PUBLICO - 25 de Outubro de 2004
Por DIOGO GOMES DE ARAÚJO
Na última Assembleia Anual do Banco Africano de Desenvolvimento, que ocorreu no Uganda, no passado mês de Maio, o Presidente Museveni decidiu desafiar a comunidade de doadores que participavam no evento. No seu estilo de ex-guerrilheiro rendido ao fato e à gravata referiu que o continente africano padecia de dois tipos de males: endógenos e exógenos. Do lado dos endógenos referiu-se simplesmente à "propensão para o atraso" dos africanos, a qual, a seu ver, condiciona gravemente o desenvolvimento do continente.
Museveni queria dizer com esta "propensão para o atraso" que muitos líderes africanos, políticos ou empresários, não pensam estrategicamente no longo prazo, estando mais interessados no imediatismo dos seus resultados. Referia-se às opacas contas do petróleo, cujas receitas das produções vendidas já para os próximos 25 anos, continuam a engordar chorudas contas na Suíça. Referia-se também ao potencial turístico de algumas regiões, que mais não será do que uma miragem se não forem construídas as necessárias infraestruturas.
Falava também dos empresários que nas florestas ou nos campos de diamantes ou petróleo, nos campos de caju ou de algodão, só se preocupam com o lucro oportunista, fruto de um produto destituído de valor acrescentado. Para terminar esta sua ideia, Museveni referiu com um travo de humor negro que para muitos países africanos o objectivo económico é mesmo estagnar. É que quando isso acontece é sinal de que, pelo menos, não se regrediu...
Quanto aos factores exógenos, o líder africano foi mais contundente. Com a confiança de quem está a jogar em casa, começou por dizer que África não precisava de qualquer ajuda financeira do exterior. Perante as bocas abertas e os sorrisos sarcásticos que começavam a surgir na plateia, continuou defendendo que o que o povo africano precisa é simplesmente de igualdade de oportunidades e de tratamento para a colocação de produtos nos mercados internacionais.
Perante uma audiência composta por políticos africanos de um lado, e por funcionários públicos ocidentais do outro, as reacções variaram entre o apoio e a consternação. Reflectindo sobre estas palavras é efectivamente paradoxal que os governos que levantam barreiras contra os produtos produzidos no terceiro mundo, são os mesmos que lhes concedem apoios para desenvolver a sua economia.
Na Assembleia do Banco Mundial e do FMI, que recentemente teve lugar em Washington, foram os EUA que saltaram para cima da mesa com a proposta de se concederem apenas doações aos países mais pobres, acabando com os empréstimos ultra-bonificados. Já o Reino Unido avançou com uma outra solução mais corajosa: a de pagar 10 por cento das dívidas que os países mais pobres do mundo têm para com o BAD e o BM, não sendo ainda claro se o fará imediatamente ou se vai esperar que os demais credores assumam os restantes 90 por cento.
Apesar de admitir que ambas estas propostas podem ter alguma razão de ser, podendo mesmo ser justificadas em alguns casos particulares, seria interessante ver algum líder ocidental a avançar com uma proposta em linha com o que o que foi defendido por Museveni.
Enquanto isso não acontece, fica a sensação de que a generosidade do mundo ocidental não passa de um jogo de bolsos, onde se tira de um para meter noutro.
*Representante Português no Banco Africano de Desenvolvimento