A tragédia do pequeno Samuel aconteceu a 1 de Outubro do ano passado nos arredores de Chimoio, capital da província de Manica. Três indivíduos “deceparam dolorosamente “os seus órgãos genitais. Foi um acto de banditismo aparentemente para efeitos de feitiçaria. Como se trata de uma prática corrente naquele país a polícia não se empenhou nas investigações. E foi preciso a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) entrar em campo para tirar a limpo os contornos macabros desta história.
Três indivíduos confessaram o crime e apontaram o dedo em direcção a um empresário do ramo dos transportes de nome Ricardo Gonçalves. Os autores materiais do crime – que se encontram detidos numa prisão de alta segurança – confessaram durante os interrogatórios ter recebido 120 milhões de meticais (o equivalente a 930 contos) pelo “trabalho”. E deixaram claro que agiram a mando de Ricardo Gonçalves. Apesar da gravidade das acusações o juíz de Instrução de Manica fez orelhas moucas. “ Há insuficiência de provas”, disse ele. É assim que numa primeira fase coloca o arguido sob termo de identidade, e depois concede-lhe a liberdade total.
TEMPOS TRAUMÁTICOS
Desde aquele fatídico dia 1 de Outubro que a vida do pequeno Samuel tem sido um inferno. Os sinais de demência e as dificuldades de socialização passaram a ser o pão nosso de cada dia. “Desde que ficou sem pénis manifesta-se revoltado no seu comportamento com as pessoas e, por vezes, foge de casa para um lugar incerto, regressando apenas quando formos buscá-lo”, desabafou o pai em Fevereiro.
Só depois é que Samuel começou a ver um fio de luz no fundo do túnel. Foi submetido a várias operações em Moçambique, nomeadamente para poder urinar sem dor.”Como estava habituado a fazer chi-chi de pé deitava-se no chão de cada vez que sentia vontade de urinar. Não sabia o que fazer” disse ao CM alguém que acompanhou este processo. Tempos traumáticos que parecem ultrapassados. “Agora está mais comunicativo”, acrescenta a mesma fonte.
CORAGEM, SAMUEL
No passado mês de Abril ,Teresa Nogueira, antiga presidente da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional (AI) desembarcou em Maputo para coordenar uma missão sobre Educação e Direitos Humanos. Ela ainda não sabe mas aquela viagem vai mudar a vida do pequeno Samuel. “A dr. Alice Mabota falou-me no caso e pediu-me se podíamos apoiar na compra de uma prótese em Portugal. Na altura, eles nem sabiam que a reconstituição era possível”, recorda para o Correio da Manhã.
De regresso a Portugal contacta o professor Gentil Martins. “Telefonei-lhe para pedir orientações sobre a pessoa mais indicada para efectuar a operação. Ele respondeu logo que teria todo o gosto em tomar conta do caso” recorda Teresa Nogueira algo emocionada. A boa nova é de imediato comunicada à Liga Moçambicana dos Direitos Humanos que inicia uma campanha de angariação de fundos.
O resto da história é um sopro de esperança - hoje é o primeiro dia do resto da sua vida. Apesar disso, a batalha ainda está longe do fim.”Vai precisar de muito apoio” afirma Teresa Nogueira. Dito isto acrescenta: “Até porque vai estar num ambiente que não é o dele”. Mas o mais complicado poderão ser as consequências a nível psicológico.” É por isso que ele vai ter de ser acompanhado por psiquiatras do Hospital D. Estefânia”. Coragem, Samuel.
GENTIL MARTINS É SINÓNIMO DE PRUDÊNCIA
Gentil Martins, o prestigiado cirurgião pediátrico do Hospital Dona Estefânia, revelou-se um poço de prudência quando foi instado a comentar o processo com vista a reconstituir os órgãos genitais do menino do Chimoio. “Não posso comentar porque ainda nem sequer o observei”, começa por dizer ao Correio da Manhã. Para além disso, Gentil Martins alega que não se deve tornar público “coisas da intimidade do doente” de maneira a evitar que ele “venha a sofrer mais do que já sofreu”.
Por isso mesmo as suas considerações têm um carácter genérico e não se resumem especificamente ao caso do Samuel. De acordo com Gentil Martins a primeira etapa passa obrigatoriamente “pela substituição do que foi decepado por um tubo cutâneo”. Depois é necessário implantar uma prótese “para lhe dar consistência”. O problema é que a prótese tem de levar em consideração “o facto de ele ainda ser uma criança e portanto ainda estar em fase de crescimento”. Resumindo e concluindo:é preciso que a prótese sirva sobretudo “quando ele for maior”.
'NÃO TEMOS MEIOS ECONÓMICOS PARA CUSTEAR ESTE CASO'
O pequeno Samuel vem à procura do Paraíso. Mas sabe que depois do inferno que se seguiu à barbárie de que foi vítima, ainda vai ter de atravessar o purgatório. “As operações serão dolorosas, mas ele vai ter sempre o pai a companhá-lo”, afirma Teresa Nogueira, uma das principais responsáveis pela sua vinda a Portugal.
O menino do Chimoio está preparado para passar uma larga temporada em Lisboa. A sua viagem foi custeada pela Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) que levou a cabo uma campanha de angariação de fundos. Mas, verdade seja dita, a LDH não nada em rios de dinheiro. Nem ela nem a Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, sua parceira nesta iniciativa. “Não temos meios económicos para custear este caso” acrescenta Teresa Nogueira. E conclui: “Vamos precisar da solidariedade do povo português”. É por isso que foi aberta uma conta bancária onde todos, cada um, pode desde já depositar os seus donativos. É o mínimo que pode fazer para dar ao Samuel um futuro melhor. Diferente.
CONTA SOLIDÁRIA
Foi aberta uma conta bancária, em nome da criança (Samuel Jorge Luís), destinada a suportar os custos resultantes da estadia e a recuperação do pequeno Samuel, em Portugal. Só têm acesso à referida conta três membros da secção portuguesa da Amnistia Internacional, sendo que são sempre necessárias duas assinaturas para se proceder a qualquer movimento.
A conta está aberta no Montepio Geral e o NIB é 003600029910004615647
Jorge Araújo
Confira mais aqui
http://www.macua.org/temp/traficoorgaos.html |