O INICIO DA ÉPOCA BALNEAR
O mês de Novembro trouxe já o calor e a humidade próprios do Verão africano, que nesta parte oriental do continente acontece quando a Europa está em pleno Inverno. As temperaturas ultrapassam já os 30 graus, com mais de 90 por cento no que respeita à humidade. Faltam só as chuvas para complementar o clima tropical desta estação e que são sempre bem vindas, quando moderadas, sobretudo pelos agricultores.
Com esta repentina mudança de temperaturas as pessoas começaram já a afluir às praias, ciosas da frescura da beira mar e dos banhos nas águas tépidas do Indico.
A população de Maputo de menores posses dá preferência à Costa do Sol e aos fins de semana enche literalmente todos os espaços vazios do extenso areal a partir do Bairro do Triunfo. No último domingo verificou-se ali uma afluência fora do vulgar, com a marginal a abarrotar de carros (ligeiros e pesados) super lotados de gente que cantava e dançava alegremente, exibindo cartazes, bandeiras e fotografias em apoio à campanha eleitoral do candidato à presidência da República, Armando Guebuza, que está em curso e cujo acto terá lugar nos dias 1 e 2 de Dezembro próximo.
Os citadinos das camadas mais abastadas também começaram a passar os fins de semana nas praias mais afastadas, onde muitos possuem casa, nomeadamente na Ponta do Ouro, Bilene, Xai-Xai e Tofo, ou mesmo nos diversos Resores e Lodges instalados ao longo da costa, como seja na Ilhas da Inhaca e do arquipélago do Bazaruto, nas praias de Macaneta, Chongoene, Chidenguele, Závora, Jangamo, Guinjata, Baia dos Cocos, Barra, Murrungula, Pomene, Vilanculos, Inhassoro e outros recantos paradisíacos do Sul do País.
Embalada nesta onda de entusiasmo de início da época balnear, também a família programou uns dias na praia de Xai-Xai, aquela que em tempos fora rotulada de rainha das praias de Moçambique e que ainda não perdeu este estatuto. Esta estadia, aliás, sucedeu e repetir-se-á porque a filha tem ali casa alugada devido à sua actual situação profissional com actividade na cidade de Xai-Xai, sede da província de Gaza.
Sem esconder o meu fraco pela praia do Tofo (aquela onde as areias chiam), mais a norte na província de Inhambane, não deixo de me render às belezas da praia do Xai-Xai e às suas extraordinárias condições de segurança, sobretudo para as crianças que ali podem banhar-se em águas baixas, límpidas e calmas, seja qual for o nível das marés. Isto porque uma barreira de rocha coralífera separa as águas revoltas do oceano e amortece as ondas, formando caprichosos lagos que se espraiam ao longo das areias brancas.
Por outro lado, conservo desta praia recordações agradáveis, como foi a lua de mel ali passada no já longínquo ano de 1956 (!!!), altura em que nos instalamos naquele que foi um belíssimo Hotel - o Xai-Xai -, agora um esqueleto de paredes em ruínas. Não obstante este aspecto negativo, os oito maravilhosos dias agora ali passados lembraram esse passado pelo muito de igual e agradável que se continua a desfrutar neste local de eleição: a boa lagosta, as ostras e o peixe sempre frescos, de sabores genuínos e puros que diariamente os pescadores nos vendem à porta de casa, são um privilégio dos deuses que simples mortais como nós, habituados nos últimos quinze anos a comer peixe congelado de sabor a palha, conseguem aqui degustar em quantidades apreciáveis e a preços baixos (lagosta a 80.000 meticais o Kg – cerca de 3,50 €) !
Para além das muitas horas de descontracção passadas na água, nos passeios pelas areias macias e sob o guarda-sol, lendo ou simplesmente meditando, esta estadia proporcionou-me ainda alguns momentos emotivos na pesca à cana, que sempre pratico quando me encontro nestas paragens e que teve o seu ponto alto com uma garoupa de cerca de dois quilos, fisgada no célebre fundão das rochas da praia Velha.
À parte os dois mamarrachos dos esqueletos do referido Hotel Xai-Xai e do edifício da ex-colónia de férias da Mocidade Portuguesa, que são as duas manchas negras a sujar esta bela praia e nos trazem a má recordação dos anos de guerra que conduziram ao estado degradante destas duas importantes construções, as restantes casas foram mantidas e até melhoradas e muitas outras construídas de novo, fazendo desta estância um excelente local não só para veraneio como de residência permanente de muitos funcionários do Estado e de Empresas com sede na capital – cidade de Xai-Xai. Residem aqui, também, alguns representantes e técnicos de organizações estrangeiras que cooperam no desenvolvimento do distrito de Gaza, incluindo-se nestas a Cooperação Portuguesa que participa activamente na área da saúde rural.
Os turistas encontram nesta praia razoáveis condições de instalação, como seja um Hotel - o Haley - e um Parque da Campismo municipal (recém melhorado), assim como alguns restaurantes e esplanadas viradas ao mar. Há também alguns serviços públicos, como correios, telefones, polícia, escola primária, posto de saúde e serviços municipalizados de água e luz. As redes de telemóveis (duas) têm cobertura garantida, aliás uma melhoria recente que abrange também as principais cidades, vilas e praias do país.
A viagem de Maputo para o Xai-Xai (cidade), de 225 Kms, mais 15 Kms até à praia, faz-se em pouco mais de três horas. A estrada está em boas condições, à excepção do percurso de 50 Kms entre a localidade da Macia e a povoação de Chicumbane. Contudo, estão em curso obras de restauro e alargamento de todo o trajecto, bem visíveis já em alguns troços, nomeadamente ao longo dos 9 Kms do vale do rio Limpopo, entre Chicumbane e a ponte deste rio junto da cidade, onde foi concluída recentemente uma grande obra de hidráulica na sequência dos elevados danos ali causados pelas grandes cheias de Fevereiro do ano 2000. O excelente piso deste percurso, construído sobre um aterro com cerca de três metros de altura e dotado de 14 pontes, é considerado pelos responsáveis do projecto como a solução definitiva para o trânsito rodoviário neste ponto crucial do país, que era sempre interrompido pelas cheias cíclicas provocadas pelas enxurradas daquele grande rio.
As viagens pelo interior de Moçambique, mesmo nas regiões de menor interesse paisagístico, são sempre agradáveis mesmo para quem, como nós, conhece o país de lés a lés. Há sempre motivos de interesse, que observados numa óptica ambientalista, consolam a vista. Neste trajecto Maputo/Xai-Xai, pese embora alguma degradação verificada nas matas que nos últimos trinta anos foram objecto de abates indiscriminados por parte dos vendedores de lenha e carvão, existem muitos aspectos positivos e paisagens que nos mantêm sempre atentos ao longo de toda a viagem. Percorridos os primeiros trinta quilómetros, em que a preocupação de quem guia é libertar-se o mais rápido possível do enorme trânsito que entra e sai da cidade, surge a vila de Marracuene (terra onde vivi e casei) e logo nos regalamos com a paisagem que nos fica à direita, onde o rio Incomati serpenteia num vale de acentuado colorido predominantemente verde e um fundo com as dunas da Macaneta num recorte de tons mais escuros, intercalados por clareiras brancas das areias da praia e o oceano ao fundo exibindo o seu imaculado azul marinho. Este belo espectáculo completa-se com um céu límpido a fundir-se no horizonte numa simbiose de tons onde o azul celeste bem combina com o mar e a planície.
Um pouco de monotonia acontece depois deste belo espectáculo, quando a estrada flecte para a esquerda na direcção da vila da Manhiça. É ao longo deste trajecto, de 40 Kms, que passa por povoações secundárias como o Bobole e Muluana, que se nota a grande devastação imposta nas matas, outrora ali bem revestidas de árvores nativas de grande porte. Restam apenas os cajueiros, os canhoeiros e algumas mafurreiras junto das povoações, porque são árvores que fazem parte da economia caseira como fornecedoras de frutos destinados a confecção de bebidas tradicionais muito apreciadas.
A vila da Manhiça é ponto de paragem para um refresco no Bar Laurentino, que habitualmente é frequentado pelos viajantes. Outros bares, lojas e tendas de rua servem quem passa e também a população que é e sempre foi numerosa nesta localidade. O mercado de rua alberga uma autêntica multidão, entre vendedores e compradores, ou simples mirones, que torna difícil e morosa a passagem dos carros nesta vila.
Entre a Manhiça e a Palmeira (20 Kms), a paisagem é já bem diferente. Volta a desfrutar-se a planície do vale do Incomati, embora já sem o mar por fundo.
A Palmeira é outro dos pontos de paragem que muitos escolhem por ter um razoável restaurante e bar, assim como mercado muito bem abastecido de frutas, vegetais e outros artigos de produção local. Tem também bomba de combustíveis, oficinas de apoio mecânico, lojas de comércio e uma fábrica de descasque de arroz que no passado pertenceu ao célebre e popular Inácio de Sousa.
A nossa paragem na Palmeira aconteceu apenas no regresso precisamente para observarmos de perto o que resta da palmeira que há uns meses a trás se partiu. Esta bem conhecida árvore, que deu o nome ao local e que tem uma história de mais de cem anos, está moribunda, com uma parte do tronco ainda agarrada ao solo e dois grandes pedaços estatelados no chão. Isolada e implantada num ponto elevado em relação às planícies adjacentes, esta esguia e alta palmeira serviu, em tempos passados, de referência nos trabalhos geodésicos que levaram à elaboração das cartas topográficas da região. Diz-se também que foi junto da mesma que Mouzinho de Albuquerque acampou com as suas tropas a quando da campanha militar de 1895 que levou à prisão, não muito longe dali, do grande Gungunhana. Esta última asserção fez com que se criasse à volta desta famosa árvore o mito de poderes sobrenaturais, daí que a população local a olhe com cepticismo e respeito e não se aproxime dela, mesmo agora que está praticamente morta.
Continuando para norte, os próximos 55 quilómetros decorrem por terrenos baixos, até Magul, passando pela povoação 3 de Fevereiro onde nos primeiros anos pós independência foi construída uma das maiores aldeias comunais do país. A travessia do vale do Incomáti torna-se particularmente atraente pela beleza dos canaviais (cana de açúcar), a perder de vista, pertencentes ao complexo açucareiro de Xinavane (terra natal da Lurdes, minha mulher), que fica a alguns quilómetros da estrada principal, no sentido de Magude e cujas chaminés fumegantes da fábrica se avistam.
Transposta a ponte sobre o rio Incomati e com a plantação de cana já para trás, a vegetação predominante é a palmeira anã, de onde a população extrai o sumo para confeccionar uma agradável bebida conhecida por sura. E como decorre precisamente a época de extracção desse sumo, encontram-se numerosos vendedores de sura ao longo de todo este percurso.
Ainda neste trajecto, os viajantes, mesmo aqueles que desconhecem a região, são alertados por enormes bandos de patos, gansos, garças e cegonhas, que esvoaçam a baixa altitude. Trata-se da existência, a pouca distância e à esquerda da estrada, de uma das maiores lagoas do sul de Moçambique – a lagoa Chuale - onde existem várias destas espécies migratórias. Este núcleo ecológico desde há muito que é objecto de interesse por parte de ornitologistas nacionais e estrangeiros que o consideram de extrema importância para as mesmas espécies, tal como Santa Lúcia, na costa marítima da Africa do Sul e outras lagoas do interior da Tanzânia e Quénia, por serem locais de nidificação e fazerem parte da rota destas aves entre os continentes africano e europeu.
Pouco antes de se atingir a povoação de Magul, a estrada abandona os terrenos baixos das planícies do vale do Incomati e sobe alguns metros onde se inicia um tipo totalmente diferente de vegetação. Começam a aparecer algumas espécies nativas de porte considerável, misturadas com as nossas bem conhecidas mangueiras, cajueiros, mafurreiras, canhoeiros e coqueiros. De entre aquelas destacam-se as bonitas acácias umbrela com as suas copas a dominar a vegetação mais baixa, como são as massalas e macuácuas, também presentes, entre outras espécies. Mais raras mas também presentes, as chanfutas aparecem aqui e ali sob a forma de pequenas árvores, inferindo-se daqui que as de maior porte foram todas cortadas por se tratar de boa madeira.
O bonito aspecto da mata nativa ao longo do trajecto, de 70 Kms, entre Magul e Chicumbane, está já a sofrer grandes mutações provocadas pelas populações, que derrubam indiscriminadamente as árvores mais significativas para obtenção de carvão e lenha e, também, para fazerem as suas machambas. A continuar este ritmo de abates, que se avalia pela grande quantidade de sacos de carvão e pilhas de lenha expostos ao longo do trajecto, para venda, antevê-se, para breve, um destino idêntico à situação descrita para o trajecto Marracuene/Manhiça. É pena que assim seja, pois já existem leis de conservação e maneio das florestas, em Moçambique, que a serem executadas poder-se-ia salvar o rico património florestal desta e outras regiões ameaçadas de se tornarem zonas desertificadas e, consequentemente, perdidas para a própria agricultura devido à inevitável erosão dos terrenos pelas chuvas.
Entre Magul e Chicumbane, passamos por diversas povoações, destacando-se a Vila da Macia, situada no cruzamento das estradas que seguem para a praia do Bilene, à direita, e para o Chókwe (antiga vila Trigo de Morais), à esquerda. Aqui é outro local de paragem, por dispor de alguns estabelecimentos, bares e restaurantes, assim como de um mercado de rua bem abastecido de frutas e legumes. É também na Macia que se vende o melhor caju caseiro e nós aproveitamos para um abastecimento razoável deste produto, assim como de bananas, papaias, batata doce, pimentos, tomate, cebola, mandioca fresca, anonas e, até, de piripiri “sacana” já que no Xai-Xai todos estes produtos são consideravelmente mais caros.
Incaia, Chimondzo, Chissano, Chipenhe e uma nova 3 de Fevereiro, foram as restantes povoação atravessadas até Chicumbane, um percurso algo doloroso devido ao mau estado da estrada, como atrás dissemos. Embora sem o movimento que se verifica na Macia, também estes povoados registam vida própria, com comércio e mercados de rua bem concorridos.
Transposta a planície do vale do rio Limpopo, na belíssima estrada também já descrita, chega-se à cidade do Xai-Xai depois de atravessarmos a ponte sobre este mesmo rio. Deparamos com uma cidade em transformação radical no aspecto das suas ruas e avenidas, totalmente restauradas ou em vias de o ser face ao elevado número de máquinas em constante movimento. Também muitas das suas casas, que as grandes cheias de Fevereiro de 2000 danificaram, foram ou estão já em vias de completo restauro. Trata-se de um avultado empreendimento que em boa parte vem do apoio internacional e que esta bonita e hospitaleira cidade bem merece.
Ponto obrigatório de paragem para quem viaja entre o norte e sul do país, a cidade de Xai-Xai traz-nos recordações de algumas das fases da nossa vida profissional em Moçambique, quando por aqui passamos no exercício dessas actividades. A primeira vez que ali aportei foi no ano de 1954, seguia então para Inhambane a bordo do navio costeiro que ostentava o nome desta mesma cidade - Xai-Xai. Não existia ainda a ponte sobre o rio (a travessia do rio era feita de batelão) e os barcos navegavam com a maré cheia, rio adentro, até aportarem junto de uma tosca ponte-cais, ali perto da estação dos caminhos de ferro. A segunda aconteceu, pouco tempo depois, vindo de Inhambane a caminho do Pafúri, de comboio tomado em Manjacaze, após ligação em autocarro a partir do fim do ramal ferroviário Inhambane/Inharrime. A partir desse ano foram muitas as passagens por esta cidade e, tenho que confessar, nunca me demorei aqui devido à insalubridade desta terra. Contudo, a praia atraiu-me desde sempre e por isso mesmo a escolhi para passar a lua de mel. Ainda hoje estou apaixonado por ela!
O troço de estrada entre a cidade e a praia decorre, nos primeiros cinco quilómetros, pela estrada nacional que segue para norte e depois por um ramal de dez quilómetros, à direita, que serpenteia ao longo de elevadas dunas (as maiores de toda a costa moçambicana) salpicadas de palhotas e que termina numa rotunda no início da vila, local elevado a partir do qual se desfruta uma vista deslumbrante, com o casario bem arrumado segundo a topografia irregular da área que precede a praia e o Indico como pano de fundo!
Maputo, 15 de Novembro de 2004
Celestino (Marrabenta)
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