da República de transição, Henrique Rosa, e o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior. Este último "ainda tem margem de manobra" e "tem uma força indiscutível, que é a força da legitimidade", mesmo se a tarefa do Executivo "não foi facilitada" por Henrique Rosa que, no rescaldo da sublevação, afirmou ser "solidário mesmo com os militares" que protagonizaram o acto. Essa posição "complicou gravemente o trabalho do Governo". "Ele [o Presidente] não tinha necessidade de assumir essa postura. De forma alguma, podia pactuar com pessoas que se levantaram contra a ordem legal do país", critica.
Este dirigente partidário reconhece que "os militares querem ter sob tutela o poder político" mas, numa altura em que se aguarda a decisão do Governo sobre a escolha das novas chefias militares, prefere realçar a convicção de que ainda se pode transformar a crise numa "oportunidade para acabar com as ambiguidades" entre a acção dos militares e os interesses políticos.
"O problema é de uma classe política irresponsável que utiliza o poder militar para se manter no poder", considera ao mesmo tempo que diz existir "a tentação de se etnizar este debate", por parte de dois grupos distintos: uns querem "impor o poder de um grupo étnico" e outros "querem diabolizar um grupo étnico para aparecer como salvadores da pátria".
Instado a sustentar essa denúncia contra a classe política, o líder do PUN diz não ter "nenhum elemento que permita acusar um ou outro partido" mas lembra que desde 14 de Novembro de 1980 [quando Nino Vieira depôs Luís Cabral], "os militares foram sempre instrumentalizados pela classe política". E deixa exemplos concretos: "O golpe de Estado de 1980 beneficiou uma parte do PAIGC. Em 1998, o levantamento foi dado pelo PAIGC com a cumplicidade de outros líderes políticos, e em 14 de Setembro [de 2003], o golpe de Estado foi conduzido por uma parte do PRS [Partido da Renovação Social]".
A questão "E agora quem beneficia?" fica sem resposta: "Este golpe ainda não tem rosto". Mas a clivagem nas Forças Armadas (FA) que levou ao assassinato de dois chefes militares "é resultado da clivagem de interesses políticos não assumidos nas FA, onde cada partido tem a sua facção. Quando há impasse político, há confrontação nos quartéis."
Estará esse "impasse" relacionado com as presidenciais, previstas para 2005, num escrutínio que concluiria os 18 meses de transição depois da deposição de Kumba Ialá? "É na questão das presidenciais que temos que procurar as razões para este levantamento", diz Idrissa Djaló. "A questão joga-se no acesso ao topo do poder político. A guerra das presidenciais já começou. E começou nos quartéis."