Sinais da "guerra fria"
Quinze anos depois da queda do muro de Berlim, o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter confirmou em Maputo que a Guerra Fria continua viva, pelo menos na toponímia da cidade.
A “herança comunista” do ex-regime de partido único da FRELIMO que, a par com toponímia colonial, ainda vigora em ruas da capital de Moçambique não escapou ao olhar do chefe da missão de observadores da organização que tem o seu nome - Centro Carter – e provocou situações irónicas.
Enviado a Moçambique para ajuizar da transparência e legalidade das terceiras eleições multipartidárias na história do país, Carter encontrou-se numa assembleia de voto em Maputo “no cruzamento das avenidas Ho Chi Min e Lenine”, dois líderes comunistas que nunca submeteram os seus regimes a votos. O episódio é descrito no relatório sobre a sua visita de sete a dias a Moçambique, que Jimmy Carter divulgou no sítio oficial da sua organização e que vai para além dos aspectos técnicos e legais das eleições, deixando apontamentos sobre “um dos países mais pobres já visitados”.
«Alguns dos bairros de lata são indescritíveis de pobres e sujos, havendo muitas vezes pequenas barracas construídas sobre enormes montes de lixo. E, ao mesmo tempo, as ruas principais e os espaços abertos estão surpreendentemente livres de lixo», refere o ex-presidente norte-americano.
Num intervalo eleitoral, e ainda na área das avenidas Lenine e Ho Chi Min, Jimmy Carter visitou o Museu Nacional de Arte, onde afirma ter encontrado as marcas de que a Guerra Civil de 16 anos entre os rebeldes da RENAMO e o governo da FRELIMO ainda não foi esquecida.
«Os artistas sem excepção expressaram violência, tortura, sofrimento e conflito e não há uma única face humana que mostre sentimentos de prazer ou mesmo de gentileza», refere, sobre um espólio que inclui obras de Malangatana, Roberto Chichorro, Alberto Chissano, Bertina Lopes e Shikane, entre outros.
Sobre as eleições
Sobre as eleições, o ex-presidente norte-americano reafirma as conclusões e preocupações já manifestadas pelo Centro Carter, num relatório preliminar sobre a votação de 01 e 02 de Dezembro mas vai mais além ao considerar que «apesar de Moçambique ter feito notáveis progressos” no caminho para a democracia “há sérias preocupações” sobre o sistema eleitoral, “com o forte domínio pelo Presidente Chissano». Carter recorda que nas eleições de 1999 não foi garantido aos observadores o acesso ao processo de digitação de votos «durante o qual mais de 500 mil votos foram questionados pela Comissão Nacional de Eleições e invalidados».
«O Supremo Tribunal acabou por rejeitar os protestos veementes da RENAMO e Chissano foi reeleito por uma margem mínima», refere, para considerar que, no actual processo, uma eventual recusa de acesso aos observadores os «impedirá de certificar os resultados como representando o desejo do eleitorado».
«Todas as nossas equipas regressaram a Maputo nos dias 03 e 04 de Dezembro e relataram, sobre um total de 991 assembleias de voto, que, com pequenas excepções, a eleição foi conduzida correctamente.
É óbvio, no entanto, que a Polícia nacional e todo o processo foram fortemente dominados pelo partido no poder” (FRELIMO), acrescenta.
Recordando que os resultados preliminares indicam que a FRELIMO está a caminho da vitória, Jimmy Carter afirma que o desejo de todos os observadores independentes é o de «uma clara margem de vitória que ultrapasse os prejuízos processuais ou erros de contagem».
LUSA E REDACÇÃO – IMPARCIAL – 09.12.2004