O homem que há 25 anos lidera o movimento que foi guerrilha e hoje é oposição começou por servir nas forças portuguesas durante a guerra colonial.A primeira vez que concorreu à Presidência, tinha 41 anos. Este ano, com 51 anos, uma terceira derrota porá em causa o seu futuro político.
É raro encontrar em Maputo um dirigente da Renamo que aceite falar do seu líder, Afonso Dhlakama. Como para quase tudo, precisam de uma autorização do chefe. Dizem que é por uma questão de respeito, e não por falta de autonomia ou receio. Mas as recentes dissensões ou a expulsão de dirigentes, como Raul Domingos (que também disputa estas eleições) alimentam histórias de desconfianças internas.
Os poucos que aceitam falar abertamente do "presidente Dhlakama" elogiam a sua coragem como comandante militar e o seu carisma enquanto líder político, mas recusam apontar qualquer traço mais negativo da sua personalidade.
Intocável aos olhos dos seus colaboradores, a figura do "presidente" - 25 anos depois de ter assumido a liderança - confunde-se com a própria imagem do partido.
É-lhe reconhecido o mérito de ter compreendido que a sua sobrevivência passava pela transformação de comandante militar em líder político, ao contrário de Jonas Savimbi, líder da UNITA em Angola. Aceitou desmobilizar as forças da Renamo, mantendo uma guarda presidencial, em troca da garantia de poder concorrer em pé de igualdade com a Frelimo em eleições livres. Hoje concorre pela terceira vez à Presidência da República de Moçambique.
Afonso Macacho Marceta Dhlakama é o primeiro de sete filhos do régulo Macacho Dhlakama, do povo ndau, de Magunde, na província central de Sofala. Nasceu em 1953. Frequentou a escola na Missão Católica de São Francisco de Assis de Chibabava, na mesma província. Concluiu os estudos secundários e trabalhou como professor, antes de ser chamado pela administração colonial portuguesa a servir como militar na guerra colonial. É casado e pai de cinco filhos.
Depois de ter combatido nas fileiras das tropas portuguesas, aderiu em 1975 à Frelimo, onde se manteve até Junho de 1977. Quando se juntou aos oficiais que fundaram o Movimento Nacional de Resistência (MNR, hoje Renamo), assumiu de imediato o cargo de vice-comandante. O movimento iniciou, na clandestinidade, a "Segunda Guerra de Libertação" contra "a violação das mais básicas liberdades democráticas e contra a recusa da Frelimo em realizar eleições". Dhlakama passa a comandante e presidente da Renamo, em 1979, quando o comandante André Matsangaíssa morre em combate.
Tinha então 26 anos. A partir do quartel-general na Gorongosa, estendeu a actividade a grande parte do território nacional, chegando a controlar importantes zonas do Centro e Norte de Moçambique.
A sua oposição ao regime encontra eco no descontentamento das populações do Centro e Norte, excluídas pelo poder central da Frelimo, no Sul.
Formada e apoiada pela Rodésia (actual Zimbabwe) e mais tarde pela África do Sul, a Renamo demonstra ser mais do que um instrumento de política externa no contexto da guerra fria.
O historiador francês Michel Cahen, autor do livro sobre a Renamo "Les Bandits", defende que mesmo sem a Rodésia e a África do Sul, a Renamo teria existido "enquanto demonstração de uma crise social". A diferença, considera Cahen, é que não teria havido guerra, sem o apoio internacional.
Hoje, como nessa altura, a Renamo bate-se pela ideia de que "Moçambique não é a Frelimo". Nos comícios eleitorais, Dhlakama mobiliza as massas com ataques contra os poderosos da Frelimo, que acusa de corruptos e assassinos. O partido de centro-direita, conservador populista, promete devolver a dignidade ao povo moçambicano e fazer de Moçambique um Estado de direito.
"As pessoas vão agradecer à Frelimo pela independência, mas vão agradecer mais à Renamo porque trouxe a liberdade", diz Vicente Ululu, ex-secretário-geral do partido, e colaborador de Dhlakama.
Não se conhecem alternativas a Dhlakama e o discurso partidário é muito sustentado no culto da personalidade do líder. Os colegas admiram a coragem, a capacidade de ouvir e de tomar decisões do chefe. Há quem realce o "diálogo franco" e o fácil convívio com Dhlakama. "Imaginamo-lo como um guerreiro, com uma escolta, mas na verdade ele não cria qualquer obstáculo a que as pessoas se aproximem dele", costumam dizer.
Em privado, porém, pessoas dentro e fora da Renamo criticam o poder autoritário e o estilo excessivamente centralizado de Dhlakama, acusado de falta de espírito democrático.
Dhlakama disputou a liderança da Renamo em 2001, no IV Congresso do partido, com dois outros candidatos. A imprensa oficial viu nisso uma tentativa de dar uma imagem falsa de democracia interna. Diz-se que será um "ditador" se chegar a Presidente.
A má gestão dos fundos é outra das críticas frequentemente apontadas a Dhlakama, que administra pessoalmente os quatro mil milhões de meticais mensais (150 mil euros) a que a Renamo tem direito como força parlamentar. Mas visivelmente, o partido está depauperado e a campanha eleitoral foi prejudicada pela falta de meios.
A primeira vez que concorreu à Presidência da República de Moçambique tinha 41 anos. Agora, com 51 anos, uma terceira derrota suscitará questões quanto ao seu futuro político. Em caso de uma vitória, terá oportunidade de dar a conhecer mais do que a sua já elogiada faceta de "homem da paz" e inesgotável resistência às "constantes provocações" do partido no poder, a Frelimo, para silenciar a principal força da oposição. A.D.C.
PÚBLICO - 01.12.2004