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CARLOS F ONTES
As mudanças políticas em Moçambique, a partir de 1992, carecem ainda de uma discussão alargada que permita dissipar muitos equívocos. Que modelo de Democracia se está a construir em Moçambique?
Uma Democracia de tipo Ocidental? Ou uma Democracia Africana? Esta faz algum sentido?
A ideia que predomina é que existe apenas uma única forma de democracia autêntica, a de tipo Ocidental. Um sistema político assente em instituições representativas (Parlamento, Governo, Autarquias, etc), baseado num conjunto de princípios básicos, tais como: a) separação de poderes entre o legislativo e o executivo; b) a livre escolha com intervalos regulares dentre dois ou mais partidos dos governantes para os diversos órgãos de poder. Este conceito de Democracia, implica que a sociedade seja baseada no domínio da Lei; garanta a todos os cidadãos a liberdade de expressão, reunião e associação dos cidadãos, e seja por último, garanta a sua protecção contra a interferência arbitrária das autoridades.
As outras formas, em geral denominadas “democracias africanas”, “democracias árabes”, “Democracias da latino-americanas”, etc., não passam agora de pseudo-democracias. Para já não falar daquelas que num passado recente se afirmavam também como as mais autênticas das democracias, as “democracias populares” como as que existiam na (ex-União Soviética, Ex. RDA, etc).
Estas estão de tal modo desacreditadas, que ninguém tem dúvida que nas mesmas não se respeitavam os princípios básicos de uma democracia, e os pressupostos de uma sociedade democrática, tais como a existência de partidos políticos, a liberdade de expressão, reunião e associação, etc. etc.
Muitos africanos, começam a acreditar que os regimes democráticos, de tipo ocidental são os únicos que podem garantir o progresso a todos os povos, independentemente do lugar, cultura e passado histórico. A questão não é todavia pacífica, dado que muitos outros afirmam também que a Democracia tipo Ocidental é um erro em África.
Na verdade, estes últimos negam esta possibilidade, por consideram que o continente africano possui especifícidades que se coadunam mal com os regimes democratas de tipo ocidental.
Apresentam em geral dois tipos de argumentos:
a) A democracia é um produto da cultura Ocidental e só funcionam em sociedades ocidentais ou completamente ocidentalizadas. Os regimes democráticos pressupõe uma concepção de indivíduo, um ruptura com a tradição e os laços tribais, que levou séculos e séculos a estabelecer-se no Ocidente. O Conceito de Estado, Cidadão e Cidadania é o resultado de um processo histórico
que destruiu todas as formas de cultura locais e dependências familiares ou grupais que se lhe opunham (aboliu as Tribos).
b) A exportação deste modelo de organização da sociedade, para outros lugares e outras culturas, como África, seria um crime, na medida que implicaria a destruição da especificidade do Ser Africano: a sua ligação à família, à tribo e às tradições locais. Implicaria a anulação ou secundarização das culturas africanas. Esta seria a razão, porque os africanos têm, em geral, dificuldade em assumir-se como cidadãos de pleno direito, pois só se conseguem reconhecer como membros de uma tribo. Daí também a razão porque aqui as Tradições se sobrepõem com facilidade às Leis do Estado, e este é visto frequentemente como uma entidade longínqua e demasiado abstracta para ser levado a sério.
Face a estas especificidades, os que defendem as tais “Democracias Africanas”, acabam por propor um tipo de democracia que de democracia só tem o nome. Em geral, como sabemos não passam de regimes onde falta o mais elementar para poderem ser considerados democracias, como uma efectiva participação dos cidadãos na vida do país, nomeadamente na eleição dos seus governantes.
É claro que existem certas especificidades em África, mas estas não são impeditivas da instauração de um regime democrático. Julgo que se tratam sobretudo de dificuldades resultantes da penúria em que vive a maior parte da população.
O que falta também em África é toda uma tradição de crítica da sociedade e dos seus governantes, de forma a criar uma atitude aberta e esclarecida das questões e que impeça que os africanos se deixam enganar com tanta facilidade por dirigentes incompetentes e corruptos.
In Imigrantes – IMPARCIAL – 20.12.2004