Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
As mudanças do final dos anos 80 apanharam-me nos EUA onde estudava com uma bolsa da Fundação Ford – a primeira depois dos incidentes no Instituto Moçambicano em Dar Es Salaam – com um complemento da herdeira da maionese e do ketchup marca Heinz.
Armando Guebuza era um nome badalado como o novo “testa de ferro” do capitalismo moçambicano e do “black empowerment”. Diziam na altura, tinha apoiado a privatização do “Continental” e mandava bilhetes às instituições de crédito, recomendando “jovens turcos” que se queriam lançar no mundo dos negócios. “Import-Export”, era o que dava à época.
Os americanos, habitualmente sempre por dentro das jogadas, convidam Guebuza aos EUA, que chega a Nova Iorque acompanhado por uma das estrelas do seu ministério, o engenheiro Rui Fonseca. Os Rockefeller e o Afro-American Institute decidiram reunir alguns notáveis para debater África e desenvolvimento num faustoso retiro de fim de semana.
Foi agradável o frente a frente com Guebuza, naquele tempo em que em Maputo ainda era de bom tom falar com as estruturas de pernas levemente afastadas e mãos atrás das costas. Falámos de tudo um pouco. Até da irritação dos americanos em carregar a pasta do chefe.
O rascunho da intervenção sobrou para o escriba e o engenheiro dos caminhos de ferro. Expliquei, bem intencionado, que era importante ser incisivo, fazer pouca retórica e afastar aspectos ideológicos controversos. Guebuza ouviu, fez algumas observações de circunstância e foi descansar. No dia seguinte, consegui identificar na sua intervenção, qualquer coisa como 10% do “draft”.
Passaram 16 anos, mas esta continuar a ser uma das suas imagens de marca.
Por isso se desesperam os que em bicos de pés tentam saber se os seus nomes farão parte do fumo branco que acompanhará a composição da próxima equipa governamental.
Perguntou-se com insistência quem era a “máquina de Guebuza” na campanha eleitoral. Uma pequena equipa, sem estrelas que se procurava encaixar no aparato que o seu partido destacou para cada uma das províncias.
Um dos “ten years” que lhe elogiou as qualidades no Comité Central que não era para decidir o candidato, disse secamente: “este pelo menos não tem filhos que nos envergonham”.
Arguto, reclusivo, espartano, é pouco para definir o novo inquilino da Ponta Vermelha.
Os seus dotes de homem de negócios são uma nebulosa. E também aqui é preciso desdramatizar alguma estória/estórias. Businessman, empresário pode ser bom porque forma boas equipas de trabalho, porque sabe cruzar participações, porque é oportuno a actuar no “spot market”. Em África, mas também na Europa há quem receba participações graciosamente ou por antecipação e com isso se vai fazendo um bom pé de meia. Não tem que nascer em berço de ouro, nem ter frequentado a London School of Economics. Possivelmente, o presidente eleito estava lá no momento certo ... e não desperdiçou oportunidades.
Os que vêm fantasmas no “black empowerment” suspiraram de alívio na famosa “conferência da unidade” do 3 de Fevereiro, mas voltam a roer as unhas agora que é mesmo verdade que o candidato ganhou. Os oportunistas já inventariaram todos os Conselhos de Administração públicos, projectos, bancos, empresas privadas e ong’s onde é possível arranjar cargos apetecíveis em época de vacas magras.
Alinham-se os direitos humanos. Acabou a primavera nas redacções, mas esquecem que o trabalho já está feito. Ao contrário do cacete no Zimbabwe, aqui funciona a estratégia da cenoura: compram-se vontades e o resto, a chantagem exercida com paciência acaba sempre por levar a água ao moinho certo.
Desembainha-se a “Operação Produção”. Mas afinal o país não tinha outro chefe que dirigia e dirigia mesmo ?
Com este desfiar de rosário é óbvio que há medos e não vale a pena dourar a pílula e dizer que vamos entrar no paraíso cor-de-rosa.
Nos primeiros anos da independência, a cartada última quando se argumentava na contra-corrente – e houve isso na informação, na universidade – era “se querem luta, tudo bem, mas não se esqueçam que nós temos as AKM”. No entretanto, outros houve que acharam por bem exprimir os seus argumentos a tiro.
Muito água passou por debaixo da ponte nestes anos todos. Até a guerra já foi há doze anos. Os desafios estão mesmo ao virar da esquina. Há um novo timoneiro para pôr o barco na direcção certa.
Se assim não for, cá estaremos daqui a cinco anos.
SAVANA Maputo 21.01.05