A aposta da Frelimo num candidato com um estilo muito diferente do de Joaquim Chissano torna o resultado mais imprevisível do que o habitual. Para uns, Guebuza é o favorito. Para outros, a probabilidade de uma segunda volta beneficiará Dhlakama.
Por que é que estas eleições são importantes?
O voto de hoje assinala o décimo aniversário das primeiras eleições em Moçambique e marca o fim da era Joaquim Chissano que pela primeira vez está fora da disputa em que se mantém o seu tradicional adversário, Afonso Dhlakama.
A haver surpresas, elas estão relacionadas com a estreia de Armando Guebuza, cujo desempenho eleitoral e níveis de popularidade são difíceis de avaliar.
Por isso, não se fazem prognósticos com base em resultados das eleições anteriores. Guebuza não tem o carisma de Chissano, muito importante no confronto com um adversário político - Dhlakama - igualmente capaz de arrastar e cativar populações.
Por isso, mais do que com a sua popularidade pessoal, Guebuza contará com a popularidade do seu partido. O candidato da Frelimo aposta no lema "A Força da Mudança" - para se alhear de tudo o que de negativo sobressai da governação de Chissano. Ao mesmo tempo, joga a carta da continuidade e tenta garantir o apoio histórico ao partido, que valeu duas vitórias legislativas incontestáveis à Frelimo.
O que se joga verdadeiramente no escrutínio?
O segundo aspecto importante nestas eleições é a expectativa de uma alternância, que aumenta em função de estas serem já as terceiras eleições que se disputam em Moçambique. Se tudo ficar na mesma, as interrogações daí resultantes colocar-se-ão com maior acuidade: poderão algum dia Afonso Dhlakama e a Renamo governar o país? Existirá na oposição alguém que seja uma alternativa credível ao partido no poder?
Nestas eleições como nas anteriores, o que realmente interessa é a corrida à Presidência, tendo em conta a Constituição. É na figura do Presidente que estão concentrados todos os poderes.
Quem é o candidato favorito nas presidenciais?
Entre os cinco candidatos presidenciais, apenas dois - Armando Guebuza e Afonso Dhlakama - têm hipótese de chegar à Ponta Vermelha. A questão é saber se qualquer um dos dois está em condições de conseguir mais de 50 por cento dos votos para vencer na primeira volta.
A acontecer, uma segunda volta beneficiará Dhlakama. O mero facto de Guebuza se ver forçado a disputar uma segunda volta seria entendido como humilhante para o partido no poder. Seria a primeira vez: não aconteceu em 1994, quando havia doze candidatos em liça. Em 1999, essa questão não se colocou, pois só havia dois candidatos.
Esse cenário representaria uma simbólica vitória para Dhlakama. O candidato da Renamo partiria para a segunda disputa com clara vantagem. Analistas realçam igualmente a vantagem de numa segunda volta Dhlakama disputar taco a taco a Presidência com um candidato menos carismático, menos conhecido e com mais dez anos que ele - Guebuza tem 61 anos.
Mas para usufruir dessa vantagem, Dhlakama não poderia perder muitos votos a favor de Raul Domingos; ora o candidato do Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento é susceptível de gerar simpatias nas zonas pró-Renamo.
Qual é o partido favorito nas legislativas?
A província de Nampula, maior círculo eleitoral do país, elege 50 dos 250 deputados da Assembleia. Zambézia, segundo maior, elege 49 parlamentares. Ambas são decisivas e ambas foram ganhas pela Renamo nas eleições anteriores. Mas entre 1994 e 1999, a Frelimo reduziu a distância que a separava da Renamo.
Além disso, consciente da importância estratégica destas zonas do Centro e do Norte, o Governo realizou muito trabalho, no último ano.
Se conseguir conquistar mais votos no Centro e Norte, a Frelimo partirá em clara vantagem, já que no Sul tem a certeza de dominar. Nas capitais provinciais do Sul, mesmo os mais descontentes com o partido no poder preferirão abster-se do que transferir o voto para o eterno rival da Frelimo.
Em que zonas se vão decidir os resultados?
As eleições gerais decidem-se nas zonas rurais, mais populosas, e é aí que a Renamo tem mais apoios. Num sistema maioritário, a Renamo ganharia, dizem observadores políticos. No sistema proporcional - que vigora - isso é mais difícil, pois os resultados minoritários contam. E a Frelimo consegue sempre eleger uma minoria de deputados nas zonas da Renamo, enquanto que a Renamo dificilmente conquista assentos nas zonas da Frelimo.
Resultado: Se forem suficientemente expressivas, as minorias da Frelimo no Centro e Norte somadas às esmagadoras maiorias deste partido no Sul garantirão a sua vitória.
Uma alternância seria uma surpresa?
A polémica em torno da contagem dos votos de 1999 suscitou muitas dúvidas sobre a fiabilidade dos resultados que deram a vantagem de quatro pontos percentuais a Chissano (ver caixa). Uma vitória da Renamo ou de Dhlakama não é de excluir. Mas o facto de haver muitos partidos prejudica a Renamo. O eleitorado do Presidente é tendencialmente o eleitorado do partido, dizem os analistas políticos.
A consequência da entrada na corrida do Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD), de uma figura politicamente credível como Raul Domingos, é imprevisível. Pode tirar votos à Frelimo. Mas é mais provável que tire votos à Renamo.
Raul Domingos foi "número dois" de Dhlakama e líder da bancada parlamentar da Renamo, durante muito tempo, antes de ser expulso do partido. É sena, etnia dominante na província de Sofala, podendo vir a recolher a simpatia da população num importante bastião da Renamo (Beira é capital provincial de Sofala).
O mesmo pode acontecer em Manica e Zambézia, onde nas contas da Renamo a vitória está praticamente garantida. Resta a Dhlakama capitalizar a sua habitual vantagem no Centro e Norte, para contrabalançar a previsível hegemonia da Frelimo no Sul.
ANA DIAS CORDEIRO
PÚBLICO, 01 de Dezembro de 2004