Já vimos que, em Moçambique, não é preciso ser rico. O essencial é parecer
rico. Entre parecer e ser vai menos que um passo, a diferença entre um
tropeço e uma trapaça.
No nosso caso, a aparência é que faz a essência. Daí que a empresa comece
pela fachada, o empresário de sucesso comece pelo sucesso da sua viatura, a
felicidade do casamento se faça pela dimensão da festa. A ocasião, diz-se, é
que faz o negócio. E é aqui que entra o cenário dos ricos e candidatos a
ricos: a encenação do nosso "jet-set".
O "jet-set" como todos sabem é algo que ninguém sabe o que é. Mas reúne a
gente de luxo, a gente vazia que enche de vazio as colunas sociais. O
jet-set moçambicano está ainda no início. Aqui seguem umas dicas que,
durante o próximo ano, ajudarão qualquer pelintra a candidatar-se a um
jet-setista. Haja democracia! As sugestões são gratuitas e estão dispostas
na forma de um pequeno manual por desordem alfabética:
Anéis - São imprescindíveis. Fazem parte da montra. O princípio é: quem tem
boa aparência é bem aparentado. E quem tem bom parente está a meio caminho
para passar dos anéis do senhor à categoria de Senhor dos Anéis O
jet-setista nacional deve assemelhar-se a um verdadeiro Saturno, tais os
anéis que rodeiam os seus dedos. A ideia é que quem passe nunca confunda o
jet-setista com um magaíça*, um pobre, um coitado. Deve-se usar jóias do
tipo matacão, ouros e pedras preciosas tão grandes que se poderiam chamar de
penedos preciosos. A acompanhar a anelagem deve exibir-se um cordão de ouro,
bem visível entre a camisa desabotoada.
Boas maneiras - Não se devem ter. Nem pensar. O bom estilo é agressivo, o
arranhão, o grosseiro. Um tipo simpático, de modos afáveis e que se preocupa
com os outros? Isso, só uma pessoa que necessita de aprovação da sociedade.
O jet-setista nacional não precisa de aprovação de ninguém, já nasceu
aprovado. Daí os seus ares de chefe, de gajo mandão, que olha o mundo
inteiro com superioridade de patrão. Pára o carro no meio da estrada
atrapalhando o trânsito, fura a bicha**, passa à frente, pisa o cidadão
anónimo. Onde os outros devem esperar, o jet-setista aproveita para exibir a
sua condição de criatura especial. O jet-setista não espera: telefona. E
manda. Quando não desmanda.
Cabelo - O nosso jet-setista anda a reboque das modas dos outros. O que vem
dos americanos: isso é que é bom. Espreita a MTV e fica deleitado com uns
moços cuja única tarefa na vida é fazer de conta que cantam. Os tipos são
fantásticos, nesses video-clips: nunca se lhes viu ligação alguma com o
trabalho, circulam com viaturas a abarrotar de miúdas descascadas. A vida é
fácil para esses meninos. De onde lhes virá o sustento? Pois esses queridos
fazem questão em rapar o cabelo à moda militar, para demonstrar a sua
agressividade contra um mundo que os excluiu mas que, ao que parece, lhes
abriu a porta para uns tantos luxos. E esses andam de cabelo rapado. Por
enquanto.
Cerveja - A solidez do nosso matreco vem dos líquidos. O nosso candidato a
jet-setista não simplesmente bebe. Ele tem de mostrar que bebe. Parece um
reclame publicitário ambulante. Encontramos o nosso matreco de cerveja na
mão em casa, na rua, no automóvel, na casa de banho. As obsessões do matreco
nacional variam entre o copo e o corpo (os tipos ginasticam-se bem). Vazam
copos e enchem os corpos (de musculaças). As garrafas ou latas vazias são
deitadas para o meio da rua. Deitar a lata no depósito do lixo é uma coisa
demasiado "educadinha". Boa educação é para os pobres. Bons modos são para
quem trabalha. Porque a malta da pesada não precisa de maneiras. Precisa de
gangs. Respeito? Isso o dinheiro não compra. Antes vale que os outros tenham
medo.
Chapéu - É fundamental. Mas o verdadeiro jet-setista não usa chapéu quando
todos os outros usam: ao sol. Eis a criatividade do matreco nacional: chapéu
ele usa na sombra, no interior das viaturas e sob o tecto das casas. Deve
ser um chapéu que dê nas vistas. Muito aconselhável é o chapéu de cowboy, à
la Texana. Para mostrar a familiaridade do nosso matreco com a rudeza dos
domadores de cavalos. Com os que põe o planeta na ordem. Na sua ordem.
Cultura - O jet-setista não lê, não vai ao teatro. A única coisa que ele lê
são os rótulos de uíque. A única música que escuta são umas "rapadas e
hip-hopadas" que ele generosamente emite da aparelhagem do automóvel para
toda a cidade. Os tipos da cultura são, no entender do matreco nacional, uns
desgraçados que nunca ficarão ricos. O segredo é o seguinte: o jet-setista
nem precisa de estudar. Nem de ter Curriculum Vitae. Para quê? Ele não vai
concorrer, os concursos é que vão ter com ele. E para abrir portas basta-lhe
o nome. O nome da família, entenda-se.
Carros - O matreco nacional fica maluquinho com viaturas de luxo. É quase
uma tara sexual, uma espécie de droga legalmente autorizada. O carro não é
para o nosso jet-setista um instrumento, um objecto. É uma divindade, um
meio de afirmação. Se pudesse o matreco levava o automóvel para a cama. E,
de facto, o sonho mais erótico do nosso jet-setista não é com uma Mercedes.
É, com um Mercedes.
Fatos - Têm de ser de Itália. Para não correr o risco do investimento ser em
vão, aconselha-se a usar o casaco com os rótulos de fora, não vá a origem da
roupa passar despercebida. Um lencinho pode espreitar do bolso, a sugerir
que outras coisas podem de lá sair.
Simplicidade - A simplicidade é um pecado mortal para a nossa matrecagem.
Sobretudo, se se é filho de gente grande. Nesse caso, deve-se gastar à larga
e mostrar que isso de país pobre é para os outros. Porque eles (os meninos
de boas famílias) exibem mais ostentação que os filhos dos verdadeiros ricos
dos países verdadeiramente ricos. Afinal, ficamos independentes para quê?
Óculos escuros - Essenciais, haja ou não haja claridade. O style - ou em
português, o estilo - assim o exige. Devem ser usados em casa, no cinema,
enfim, em tudo o que não bate o sol directo. O matreco deve dar a entender
que há uma luz especial que lhe vem de dentro da cabeça. Essa a razão do
chapéu, mesmo na maior obscuridade.
Telemóvel - Ui, ui, ui! O celular ou telemóvel já faz parte do braço do
matreco, é a sua mais superior extremidade inferior. A marca, o modelo, as
luzinhas que acendem, os brilhantes, tudo isso conta. Mas importa,
sobretudo, que o toque do celular seja audível a mais de 200 metros. Quem
disse que o jet-setista não tem relação com a música clássica? Volume no
máximo, pelo aparelho passam os mais cultos trechos: Fur Elise de Beethoven,
a Rapsódia Húngara de Franz Liszt, o Danúbio Azul de Strauss. No entanto, a
melodia mais adequada para as condições higiénicas de Maputo é o Voo do
Moscardo. Última sugestão: nunca desligue o telemóvel! O que em outro lugar
é uma prova de boa educação pode, em Moçambique, ser interpretado como um
sinal de fraqueza. Em Conselho de Ministros, na confissão da Igreja, no
funeral do avô: mostre que nada é mais importante que as suas inadiáveis
comunicações. Você é que é o centro do universo!