Público - Sábado, 20 de Novembro de 2004
Rui do Amaral Leitão
A mediática ex-candidata a primeira dama dos Estados Unidos da América é conhecida como Teresa Heinz Kerry, mas o seu nome de baptismo é Maria Teresa Thierstein Simões Ferreira. Por varonia, a sua ascendência é integralmente portuguesa e, pelo lado materno, os seus antepassados são britânicos que emigraram para a África do Sul, embora a avó materna tenha nascido no Egipto.
Luís Soveral Varella, arquitecto por formação e genealogista de profissão, meteu ombros à pesada tarefa de investigar a ascendência lusa de Teresa Kerry. Encargo espinhoso e de êxito duvidoso, considerando o afastamento físico da visada e o débil relacionamento que impediu a recolha de documentos e informações que são, muitas vezes, o escopo de uma investigação bem sucedida.
Luís Varella pertence a uma plêiade de genealogistas que se começaram a afirmar nos anos 90 do século passado e se caracterizam por conciliarem uma investigação proba e boa técnica de análise e crítica das fontes com a capacidade de formular hipóteses assentes no método dedutivo, assumindo com humildade dúvidas e incertezas. O seu primeiro trabalho, "A Família Arêde Soveral", publicado na revista "Raízes & Memórias", foi desde logo indicativo da sua valia como investigador genealógico.
Esta obra assenta na análise de um "case study" com contornos peculiares que o autor conseguiu aprofundar através de uma boa manipulação de assentos paroquiais, livros das chancelarias reais, habilitações para a Ordem de Cristo e Santo Ofício, etc., com volumosa recolha de informação correctamente articulada e organizada.
Os ancestrais de Teresa Kerry são oriundos de dois territórios, a região de Besteiros e o eixo Águeda, Albergaria-a-Velha, nas proximidades do rio Vouga. Entre eles, o maciço belo e imponente da serra do Caramulo, cujo perfil agreste e vetusto não foi impeditivo de que, no século XVIII, dois dos seus habitantes se unissem pelos laços do matrimónio, dando origem a uma família, mais tarde emigrada para Moçambique, onde nasceu a hoje mulher do senador democrata John Kerry.
Curiosamente, este estudo vem confirmar algumas teses que no domínio da sociologia histórica se começam a impor e que grande número de historiadores rejeitam por preconceito ideológico.
De facto, verifica-se que Teresa Kerry descende de antepassados com estatutos muito distintos, uns oficiais mecânicos, outros proprietários rurais abastados, outros ainda senhores de casa ligados à fidalguia ancestral.
Na verdade, cada vez mais a evidência dos factos legitima a admissão de que no "ancien regime", que era um regime assumidamente estratificado em classes, se verificava grande frequência de casamentos ditos desiguais, permitindo a mobilidade interclassista e determinando uma intensa capilaridade social de base meritocrática, tal como aconteceu no caso em estudo.
Em resumo, uma investigação notável, com todo o acervo de informação enriquecido com árvores de costados que sintetizam os conteúdos e um índice onomástico que facilita a consulta e a pesquisa.
A edição, que é bilingue e apresenta bom recorte gráfico, é da Dislivro Histórica, responsável por algumas das boas obras recentemente editadas no domínio da genealogia e da heráldica.
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