Escrito por: JC *
Joaquim Chissano esteve em Portugal e pressionou, pressionou e voltou a pressionar para que a venda de Cahora Bassa se fizesse rapidamente. Pedro Santana Lopes, o primeiro ministro português, prometeu novidades para meados de Novembro.
O que faz correr Joaquim Chissano a escasso mês e meio de ser substituído na presidência da República de Moçambique? Chissano quer fechar o dossier Cahora Bassa antes das eleições de 1 e 2 de Dezembro próximo no país, mas o melhor que conseguiu foi agendar novas reuniões multilaterais para meados de Novembro, em Maputo.
Em Portugal, Chissano esteve no parlamento, em S. Bento e em Belém. Do PR português arrancou a frase: "Há que encerrar o que já devia estar encerrado." Sendo um sinal ao Governo, Santana Lopes é quem directamente conduz o processo, o secretário de Estado Miguel Morais Leitão nada mais pode fazer do que seguir as regras: avaliar a capacidade energética, estudar o modelo jurídico de passagem accionista, arranjar modelo de financiamento para a liquidação da dívida e outros proveitos e fazer uma transferência de gestão Isto reproduz o acordo feito entre a Frelimo e o governo português da altura.
No acordo, Portugal devolveria a gestão e o controlo accionista da hidroeléctrica ao Estado moçambicano depois de ressarcir o investimento e ainda após um período de exploração, positiva de três anos, o único período durante o qual o accionista português ganharia dinheiro.
A solução era para ser tomada no consu-lado de Joaquim Pina Moura, em que Moçambique adquiriria uma posição maioritária, pagando ao Estado português um valor financiado por uma entidade bancária externa, mas que exigia, o aval da República portuguesa. Esta solução foi avançada na altura por fontes do PSD, mas sempre foi desmentida pelo ex primeiro ministro.
Durão Barroso quis resolver a questão começando pela revisão das tarifas já que o modelo de exploração obrigava a HCB a vender à Eskom, a eléctrica estatal sul africana, que depois revendia a Moçambique, nomeadamente à in-dústria da Mozal, um gigante mundial no perfil de alumínio. Mira Amaral liderou a PJC, a entidade que representa o Governo português nestes interesses e conseguiu resultados, mas sempre dentro do quadro da repassagem do controlo accionista a moçambicanos.
A pressão de Chissano sobre os órgãos de soberania nacionais acontece algumas semanas depois da visita do presidente moçambicano aos Estados Unidos e depois ao Brasil.
AS LIGAÇÕES
A relação é interessante porque no "inner circle" dos negociadores foram aparecendo empresas como o Vale Rio Doce e ainda o Brasil National Bank, a par da Rio Tinto/ Anglo American. As primeiras entidades são brasileiras, mas controladas por entidades americanas, enquanto a Rio Tinto é sul africana, mas com fortes interesses da EDF, a eléctrica estatal francesa. A Vale Rio Doce tem ainda ligações ao grupo Agnelli, e o banco brasileiro tem fortes interesses em Porto Alegre (zona onde Joaquim Chissano terá interesses imobiliários) e é conhecida nos meios económicos africanos como urna instituição com grande interes-se no estudo e organização produtiva do Vale do Zambeze. Também a construtora brasileira Odebrecht tem interesses ligados aos franceses e aos sul africanos.
0 CONFRONTO DE "LOBBIES"
São exactamente as ligações brasileiro americanas com interesses em Cahora Bassa que chocam com interesses do chamado consórcio Zamco que agrupa sete países e 17 empresas multinacionais, que participaram na construção de Cahora Bassa, e que sempre viram o potencial da região, a par da intromissão de um pequeno país, Portugal, no domínio de toda a região subsahariana.
Os interesses estratégicos da energia, a par dos interesses militantes, concretamente do porto de águas profundas de Nacala, que permi-tiria, subir 4.000 quilómetros à esquadra america-na do Pacífico, ancorada em Diego Garcia, expli-cam as movimentações mundiais.
0 QUE FICA PARA PORTUGAL
No cenário de confronto mundial Portugal arrisca se a perder tudo. Os moçambicanos e sul africanos foram atrasando o ajuste das tarifas e nesta negociação seria interessante Portugal manter uma percentagem mínima capaz de ge-rar alguma influência.
Os valores em cima da mesa são díspares. Fontes moçambicanas falam em 3.000 milhões de euros pedidos por Portugal, para uma dívida que se situa entre 1.800 e 2.000 milhões de euros. O di-ferencial destina-se a compensar o facto de o Estado português ter deixado de contabilizar juros; das injecções que foi fazendo na gestora da barragem, a HCB, e ainda compensar os três anos es-tipulados no acordo, em que Portugal deveria fazer uma exploração rentável.
A HCB tem a Eskom e o Estado do Zimbabwe como grandes clientes, mas continua a ter empecilhos para o seu desenvolvimento, nomea-damente a Motraco, uma entidade onde estão sul africanos e moçambicanos e que é a verda-deira entidade que tem rendimentos de Cahora Bassa. Portugal nada risca.
Em caso de conclusão positiva do negócio a receita da venda poderia reduzir o défice público português nos próximos dois anos, unia receita extraordinária com que hoje não se pode contar.
Em estudo continua o modelo de financia-mento da operação. Em Maputo comenta-se que as autoridades querem reduzir uma eventual operação de endividamento para a compra da barragem de 25 para 15 anos. Isso pode significar que estará em estudo a titularização das receitas da barragem, antecipando receitas e com esses valores seria negociada a situação com Portugal, o que bate certo com a informação de que há novas entidades a estudar o valor energético do complexo.
* visitante do Zambezia On Line
O AUTARCA - 27.10.2004