Nasceu em Angola, onde poderia ter sido ministro. Mas não foi, Segadães Tavares fez-se engenheiro no nosso País onde construiu desde o CCB até ao aeroporto do Funchal. Alguma satisfação e “tranquilidade” são as palavras que António Segadães Tavares utiliza para explicar como se sentiu ao ser homenageado com o Prémio Internacional de Engenharia de Estruturas. O motivo? A ampliação do Aeroporto de Santa Catarina, no Funchal.
Mas antes, muito antes de Segadães Tavares ter sido distinguido com esta espécie de Nobel da Engenharia já o projecto de ampliação tinha arrecadado o Prémio Secil de Engenharia 2001. E foi ainda distinguido pela Ordem dos Engenheiros como uma das 100 maiores obras portuguesas do século XX.
António Segadães Madeira Tavares nasceu há 59 anos, no dia de São Franciso Xavier (3 de Dezembro) no Leste de Angola. O pai, homem dos mil ofícios, tinha várias casas de comércio. “Ele investia em empresas, gostava de caçar, cantar, cozinhar, nunca estava parado!”, comenta.
A vontade de ser engenheiro nasceu em criança: “Sempre gostei de montar e desmontar brinquedos de metal e de madeira e de construir prédios, pontes e linhas ferroviárias”, recorda. Foi essa vontade de estudar e triunfar que o conduziu primeiro à cidade angolana de Nova Lisboa, onde terminou o liceu, e depois a Portugal.
“Tinha 16 anos quando embarquei para Portugal no ‘Príncipe Perfeito’ que efectuava as primeiras viagens a África. Cheguei a 5 ou a 6 de Outubro de 1961”, conta.
Aos 16 anos e habituado a um meio pequeno e caloroso como o de Angola de então, António Segadães Tavares – que se instalou em Lisboa em casa de amigos da família – de início não se adaptou. Lisboa parecia grande. Demasiado grande.
“O ambiente em Lisboa a nível social, cultural e de espaços não tinha nada a ver com o Leste ou com Nova Lisboa. Mas depois, acabei por me adaptar”, diz. Uns meses depois, no início de 1962, o rapaz envolveu-se na crise académica: “Aderi plenamente às movimentações estudantis. Frequentava com assiduidade a Casa dos Estudantes do Império no cruzamento da Duque D’Ávila com a Dona Estefânia”. E nas suas recordações de adolescente, vai mais longe: “Em 1962 participei em plenários por onde passaram personalidades como Eurico Figueiredo e Jorge Sampaio...”.
Ao fim de uns meses e com o chumbo no Instituto Superior Técnico em Engenharia Electrónica garantido, teve de acatar as ordens do pai. “Ele dizia que para chumbar já bastava o meu meio-irmão mais velho. Esteve a estudar no Porto e teve 18 matrículas...”. E foi então que António decidiu estudar em Coimbra onde residiam todos os seus amigos que com ele vieram de Angola.
SAUDADES DE ANGOLA
Parte do curso foi feito na cidade dos estudantes e a restante na Faculdade de Engenharia do Porto: “Deslumbrei-me com os cálculos e com a energia dos corpos e dediquei-me de corpo e alma à Engenharia Civil”.
As saudades de Angola apertavam mas Segadães Tavares apostou nos estudos e mudou-se para Lisboa onde tirou uma especialização e deu aulas. Entretanto casou com Maria José (da qual está divorciado), uma jovem estudante de Farmácia que por acaso nasceu em Portugal mas que viveu sempre em Angola, até à altura de ingressar no ensino superior:
“Ela era a irmã mais nova de um amigo com quem estudei em Nova Lisboa, mas curiosamente, só a conheci em Coimbra.”
Do casamento nasceram duas crianças: João Filipe em 1971 e Alexandra em 1972. Um ano depois do nascimento da sua filha, e a caminho dos 30 anos, Segadães Tavares é chamado a cumprir Serviço Militar Obrigatório:
“Destacaram-me para a Força Aérea e enviado para Moçambique. No 25 de Abril de 1974 estava lá e fui a Angola tranquilizar os meus pais. Naquela época, era um optimista, acreditava que Angola ia ser um grande país...”
Regressou a Portugal no dia 28 de Setembro de 1974, “uma coincidência...” No final desse ano, contra ventos e marés rumou novamente a Angola na companhia do filho mais velho. O objectivo era dar aulas na Universidade de Luanda: “Parece estranho, toda a gente a fugir de Angola e eu a mudar-me para lá...”
Mas a estadia foi curta. O clima de violência, a insegurança e o processo de descolonização deixaram-no inseguro. “Percebi claramente que eu tinha futuro naquele país, poderia até ter chegado a ministro no tempo do Agostinho Neto. Mas os meus dois filhos não tinham futuro em Angola”.
Ainda em 1975, no mês de Agosto, Segadães Tavares apanhou um dos maiores sustos da sua vida. Estava em Luanda. O filho de quatro anos ficara na Ganda, ao cuidado dos avós maternos. “Através da rádio amadora soube que estava toda a gente a fugir de lá. Meti-me num avião pequeno, com oito lugares, para resgatar o meu filho. Mas não tinha rumo. Deveria seguir para Benguela ou para Nova Lisboa?”
CASA SAQUEADA
O episódio terminou bem e pai e filho reencontraram-se em segurança. Dois meses depois, António regressa a Lisboa para visitar a família e eis que lhe telefonam a informar que a sua casa de Luanda havia sido saqueada.
“Tinha muitos amigos do MPLA mas não fazia parte do movimento. Participara no inicío da década de 60, quando era estudante, mas afastei-me com a viragem marxista-leninista.”
Sem ligações políticas nem amigos em Luanda e com os seus bens congelados no Leste de Angola, Segadães Tavares decidiu reconstruir a vida em Lisboa com a família. “Para quê voltar? Nem conseguia fazer transferências bancárias nas zonas ocupadas pela UNITA. Não havia maneira do dinheiro chegar. Não valia a pena regressar.”
Portugal estava mergulhado numa profunda instabilidade em 1975 e 1976 e o engenheiro sentiu-a na pele: “Tinha passaporte e nacionalidade portugueses, mas viam-me como um intruso. Um dia roubaram-me o carro e na esquadra onde fiz queixa obrigaram-me a mostrar o papel de opção da nacionalidade. Tinha de ser angolano ou português, mas quando me chamaram para a tropa ninguém se lembrou disso...”
Mais tarde, percebeu que, para ingressar na carreira da docência, teria que renunciar à nacionalidade angolana. Desistiu. “Penso que sempre me consideraram um português de segunda. Em Angola tinha menos direitos que os meninos brancos nascidos em Portugal e aqui era quase obrigado a renunciar às minhas origens. Essa lei era racista e visava apenas impedir que os negros entrassem no País...”
Em Janeiro de 1976 abraçou em definitivo a carreira de engenheiro civil. Passou pela Teixeira Duarte, criou uma empresa com ex-alunos e, finalmente, em 1986, a Segadães Tavares e Associados.
É a esta empresa – e em particular a este homem – que se devem feitos em Lisboa como o Centro Cultural de Belém, o Centro Comercial Vasco da Gama, a Pala do Pavilhão de Portugal no Parque das Nações, ou o Viaduto da Alameda no Porto.
DOTES CULINÁRIOS
“Gosto muito de cozinhar para os amigos”, conta, divertido, António Segadães Tavares. “Claro que cozinhar só para mim é um terror! Se tiver que ser opto por uma refeição ligeira: pão caseiro, presunto, queijo e uma garrafa de vinho tinto.”
Para este engenheiro, os prazeres da culinária foram transmitidos pelo seu pai, um homem cujo passatempo era confeccionar petiscos. “Tenho saudades de vê-lo a correr pelo Leste de Angola, na caça. Depois, matava-se uma malanca e o ele assava o coração nas brasas com jindungo, o tradicional piri-piri, sal, e azeite. Era delicioso.”
Cresceu a ajudar o pai nos petiscos, e ao longo dos anos António continuou a cozinhar e inventar: “Não sei fazer a mesma receita duas vezes”, diz.
Por isso, não é de estranhar que aos sábados de manhã, Segadães Tavares visite duas bancas no mercado de Alvalade, em Lisboa, onde compra legumes e frutas. “As senhoras já me conhecem, sabem exactamente o que eu quero”, conta.
Curiosamente, não frequenta hipermercados. “Detesto as grandes superficíes comerciais, continuo a apreciar a mercearia ou a charcutaria de bairro. Um supermercado só se for mesmo necessário...”
OS 'FILHOS' PREFERIDOS
“Perguntar quais os meus projectos favoritos é a mesma coisa que perguntar a uma mãe qual o seu filho de eleição”, confessa, bem humorado, o engenheiro António Segadães Tavares,
No entanto, diz que o Viaduto da Alameda (no Porto) ou a Pala do Pavilhão de Portugal (em Lisboa), são obras curiosas: “É engraçado porque eu concebi-as com um objectivo e hoje em dia fazem-se concertos e festas por baixo de ambas. Qualquer dia lembram-se de fazer o mesmo na Madeira...”.
Neste momento, está envolvido em várias obras como a ponte de avanços debaixo do rio Vouga: “Temos um lance construído”. Outro desafio que abraçou foi a construção de uma unidade hospitalar,localizada ao lado do Centro comercial Colombo, em Lisboa: “Difere de todos os outros hospitais porque será o primeiro em Portugal a possuir o isolamento sismíco de base”.
Mas o que traria grande alegria e prazer a este avô de dois netos bebés era conseguir reabilitar o túnel rodoviário do Rossio: “É um projecto aliciante, já foram entregues propostas e estudos mas às vezes as coisas demoram...” |
Sofia Rato |
P.S.: Quantos destes não poderiam estar em Angola, Moçambique, etc.?
Fernando Gil |