Texto publicado na net de Armando Nenane (Jornalista) - 02.12.2004
Analistas em assuntos eleitorais sempre consideraram as razões dos elevadíssimos e surpreendentes níveis de abstenção nas eleições autárquicas e gerais moçambicanas como sendo matéria para intenso debate. É mesmo matéria para análise sociológica, sobretudo quando se tem em conta que votar não significa
necessariamente escolher um dos candidatos às presidenciais e legislativas. Existe, sabe-se, toda a liberdade para que o eleitor introduza o boletim de voto, sem, contudo, ter usado a esferográfica. Ou seja, votar em branco.
Parece claro que as pessoas se recusaram activamente a votar nas eleições presidenciais e legislativas que ontem terminaram. Nem mesmo com os apelos que
reporteres das nossas rádios e televisões públicas serviram para atrair os eleitores.
É estranho que nesses dias, oficialmente decretados feriados, os citadinos tenham desaparecido na capital da cidade. As praias do Costa do Sol e da Miramar bem
como as barracas do Museu, do Bazar do Povo e do Mercado Mandela, aonde as pesssoas gostam de estar em dias de intenso calor, estiveram espantosamente
vazias, tal como ilustram as fotos do nosso colega José Matlhombe.
É a repetição flagrante dos acontecimentos que se registaram nas eleições autárquicas de 98 e 2003. É a mesma leitura que se faz em comparação às eleições presidenciais e legislativas de 94 e 99.
Nas abstenções registadas nas últims eleições autárquicas, na ordem de 75 por cento, analistas consideraram que a ausência de competição em muitas
zonas deveu-se á falta de compreensão do papel dos novos governos locais, pois, justificava-se, os eleitores identificam-se mais com a figura do Presidente da República e dos deputados parlamentares.
Ao que tudo indica, não tardou para que a tese dos analistas de Novembro do ano passado não se comprovasse, graças aos últimos acontecimentos.
A abertura muito tardia das assembleias de voto em várias zonas do país também teve o seu impacto negativo. Ao se depararem com as assembleias de voto
fechadas, muitas pessoas que, de certa forma, sentiam entusiasmadas para votar, simplesmente foram-se embora e não voltaram mais.
A abstenção é descrita em vários sentidos. Existem os que afirma que foi um acto político consciente: uma rejeição a todos os partidos políticos. Dentro da redação, enquanto acompanhávamos o desenvolvimento dos acontecimentos através da televisão, um dos nossos colegas comentou a abstenção recorrendo a uma
metáfora: quem cala é perigoso.
Nas primeiras eleições autárquicas, analistas interpretaram a abstenção referindo que foi uma utilização sofisticada do processo democrático em que as pessoas votaram "não". Foi, diziam, uma mensagem à elite política moçambicana de que as pessoas retiravam o seu apoio a um processo eleitoral que não lhes trouxera quaisquer benefícios.