Decisões e pronunciamentos recentes da CNE, por maioria Frelimo, e a recente visita do carrasco da
Oposição no Zimbabwe, Robert Gabriel Mugabe, contribuíram, de certa forma, para tornar ainda mais
nebuloso o processo de preparação das eleições gerais projectadas para Dezembro próximo, cuja
campanha eleitoral tem início no próximo dia 17 de Outubro.
Dirão alguns, onde é tido e achado o estadista zimbabweano, no processo eleitoral moçambicano?
Diremos nós, já há sinais de possível aliança na maldade e na bondade, com seus aliados históricos no país.
Apenas para reavivar a memória:
- Contra a maré das críticas, sobre a problemática da reforma agrária no Zimbabwe, o nosso PR, Joaquim Chissano, foi dos poucos estadistas a sair em defesa do seu homólogo zimbabweano, catalogando-o como campeão na implantação do Estado de Direito!
- Esta semana, o mesmo Chissano reapareceu a prognosticar eleições tranquilas, no Zimbabwe,
marcadas para o próximo ano. O argumento é de que a tensão política está a desvanecer-se, congratulando ainda as supostas reformas que teriam sido feitas na Lei Eleitoral daquele país que, segundo sustentou, o referido documento respeita os princípios estabelecidos pela SADC – Comunidade
de Desenvolvimento da África Austral, comentário que passou por cima da reacção, recente, do
ministro de Informação do Zimbabwe, Jonathan Moyo, que tornou claro que as decisões da SADC
não passavam de meras recomendações não podendo ser impostas ao seu país.
Reafirmamos que na hora de partida de Chissano, como presidente da República e em véspera da
campanha eleitoral, para as próximas eleições gerais, a visita de Robert Gabriel Mugabe, o carrasco da Oposição no Zimbabwe, pode ser um mau sinal para o país.
Robert Gabriel Mugabe é o tal que chefia o país que foi suspenso da Commonwealth porque o seu regime “opressivo” e “não democrático”, uma medida apoiada, na altura, por figuras insuspeitas como Desmond Tutu, prémio Nobel da Paz de 1994.
Robert Gabriel Mugabe é o tal que fez desaparecer eleitores, e não votos, nas últimas eleições em que
se fez reeleger, para mais um mandato de oito anos, porque o seu governo, responsável pela organização do respectivo escrutínio, reduziu, drasticamente, o número de mesas de votos nas regiões de forte influência da Oposição, liderada pelo MDC, de Morgan Tsvangirai, para além de uma campanha de intimidação e uso abusivo dos órgãos de comunicação públicos.
Nas referidas eleições, a maior parte das organizações internacionais interessadas em fiscalizar o processo foram banidas, como é o caso da União Europeia.
Aterrando no nosso país, há fortes evidências de que o processo eleitoral caminha em terreno pantanoso, perante a arrogância de que detém o poder de comando, num cenário de “quero, posso e mando”:
- Por decisão da maioria Frelimo na CNE, sem um levantamento exaustivo, se impôs o recenseamento
eleitoral na diáspora, que foi um fracasso, uma vez que dos mais de 300 mil potenciais eleitores, apenas pouco menos de 50 mil é que responderam ao chamamento, mesmo assim vão votar com direito a dois mandatos, um na Europa e um em África.
- Por decisão da maioria Frelimo, foi chumbado o pedido da União Europeia que exigia, entre outras
questões, o livre acesso aos locais onde serão processados os dados de votação, ou seja, as salas de informática, para melhor poder fiscalizar o processo. O argumento é de que tal pedido viola a lei, mas percorrida a legislação moçambicana não se encontra nenhum articulado que impõe tais restrições. Dirão que não está prevista tal permissão, mas, em princípio, os observadores são para o processo eleitoral, desde votação até ao anúncio dos resultados, passando pela fiscalização do lançamento dos dados no sistema informático, um dos nós de estrangulamento no país.
A terminar, cito aqui um perito sul-africano, Emile Myburgh, que depois de analisar, recentemente,
algumas decisões do Conselho Constitucional e da Comissão Nacional de Eleições concluiu:
«A menos que o governo moçambicano reverta a sua postura de levar adiante acções embaçadas em decisões ilegais (o que é improvável), as eleições em Moçambique reúnem poucas chances de acontecer de forma livre e justa. A situação ajuda a criar, ou até mesmo reforçar, a ideia de que o governo Frelimo não está comprometido com os valores democráticos e, perpetuando a imagem estereotipada que se tem dos líderes africanos, causa preocupação quanto ao desejo do governo de se manter no poder, pouco importando os meios usados para isso. O resultado de tais acções, que o Zimbabwe tem ilustrado de maneira tão brutal, é o desrespeito aos direitos humanos, as restrições à livre expressão e à imprensa e o gradual desgaste da constituição. As implicações de uma decisão como essa vão, portanto, muito além da mera conivência com uma prática ilegal do governo: elas são um indicativo de possíveis atitudes desastrosas no futuro».
JAQUES FELISBERTO
IMPARCIAL - 13.10.2004