Por: Barnabé Lucas Nkomo
Segundo se escreve de Tete, nas hostes dos representantes da Frelimo na Comissão Provincial de Eleições (CPE) e no STAE naquela província, o lema no processo eleitoral moçambicano dos dias 1 e 2 de Dezembro foi: “Por Eleições e Vitória Imperativas. Quem não estiver satisfeito que recorra.”
Um dos grandes problemas da nossa democracia é as leis servirem apenas para controlar eventuais excessos daqueles que se opõem ao poder político. Na verdade, as nossas leis não visam controlar o poder político em si ou aos que agem em nome desse poder político. Estamos perante homens que não têm noção do Estado e da modernidade. Estamos perante homens cuja vida está em função da detenção e manutenção do poder político a qualquer preço. E isto custará caro a Moçambique e aos moçambicanos.
Ao publicarmos a nossa carta intitulada “A fraude eleitoral que o mundo observador procura ignorar” na edição do semanário ZAMBEZE da passada quinta-feira dia 16 do corrente mês, sabiamos que estavamos a fazer denúncias graves e os visados não tardariam a vir a público para justificar os seus “erros técnicos” para salvar a imagem de mafiosos que eventualmente a nossa carta poderá ter causado. Assim, a empresa Soluções Lda “veio a público” com uma carta onde não só procura distanciar-se de possíveis acções de ma-fé dos dirigentes do STAE, visando escamotear a verdade sobre estas eleições, como também dar soluções a um mal já consolidado.
Se com a nossa carta na edição do ZAMBEZE acima aludido não fomos à fundo do problema por falta de tempo, desta feita vamos tratar do assunto com a dimensão que merece, pois se a Soluções Lda não estava a par do conteúdo da base de dados concebido pelos homens do STAE (o que é extremamente dificil de acreditar) então os eventuais “criminosos” poderão ser apenas o Sr. António Carrasco e a equipa que ele chefia naqueles serviços. Esperamos que as instituições competentes investiguem com afinco e sem contemplações e tragam soluções convicentes, sob o risco de uma grande parcela de moçambicanos começarem a acreditar que Moçambique é uma brincadeira e que é preciso usar outros meios para que as leis sejam cumpridas.
Compulsando sobre a eventual repetição de dados lançados com “antecedência” no sistema de contagem de votos no último pleito, isto é, os códigos dos cadernos introduzidos para mais tarde receberem automaticamente os resultados da contagem eleitoral a serem introduzidos pelos 50 operadores dos domínios A e B conforme concebido no software apresentado publicamente em Maputo em Novembro último, espanta ao mais leigo dos homens que o sistema não detectasse excessos tendo em conta a dimensão do assunto de que tratava. É difícil de perceber que a eventualidade de “aumento artificial do número de editais e de eleitores” no sistema operativo então instalado não tenha sido detectada com antecedência pela empresa auditora, depois desta ter tido no terreno 8 técnicos, incluindo Administradores de Sistemas e Programadores que, segundo o relatório da Soluções Lda, datado de 26 de Novembro passado, viraram as suas atenções principalmente para as áreas de aplicação tais como:
· Segurança da aplicação das bases de dados;
· Estrutura e desenho das bases de dados;
· Análise de Código da Aplicação, desenvolvimento e alteração de rotinas, principalmente as mais directamente ligadas à segurança e controle de fraude e;
· Desenvolvimento de relatórios e gráficos não incluidos na aplicação inicial.
Ainda segundo o relatório da Soluções Lda, algumas novas funcionalidades nos aspectos de segurança e controle de fraude foram acauteladas:
· Impediu-se o acesso não controlado e ilimitado do Admistrador à base de dados;
· Obrigou-se a que, para ter privilegios de escrita e alteração à base de dados, seja necessária a utilização simultânea dos passwords de 3 diferentes pessoas;
· Etc., etc.
A aparição de números inflacionados nos editais de apuramentos provinciais poderá ter sido a bomba que veio esclarecer toda a cabala montada, pois qualquer sistema computarizado nega por si atribuir um resultado de 20 a soma de parcelas 1+1. Alguém tem que programar o computador para essa incongruência. Ao concluirmos no nosso artigo no ZAMBEZE que o vencedor e o vencido devem estar seguros e convictos da sua condição de ganhador ou perdedor, demos exemplos de Gaza, Nampula e Sofala para ilustrarmos que a propalada vitória foi forjada e não reflete a realidade do terreno. Teremos minimizado a dimensão da vantagem que Guebuza e o seu partido levavam para o pleito quando falamos apenas do que se passou (em termos informáticos) nessas três províncias e não termos focado sobre introduções ilícitas de votos e outros maquiavelismos, como eventualmente minimizam aqueles que acham que 556 000 votos a menos (resultados da fraude, entenda-se) não alterariam o quadro tendo em conta os números conseguidos por aquele candidato e o seu partido a escala nacional.
Mas a questão não é tão simples como isso e nem está nos números de voto que Guebuza e a Frelimo conseguiram licitamente. O problema é saber como é que foram conseguidos os outros, esses 556 000 votos que lhe dão vantagem nas presidenciais e lhe dão conforto nas legislativas.
Se 556 000 votos não alteram nada, não sabemos se os cerca de 1.000.000 (um milhão) de votos que o sistema podia comportar e outros conseguidos por via de intimidação no pleito de 1 e 2 de Dezembro não alterariam alguma coisa. Não sabemos ainda se os dados existentes não seriam suficientes para não validar estas eleições e levar a barra do tribunal os que conceberam o esquema para iludir milhares de almas, se este país fosse um país normal. O que sabemos é apenas que algumas pessoas que se supunha idóneas, dentre as quais mensageiros de Deus e técnicos qualificados, mancomunaram, sem escrúpulos, um esquema visando satisfazer as suas simpatias políticas, iludindo a todos. Esse esquema, consubstanciado na violação dos princípios estabelecidos na própria Lei Eleitoral e nas diversas deliberações da Comissão Nacional de Eleições, pode ser constadato desde o princípio do processo.
Com efeito, de acordo com a Deliberação n° 33/2004 de 2 de Setembro exarada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) e publicada no n°36 da I Série do Boletim da República de Sexta-feira dia 10 de Setembro de 2004, o número de eleitores inscritos nos cadernos de recenceamento para estas eleições estava estabelecido no interior do país em 9.095.185, distribuidos em todo o território nacional por 12.739 Assembeias de Voto. Se adicionarmos estas 12.739 às 60 outras no estrangeiro, teriamos para estas eleições 12.799 Assembleias de Voto.
A aparição de declarações nos medias de números de Assembeias de Votoo que excedem os 13.000, visava por parte dos técnicos do STAE e dos porta-vozes da CNE acomodar as Assembleias fictícias previamente estabelecidas como salvadoras da sua causa, pois doutra maneira nada explica o que veio a acontecer. Segundo as nossas contas (ver coluna 7 do quadro anexo), essas Assembleias de Voto (fantasmas, entenda-se) existem num total de 894 e espalhados por todo o país, o mesmo que dizer que o sistema continha 894 editais falsos previamente preparados, podendo cada um comportar 1000 eleitores, totalizando assim 894.000 votos. Infelizmente, à esses editais (que também podem ser entendidas como Assembleias de Voto) ninguém pode ter acesso para conferí-los uma vez não existirem fisicamente, nem como editais e muito menos como Assembleias de Voto. Tudo indica que foram ilicitamente introduzidos no sistema.
O número de Assembleias de Voto (12.739) no território nacional foi estabelecido pela Deliberação n° 75 da Comissão Nacional de Eleições de 1 de Novembro e foi tornada pública no jornal NOTÍCIAS de 4 de Novembro do corrente ano. As perguntas que qualquer pessoa atenta colocaria são:
· Com que bases o STAE acomoda 894 novas Assembleias chegando às eleições de 1 e 2 de Dezembro com um total de 13.663 Assembleias de Voto no território nacional?
· Onde funcionaram essas Assembleias de Voto, pois a deliberação n° 75/2004 da CNE de 1 de Novembro é tabular quanto ao número de Assembleias autorizadas?
· Que erro técnico é esse que os próprios técnicos da empresa auditora não constataram com antecedência para hoje virem a público procurar remendar nos derradeiros momentos do fim do jogo?
· Que garantias temos nós para acreditar que as descrepâncias criadas, entre o número de editais constante na base de dados e o real, deveu-se a um erro técnico de contagem de editais aquando da transcrição dos cadernos eleitorais para efeitos de constituição de novas assembleias de voto, conforme escreve o DOMINGO de 19 último?
Com efeito, depois da publicação da nossa carta no ZAMBEZE do dia 16 denunciando os males que se estavam cometendo, uma carta da empresa auditora Soluções Lda datada de 8 (?) de Dezembro começou na tarde do mesmo dia a circular. A Soluções Lda, “descobriu” então que há problemas com o sistema e recomendava ao STAE, que se procedesse a verificação manual dos dados introduzidos na contagem provincial dos votos, uma vez que o sistema então instalado nos computadores trazia dados inverídicos! Contudo, esta solução da Soluções Lda não é em todo original. A oposição sempre a defendeu e não foi ouvida. A verificação manual só seria possível se se seguissem os passos estabelecidos na Lei. O artigo 98 da Lei 7/2004 de 17 de Outubro preconiza que a Comissão Provincial de Eleições elabora um mapa resumo de centralização de votos obtidos na totalidade das Assembleias de voto, distrito por distrito, mapa esse que obedece ao constante nos pontos a), b), c) e d) do mesmo artigo. Deliberadamente e numa grosseira violação das normas estabelecidas, sob ordens dos superiores do STAE em Maputo, nenhum director do STAE provincial permitiu a observação da Lei 7/2004 no seu artigo 98. As tentativas dos representantes da oposição nos STAEs provinciais de exigir que se cumprisse o preceituado na Lei eram repelidas com ameaças e intimidações deversas. Mas são esses princípios estabelecidos na Lei que permitiriam que o vencedor e o vencido se convencessem da sua condição, pois feitos os mapas, distrito por distrito, é fácil comparar os códigos dos cadernos e conferir edital por edital os resultados obtidos por cada concorrente. Como esse processo permite descobrir o que é verdadeiro e o que é falso, através dos prints efectuados (distrito por distrito, repete-se), pura e simplesmente violou-se a Lei para salvaguardar os interesses do grupo Frelimo. E essa violação da Lei, foi, regra geral, garantida pela própria polícia de protecção, bastanto para o efeito que o berro de socorro saisse da boca do chefe adstrito aos interesses da Frelimo. Como a maioria dos policias destacados para os locais de votação e processamentos nos STAEs provinciais mal conhecem as leis que dizem defender, confundem essas leis com os caprichos de alguns simpatizantes da Frelimo, bastando que estes gritem que o outro é “confuso” para ser arrastado a coronhadas e bastonadas para fora do recinto onde se processam os dados.
Em Sofala, onde a bronca em torno dos editais falsos quase que atingiu o duelo ombro a ombro entre os representantes da RENAMO UE e Frelimo no STAE provincial, a contagem terminaria com a introdução de apenas 823 editais das presidenciais e 739 das legislativas. Ficaram de fora (por contar) 216 e 300 editais respectivamente, isto é, 516 editais que sairam das mesas de voto por via dos canais do próprio STAE, conforme preconiza a lei, foram hoje rejeitados pelo sistema montado e apelidados de “editais com dificiência”. O que é curioso, é que aqueles editais não foram parar as salas do STAE provincial pela mão dos partidos políticos concorrentes, exigindo que fossem incluidos na contagem. Trata-se de documentos verdadeiros, concebidos pelo próprio STAE que hoje não os aceita como documentos auténticos. É caso para perguntar: Estava ou não o sistema montado saturado por aquilo que já lá existia?
Em Gaza, conseguido que foi o afastamento dos observadores, dos fiscais dos partidos da oposição e dos representantes da RENAMO UE nos orgãos eleitorais da província, a precipitação de carimbar a vitória retumbante foi tanta que acabou-se tornando público um documento final cujos números de votos obtidos por cada concorrente nas presidenciais não confere com o total dos votos validamente expressos. Isso pôs alguns observadores estrangeiros a rirem a bandeiras despregadas, pois também aperceberam-se da falta de seriedade. O senhor José Maria Albuquerque Cossa, presidente da CPE em Gaza e seus apaniguados naqueles serviços, assinaram orgulhosamente aquele documento saído dos computadores com erros de aritmética. Estava feita a vitória, o resto que se lixe!
Que estómago aguenta isto? Onde é que os outros vão encontrar protecção se mesmo recorrendo das decisões unilateralmente tomadas o cenário não muda? Como pensam os dirigentes deste país que os sem-vozes vão se aguentar perante esta violência toda? Acham mesmo que as pessoas sujeitar-se-ão eternamente aos caprichos de algumas pessoas apenas porque têm armas na mão para intimidar e até matar indiscriminadamente?
Nós lançamos um aviso a navegação e quem quiser ouvir que oiça. Este país é um país nornal. Os anormais são os seus dirigentes a quem falta a noção do Estado. Se se pretende que este país sirva de exemplo e seus cidadãos sejam respeitados como homens, é imperativo que a Lei se imponha sobre qualquer interesse individual. Este processo eleitoral foi uma “porcaria” como o intitula um conhecido articulista aqui da praça. Que as autoridades investiguem aquilo que suspeitamos ser crime no STAE central e na Comissão Nacional de Eleições. As pessoas responsáveis por toda esta confusão, desde o Rev. Arão Litsure, passando pelo Sr. António Carrasco e a sua equipe no STAE, indo desaguar no Sr. Carlos Garcia com as suas soluções limitadas. Todos devem ser ouvidos em forúns próprios e tornado público a sua defesa. Que nos convençam com dados seguros de que somos loucos. Que o Conselho Constitucional delibere com ponderação sob o risco de cair no descredito também. Porque se exigirem que alguém recorra; que alguém faça constar na acta a violência que sofreu depois de estar impedido de presenciar os acontecimentos posteriores a sua expulsão, será exigir demais. Será o cúmulo de estupidez institucional. Estamos perante um jogo de vida ou de morte. Se se quer ver no futuro um Moçambique morto, então que se delibere sem pensar a bem dos interesses individuais do presente. Os nossos filhos não terão um país que se chama Moçambique, porque nós próprios o teremos morto. Depois não se diga que não houve avisos, porque neste país há milhares de almas que já não tem espaço no corpo para inchar com um simples chamboco de repressão. Porque inchados muitos já estão. Porque neste país já não há espaço na alma para a morte violenta em combate. Porque mortos muitos já estão.
Um alerta vai para a comunidade observadora estrangeira. Não vai o mundo dizer que não viu o que viu em defesa dos interesses da plutocracia internacional no Moçambique do presente, pois esses interesses neste país morrerão com o Moçambique que as instituições moçambicanas estão matando. Dizemos isto com convicção porque ninguém hipotecará a sua soberania a uns loucos apenas porque têm mais dinheiro do que a maioria. E o povo é soberano. Não brinquemos.
Maputo - 20.12.2004
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 |
Província |
Eleitores Inscritos na I Série do BR 36 de 10 Setembro |
Número de Assembleias de Voto-Del.75 da CNE |
Eleitores Inscritos nos Editais de Apur. Prov. |
Número de Assembleias nos Editais de Apur. Prov. |
Diferenças de números de eleitores inscritos |
Diferencças de números de Ass. De Voto |
Niassa |
453.461 |
724 |
507.183 |
736 |
53.722 |
12 |
Cabo Delgado |
794.270 |
1.391 |
862.712 |
1.404 |
68.442 |
13 |
Nampula |
1.831.867 |
2.285 |
1.845.035 |
2.485 |
13.168 |
200 |
Zambezia |
1.749.121 |
2.370 |
1.969.786 |
2.448 |
220.665 |
78 |
Tete |
660.741 |
916 |
716.474 |
985 |
55.733 |
69 |
Manica |
531.264 |
722 |
549.090 |
828 |
17.826 |
106 |
Sofala |
802.149 |
1.039 |
866.902 |
1.108 |
64.753 |
69 |
Inhambane |
579.356 |
786 |
652.413 |
841 |
73.057 |
55 |
Gaza |
609.214 |
992 |
711.373 |
1.230 |
102.159 |
238 |
Map/Província |
483.493 |
752 |
565.545 |
780 |
82.052 |
28 |
Map/Cidade |
600.249 |
762 |
681.425 |
788 |
81.176 |
26 |
TOTAIS |
9.095.185 |
12.739 |
9.927.938 |
13.633 |
832.753 |
894 |
% |
100 |
100 |
109,16 |
107,02 |
|
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