A Crónica de Carlos Pinto Coelho
Defendi esta semana, num encontro sobre a cultura e o audiovisual promovido pelo Partido Socialista, cinco ideias de mudança em dois territórios que me são próximos: o serviço público de televisão e a chamada lusofonia. Dessas cinco ideias, uma mereceu particular controvérsia, nos dias seguintes.
Defendi que o presidente da RTP (agora também da RDP) passe a ser designado pelo Parlamento, por maioria qualificada. O presidente e só ele, não os restantes membros da Administração. A escolha de uma equipa que se queira coesa deve pertencer a quem depois responderá por ela. Esse presidente sairia de um punhado de candidatos, avançados pelos partidos, escolhido em função da competência para gerir as delicadas matérias do audiovisual e de um minucioso projecto de acção para quatro anos. A memória dos melhores tempos de gestão da RTP demonstrou ser esse o tempo razoável para a execução de um trabalho consistente.
Defendi que a tutela do serviço público do audiovisual transite, como noutros países da Europa ocidental, para o Ministro da Cultura. Mas um ministro com prestígio junto do primeiro-ministro e dos seus pares. Para que o audiovisual não saísse penalizado pela atávica insensatez com que os governos tratam os orçamentos da Cultura, que em Portugal não chegam sequer a um por cento do OE.
Defendi a transformação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que tão bem tem cumprido apesar das suas limitações, num Conselho Superior para o Audiovisual robusto e equipado de poderes consentâneos com a modernidade.
Defendi que as actuais RTP Internacional e RTP África, dois projectos muito longe do desejável, sejam entregues a uma empresa autónoma de capitais públicos. A exemplo de França, com o sucesso do Canal France Internacional e da TV5 geridos com estrutura e orçamentos próprios, os nossos dois canais de difusão por satélite seriam governados por quem os transformasse em antenas de prestígio para Portugal.
… E essa empresa reportaria a uma Secretaria de Estado da Lusofonia, no âmbito do Ministério da Cultura. Era a minha quinta proposta. Chamei-lhe “ da lusofonia” porque não tenho fantasmas na cabeça, como os franceses com o seu Ministério da Francofonia, mas não é o baptismo que me fascina, antes o propósito e o seu simbolismo. O propósito seria o de aglutinar eficazmente todas as políticas possíveis para afirmar Portugal no mundo. E ali estariam, coordenadas e em sinergia, além dos canais internacionais de televisão e de rádio, o Instituto Camões, as acções culturais do Instituto para a Cooperação e talvez mesmo o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. O simbolismo residia no acolhimento formal da ideia lusófona pelo aparelho do Estado. A utopia ao poder.
Nos dias seguintes vieram reacções e comentários. E percebi então que, das minhas cinco ideias, quatro eram razoavelmente consensuais e uma era razoavelmente pecaminosa: a da Secretaria de Estado. Porque nunca o espírito corporativo das Necessidades aceitaria perder dois dos seus institutos, porque este é o pior momento para tirar os olhos do umbigo e lançar vistas para outros horizontes, porque a Europa é a nossa prioridade unívoca, porque, porque… Mas houve duas frases (pela Internet) que foram particularmente expressivas.
“Língua e Mar temos demais para o que somos neste momento”- escreveu-me uma amiga.
E outro, quando tentei argumentar com a força mobilizadora das utopias, em que creio:
“Tretas, meu caro.”
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