Na hora da despedida, o Presidente de Moçambique fala dos aspectos positivos dos 18 anos da sua governação mas reconhece que ficam na Justiça importantes casos por esclarecer e diz que o "incomoda" ver o nome do seu filho no processo autónomo relativo ao assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Por Ana Dias Cordeiro e Joana Macie
Joaquim Chissano terminou ontem a última visita de Estado a Portugal enquanto Presidente da República de Moçambique, cargo que decidiu deixar, optando por não se candidatar a um terceiro mandato. Numa entrevista ao PÚBLICO, em Lisboa, reconheceu que deixa importantes casos judiciais por resolver, como o do assassinato de Siba-Siba Macuácua, administrador bancário empenhado na luta contra a corrupção financeira, e não entende as dúvidas que pairam sobre a alegada responsabilidade do seu filho, Nyimpine Chissano, na morte do jornalista Carlos Cardoso, que investigava a fraude do Banco Comercial de Moçambique. Chissano está convicto na imagem "positiva" do candidato presidencial da FRELIMO Armando Guebuza às eleições de Dezembro. E quanto à intenção de prosseguir uma carreira internacional, dissipa as dúvidas: "Ficarei em Moçambique".
PÚBLICO - A sua recente visita de despedida pelo país era necessária para dar apoio a Armando Guebuza, candidato de quem se diz ser pouco conhecido nalgumas províncias?
Joaquim Chissano - Não. Desde que tomei a Presidência, visito as províncias todos os anos. Desta vez, a visita pelo país foi para informar o povo que é um facto definitivo que não me vou recandidatar e que temos um candidato que se eles querem apoiar, estou seguro que irá dar continuidade ao que nós estamos a fazer, precisamente porque não é novo nem desconhecido. Teve um importante papel na luta de libertação. Mais tarde, no governo de transição, foi responsável pela instalação da administração em todo o país e logo aí se tornou muito conhecido.
A oposição prepara-se para ressuscitar o passado de Armando Guebuza, enquanto ministro da Administração Interna, com a controversa operação-produção, que afastou os desempregados das cidades, nos primeiros anos da independência, ou com a criação dos centros de reeducação aos quais está associada uma ideia de repressão. Isso será prejudicial para FRELIMO na campanha eleitoral que começa este domingo [amanhã]?
A operação-produção não foi de Armando Guebuza, foi do Governo e do partido FRELIMO, que encarregou alguém de executar uma parte dessa operação, muito complexa, e que foi positiva. As pessoas deram-lhe uma conotação completamente errada. O objectivo era devolver as pessoas marginais às suas zonas de origem para serem reintegradas na sociedade. Numa outra operação, foram criados centros de reeducação para delinquentes. As pessoas que não sabiam o que se passava lá, chamavam a isso campos de concentração. Mas consistia em criar condições de reabilitação das pessoas.
O que o marcou mais nos 18 anos da sua governação?
O que me marcou mais foi o processo de pacificação do país. Depois foi a reconstrução, o refazer do tecido social, a reconstrução das infra-estruturas e a recuperação de um processo de desenvolvimento. Mas também os ganhos alcançados na arena internacional. Depois da independência, Moçambique ainda tinha muitos inimigos. Havia muitos países que olhavam com desconfiança, outros que olhavam com desdém para Moçambique. E hoje ocupamos um lugar no mundo que alguns classificam de exemplar.
O facto de deixar a governação sem terem ficado totalmente resolvidos casos judiciais - como o do desfalque do Banco Comercial de Moçambique ou o do assassinato em 2001 do administrador do Banco Austral, Siba Siba Macuácua que assumiu a luta contra a corrupção - não o preocupa?
Preocupa-me porque eu gostaria de ter deixado isso tudo bem esclarecido. O que não foi o caso. Portanto é uma preocupação. Mas são casos complexos como muitos casos que há no mundo, idênticos a este, onde paira o desconhecido. Temos o caso da Suécia com o assassínio do primeiro-ministro Olof Palme que até hoje não foi esclarecido. São casos em que pela mestria com que o crime é cometido, se torna difícil em pouco tempo encontrar o caminho para descobrir os criminosos. No caso de Carlos Cardoso [jornalista de investigação assassinado em Maputo em Novembro de 2000] foi possível encontrar os criminosos. Foi mais fácil do que no caso de Siba-Siba, em que mesmo os peritos doutros países não conseguiram dar-nos indícios muito concretos. Mas as instituições estão a trabalhar e espero que o caso venha a ser esclarecido.
Relativamente ao assassinato de Carlos Cardoso, incomoda-o o nome do seu filho [Nyimpine Chissano] aparecer no processo autónomo que ainda não está esclarecido?
Incomoda-me porque para mim isso devia ter chegado ao seu desfecho. O meu filho nunca se escondeu, nunca foi protegido. Todas as investigações foram feitas. Deveria ter sido feito um pronunciamento dos resultados. Ele está à espera para ver os resultados desta investigação. No início, tínhamos uma atitude de deixar as instituições trabalhar, deixar que a lei fosse cumprida. Mas depois de terem passado dois anos em que tudo indica que ele não está envolvido, era preciso que houvesse pronunciamento. Mas parece que os advogados estão a conseguir prolongar o tempo de pronunciamento para as instâncias necessárias. Nem sei o que se passa realmente, porque não posso interferir nem perguntar.
Quando deixar a Presidência, pensa prosseguir numa organização internacional, como as Nações Unidas?
Não vou, até porque não existem estas condições. Para secretário-geral, vai levar tempo até que haja um cargo para outro africano [depois do ganês Kofi Annan]. Não irei nem para outros altos cargos da ONU. Ficarei em Moçambique. Vou criar uma fundação para a paz, desenvolvimento e cultura.
PÚBLICO, 16 de Outubro de 2004