Moçambique - Manifestações podem originar confrontos Carlos Menezes CORREIO DA MANHÃ - 20.12.2004
A Coligação Renamo – União Eleitoral (RUE) – que integra dez partidos da oposição – decidiu que não ocupará os lugares a que tem direito na Assembleia da República de Moçambique porque não vai reconhecer o resultado final das eleições gerais realizadas nos dias 1 e 2 deste mês.Em declarações a partir de Maputo, o presidente da RUE, Afonso Dhlakama, disse ontem ao CM que não aceita o resultado destas eleições e vai impugnar todo o processo eleitoral porque foi “uma fraude aberta”, adiantando que “só pessoa de má-fé que não quer a democracia em Moçambique pode aceitar estes resultados”.
O Parlamento moçambicano será assim constituído unicamente pelos deputados da Frelimo, uma vez que, segundo fonte da Comissão Nacional de Eleições (CNE), “o Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD), de Raul Domingos, não consegue eleger nenhum deputado porque só atingiu cerca de três por cento de votos”. “Para eleger um deputado é preciso atingir cinco por cento de votos”, acrescentou o mesmo informador.
Ainda não foi desta vez que Afonso Dhlakama e a RUE conseguiram vencer as eleições em Moçambique, um facto que poderá pôr em causa o seu futuro político. Nos escrutínios de 1994 e 1999, Dhlakama e a RUE perderam e reclamaram fraude mas acabaram por aceitar os lugares no Parlamento. Mas, desta vez, “nem com os pedidos da comunidade internacional vou aceitar os resultados. Ninguém vem convencer-me para aceitar estes resultados”. “Não podemos estar a reclamar que há fraude e depois aceitamos os resultados e ocupamos os nossos lugares no Parlamento. Temos de ser coerentes com aquilo que dizemos”.
Apesar da derrota, o líder da RUE garantiu que não quer guerra em Moçambique. “Não regresso às armas porque sou um democrata, sou vice-presidente da Internacional Democrata Cristã. Não é com a guerra que isto se resolve”. “Exigimos novas eleições nos distritos onde houve irregularidades, que se dissolva a CNE e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, e se faça um recenseamento de raiz”.
Dhlakama reconhece que a decisão de não ocupar os lugares no Parlamento “vai trazer consequências graves a nível internacional para o país” e, por outro lado, “não se responsabiliza pelas manifestações e confrontos que podem surgir porque o povo sente que está a ser constantemente enganado pela Frelimo”.
O Centro Carter e a Missão de Observadores da União Europeia devem fazer hoje uma declaração oficial sobre as eleições.
PERFIL
O homem que há 25 anos lidera o movimento que foi guerrilha e hoje é oposição começou por servir nas forças portuguesas durante a guerra colonial. Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu há 51 anos. É casado e pai de cinco filhos.
Depois de ter combatido nas fileiras das tropas portuguesas, aderiu em 1975 à Frelimo, onde se manteve até Junho de 1977. Aderiu depois ao Movimento Nacional de Resistência (hoje Renamo) e passou a comandante e presidente da Renamo em 1979. Derrota nestas eleições pode ser o seu fim político.
RESULTADOS FINAIS NA TERÇA-FEIRA
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) apresenta amanhã os resultados do apuramento global das terceiras eleições gerais multipartidárias em Moçambique, cujo prazo estabelecido por lei expirou sexta-feira, garantiu ontem ao nosso jornal o porta-voz da CNE, Filipe Mandlate. “Até porque amanhã [hoje] poderíamos divulgar os resultados mas como ainda hoje [ontem] temos uma reunião na CNE, estou mais certo que na terça-feira [amanhã] a contagem final será conhecida”. Colocado perante a decisão de Afonso Dhlakama de “impugnar as eleições por causa de fraudes”, Mandlate não deu grande importância ao facto porque “não recebemos nenhuma queixa sobre esta questão”.
O porta-voz da CNE desmente todas as acusações de Dhlakama dizendo que “não é verdade que houve fraude”. Acusa ainda Dhlakama de ter ordenado os seus fiscais para “não assinarem os editais e as actas para depois vir dizer que houve fraude. Ele perdeu as eleições porque não trabalhou para conseguir vencê-las”. Sobre o boicote ao Parlamento, Mandlate não acredita que isto possa ocorrer porque “ele acaba por aceitar, como já aconteceu”.