Com um texto de Fernando Cruz Gomes ( meu amigo e angolano, no Canadá) desejo a todos os amigos do MOÇAMBIQUE PARA TODOS um Santo Natal e um Óptimo 2005.
Que venturas cheguem à nossa África bem-amada, que bem necessitada está delas. Ah! ...e um abraço por me aturarem...
Fernando Gil
Fernando Cruz Gomes
Sol Português
"A VIDA É UMA PEÇA DE TEATRO QUE NÃO PERMITE ENSAIOS.
POR ISSO, CANTE, CHORE, DANCE, RIA E VIVA INTENSAMENTE ANTES QUE
A CORTINA SE FECHE E A PEÇA TERMINE SEM APLAUSOS."
(Charlie Chaplin)
Os anos já voaram. E de tanto frenesi na sua cavalgada, nem sequer nos apercebemos o rumo que tomaram, o sítio onde se esconderam. Triste, mas verdade. O homem novo não nasceu ainda e mesmo que teimemos, todos, em dizer que Cristo nasceu e que dele virá a Luz... a verdade é que nos atolamos nos mesmos ódios e nas mesmas vicissitudes que negam a existência do tal Homem Novo... que ele é.
Pior do que isso é verificar – e nós verificamos – como se pode estar tão crente em Deus-Menino, ao domingo – quiçá mesmo no Natal – e depois, no resto da semana, no resto do ano... sermos todos como que um “cristão invisível”, que abjura de pronto o que aprendeu e atira às malvas o conceito do Natal e da Paz que ele impulsiona.
Triste, de facto, é todas as pessoas – por estas alturas – dizerem (até com palavras bonitas) que crêem em Deus. E, depois, nas acções do dia-a-dia, mostrarem totalmente o contrário.
Se formos por aí, na turba multa das compras de Natal, ajoujando-nos com sacos e mais sacos, gastando em minutos o que ganhámos – ou não ganhámos, o que ainda é pior – num ano bem cheio. Se formos às igrejas e virmos o aparente crer que há em cada um. Se virmos o sorriso bonito de uma criança bonita. Se num hospital virmos o sofrimento deste, daquele e daqueloutro. Se nos embrenharmos no dia-a-dia das coisas inúteis que fazemos.... Se...
E, no entanto, o Natal seria para nos dar um ponto de referência. Daqueles que são perenes. Que nos unem. Que deixa entrar luz em coração onde haja trevas. Que se entrechoca com o vício e com a loucura, com a sandice e com a doença. Nivelando tudo e dando a tudo o bálsamo da tal nota de Paz. O Natal seria, de facto, isso mesmo.
O menino está ali. Frente aos brinquedos que não são dele. Que outros hão-de comprar. E o estar ali é como que um acto de ser. Como quem sorve em segundos o ar que outros levam para casa para sorver em anos. O Menino está ali. E mesmo que a mãe o empurre (“vamos... que se faz tarde..”), ele não consegue despegar-se da montra feita ilusão. Um pouco mais. É preciso um pouco mais. É que há, do outro lado, um menino ainda mais pobre. Com sinais claros de quem não come. Com o olhar triste de quem... talvez nem o afago de mãe tenha.
E o menino vai esperando. De soslaio... olha o outro. Que já o viu também. E que teve, afinal, os mesmos pensamentos. A jeito de uma angústia sadia... os corações de ambos entenderam-se. Entrelaçaram as mãos místicas do sofrimento feito acto de coragem. Semicerraram as pálpebras de uns olhos mortiços e entenderam, afinal, a mensagem que lhes era transmitida. De um ao outro...
E quando a mãe insistiu, o menino-primeiro... disse que não queria brinquedos. Que estava com fome. Que era melhor guardar o dinheiro para um copo de leite talvez com um bolo de arroz... daqueles que fazem as delícias dos meninos ricos. A mãe lá foi. Entendendo (ou não entendendo, que vem a dar no mesmo...) que o seu menino estava, de facto, a viver o seu Natal.
Quando perpassaram um pelo outro, os dois meninos olharam-se. Nada disseram. Seguiram viagem ambos, com quase “escândalo” da mãe que não entendia. E a mãe dele... onde está a mãe dele?!
Sempre sem falar, entraram num café que havia por ali. Pediram leite... pediram pão. A mãe só olhava. Pediram o tal bolo de arroz. E eles, os dois, nem falar... falavam. Entendiam-se sem ser necessário a palavra. Ficaram por ali em amena cavaqueira dos corações. Daquelas que se não ouve e apenas se sente... A vida é, de facto, uma peça de Teatro
Os meninos entenderam-se. A mãe... só havia de entender, quando viu a frase que alguém deixou por ali escrita. E que tinha a assinatura de um tal Charlie Chaplin, que ela conhecera, quando, há muitos anos, o seu proprio marido ainda era vivo. A vida é, de facto, uma peça de Teatro que não permite ensaios. O melhor é por isso cantar, chorar, dançar. É viver intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Mas ela, lá bem no íntimo, já estava a aplaudir a peça do seu filho e do outro...
E eu, tamanhão que já sou... fui um daqueles meninos!