Dois pronunciamentos de figuras de proa na cena política moçambicana, feitos na Praça dos Heróis, na última terça-feira, por ocasião da passagem do 18º aniversário da morte de Samora Machel, o primeiro presidente de Moçambique independente, que perdeu a vida em Mbuzini, África do Sul, na queda do seu
avião, voltam a alimentar sérias dúvidas sobre a real vontade política das autoridades moçambicanas
em esclarecer as circunstâncias que rodearam a morte do Marechal.
Referimo-nos às declarações de Joaquim Chissano, presidente da República, e de Graça Machel, viúva do Marechal, e actual esposa de Nelson Mandela, primeiro presidente da África do Sul pós-Apartheid.
Vamos a elas:
- Chissano: «Mesmo fora da presidência, este caso sempre terá importância para mim. Mas é claro que passados estes anos todos, as possibilidades de esclarecer o assunto tornam-se remotas».
- Graça Machel: «Eu acredito que ainda havemos de descobrir quem matou Samora Machel e todos aqueles que com ele viajavam. Por mais que não seja agora no meu tempo, penso que um dia se saberá a verdade, talvez no tempo dos meus filhos».
Não é necessária a lupa para nos apercebermos que estamos perante dois pronunciamentos desencontrados.
Temos ainda na memória que certo dia, falando à comunicação social, em Moçambique, Graça Machel admitiu conhecer os possíveis envolvidos, no país, na morte do seu marido, que perdeu a vida no dia 19 de Outubro de 1986, na queda da aeronave que o transportava, com a sua comitiva, no solo sulafricano.
O referido pronunciamento da ex-primeira dama de Moçambique e África do Sul apareceu em contramão em relação ao discurso das figuras de peso na arena política moçambicana, que logo depois do acidente, sem esperar pelas conclusões da comissão de inquérito, atiraram toda a responsabilidade ao regime sulafricano que, supostamente, torcia pela morte de Samora Machel por considerar um incómodo à permanência da política segregacionista naquele país vizinho.
Na comissão de inquérito, na qual estavam integrados elementos da RSA (local do acidente), RPM (proprietário da aeronave) e URSS (país do fabrico do avião e da proveniência da tripulação) as partes não se entenderam, na questão da origem do acidente (erro humano ou atentado?). E o enigma continua a alimentar especulações e paixões.
JAQUES FELISBERTO - IMPARCIAL - 21.10.2004