Moçambique foi elogiado como um exemplo em África, mas essa paz custou muito à Renamo, diz o principal candidato da oposição às presidenciais do próximo dia 1 e 2 de Dezembro. "Quando houver alternância, haverá democracia".
Da nossa enviada Ana Dias Cordeiro, em Maputo
Afonso Dhlakama, 51 anos, concorre pela terceira vez à Presidência da República, como candidato da oposição pela Renamo-União Eleitoral. No gabinete presidencial do partido em Maputo, começa por dizer que a entrevista tem que ser breve. Longe dos assessores e chefes de protocolo, que coordenam a difícil agenda eleitoral, Dhlakama acaba por prolongar a conversa muito além do previsto. Mostra-se confiante na vitória e no veredicto dos observadores sobre a transparência do voto. Em caso de derrota, repensará a sua posição de líder, de acordo com a vontade do partido. Mas vai dizendo: "A Renamo cresceu nas minhas mãos".
O que propõe a Renamo em alternativa ao programa da Frelimo?
A Renamo tem o seu programa de Governo, em oposição à Frelimo que aplica uma política de exclusão social. Todo aquele que não concorda com os ideais da Frelimo é excluído de tudo. A Renamo vai contrariar isto. Prometemos criar um Estado de direito, sem influências partidárias, em que todos os funcionários do Estado servirão o povo e não o partido. E estamos a falar não só para o eleitorado discriminado pela Frelimo das regiões Centro e Norte mas também para o eleitorado do Sul onde esse partido ganha com maioria. Todo o moçambicano está sem esperança. Só os protegidos da Frelimo sentem que Moçambique está bem.
Qual a sua proposta na política externa?
Não queremos assustar ninguém, já estive nos EUA a falar com os funcionários do Fundo Monetário Internacional, de quem precisamos sempre do apoio. Estive com os técnicos do Banco Mundial para lhes garantir que um Governo nosso não irá fomentar a corrupção. No meu Governo, essas coisas ficarão claras. Não podemos desprezar as instituições internacionais. Mais de 65 por cento do Orçamento Geral do Estado depende da ajuda externa.
Se ganhar, tenciona transferir a capital de Maputo para a Beira?
Vai depender da Assembleia da República. O que posso dizer é que alguma coisa terá de ser alterada. Ou Maputo continua como capital política e Beira passa para capital parlamentar. Ou Beira passa para capital mas o Parlamento continua em Maputo, como no sistema sul-africano, a capital é Pretória mas o Parlamento está na Cidade do Cabo. Isto não é pelo facto da Beira ser um bastião da Renamo, mas porque qualquer governo só pode inteirar-se do país em pleno, a partir do Centro. Agora, tudo está concentrado na capital.
Como se sente em Maputo?
Sinto-me muito bem. Apesar da população ter votado maioritariamente a favor da Frelimo, a criminalidade, o crime organizado, com a morte de Carlos Cardoso e de Siba-Siba Macuácua, reforçou a nossa mensagem de que o Governo não consegue proteger a própria capital. Hoje, os intelectuais das universidades e das empresas estão com a Renamo. Uns, com coragem, publicamente. Outros, sem ser publicamente, pois têm receio de represálias. Maputo já não é da Frelimo.
Se perder estas terceiras eleições, será a sua terceira derrota. Decidirá abandonar a liderança?
Se não houver fraude e eu perder, o meu partido decide se eu continuo na liderança. O mais importante é que haja transparência nos resultados. Se eu perder com eleições livres e justas, serei o primeiro a felicitar Armando Guebuza. Mas se me fizerem perder, não irei acalmar as populações, e haverá um barulho muito forte. O país vai dividir-se. Cada província terá a sua autonomia. Ninguém vai fazer guerra, mas as pessoas vão exigir o seu voto. Eu tenho acalmado as populações, mas não continuarei a fazê-lo. A Renamo é um partido muito forte que domina todas as províncias do Centro e Norte, onde os governadores provinciais, nomeados pelo Governo central, não poderão governar.
A Renamo não os deixará governar?
O que digo é que todos os dias faremos manifestações.
Aceitará os resultados se forem validados pela União Europeia (UE)? Ou será a Renamo a determinar se houve irregularidades?
A Renamo não determina nada. A Renamo só apresenta provas se houver fraude. Para fundamentar as nossas reclamações em 1999, pedimos à Frelimo para aceitar uma recontagem dos votos. Eles negaram porque sabiam que tinham perdido. A UE não quer ser cúmplice, como foi cúmplice em 1999. Alguns europeus só assistiram à votação, não esperaram a contagem, cometeram um erro grave. A UE agora vai querer fiscalizar e nunca irá validar estas eleições com fraude.
Se a questão se vier a colocar, há pessoas na Renamo que podem sucedê-lo na liderança?
Com certeza, não é só o Dhlakama, embora eu tenha lutado desde o início. Fui vice-presidente e adjunto-comandante em chefe até 1979, dois anos depois de termos iniciado a luta. Depois passo à presidência e a comandante em chefe. O partido cresceu nas minhas mãos. Mas isso não é justificação. Eu estou disposto a continuar mas o partido pode decidir contar comigo fora da presidência através de um Congresso. Mas eu nunca ficaria longe do partido porque conheço as manobras da Frelimo. Tentou aliciar-me, tentou acabar com este partido. A Renamo precisa de um líder forte. Não há ainda real democracia.
Dez anos depois das primeiras eleições democráticas, não há democracia?
Nunca se trabalhou num espírito de multipartidarismo. Sempre trabalhámos no sentido de nos defendermos dos ataques da Frelimo. Fomos humilhados. Aceitei isso em nome da democracia, em nome da paz. Moçambique foi elogiado como um exemplo em África, mas essa paz custou muito à Renamo. Só quando houver alternância, haverá democracia.
Não vê o gesto de Chissano de renunciar a um terceiro mandato como democrático?
A sua retirada não foi nem voluntária nem estratégica. Mas aconteceu por causa dos escândalos da família, com o caso de Carlos Cardoso, [em que o filho de Chissano é réu no processo autónomo da morte do jornalista]. Chissano queria continuar no poder se não tivesse todos esses problemas. Ele esperava que o partido apoiasse a sua candidatura à liderança. Não aconteceu. Pelo menos assim aparece como um democrata.
Não lhe reconhece nada de positivo?
Ele é que me trata como um inimigo. Eu sempre o tratei como um chefe de Estado. Sempre nos limitámos a falar de política e do compromisso pela paz. Nunca houve um verdadeiro relacionamento. Mas quando eu for Presidente, não vou querer perseguir ninguém. Irei garantir-lhe a segurança.
PÚBLICO - 29.11.2004