Por: Noé Nhantumbo [email protected]
Ninguém está contra o fluxo de fundos para a África e para a região austral em particular.
Recursos financeiros adicionais são uma necessidade que cataliza o desenvolvimento e traz soluções mais rápidas para os inúmeros problemas.
Contudo, estamos convictos de que um simples fluxo mecânico de fundos não vai resolver os problemas básicos que largos milhões de africanos encaram hoje.
O Plano Marshall que funcionou na Europa após a II Guerra Mundial tinha o pressuposto de uma paz efectiva que em África não temos. Outra condição que existia lá era uma tradição de serviço público governamental mais ou menos fiável. Havia compreensão e prática profunda de que vida pública, o desempenho de funções governamentais não eram viáveis quando em conflicto aberto com os interesses privados.
Em teoria e na realidade os governos europeus implementavam políticas de governação em que os interesses públicos e nacionais eram promovidos e protegidos. A progressão do indivíduo, seu enriquecimento, crescimento do seu status, eram supostos acontecerem no quadro de leis nacionais claras e aplicadas sempre que fosse caso disso.
Como implementar um Plano Marshall nestas condições?
Uma União Africana só pouco diferente da defunta OUA deixa a NEPAD sem dentes nem credibilidade.
Quando quem diz que precisamos de recursos financeiros adicionais é a mesma pessoa que deveria implementar sistemas de governação mais transparentes e não o faz, estamos em presença do quê?
De que recursos financeiros está realmente falando quando o Tesouro Público distribui sem garantias fiáveis milhões de dólares para membros de determinados “clubes”?
Questionar as práticas do Comércio Internacional, medidas proteccionistas dos governos do Norte, manipulação política pelos mesmos para condicionar o acesso dos africanos aos mercados internacionais é legítimo mas insuficiente. Que fazem os africanos quando se encontram no governo e com alguns fundos a sua disposição? Aplicam-nos em programas necessários como prioridade ou correm a equipar escritórios e a adquirir veículos de luxo? Os ministros quando se reúnem devem responder a isto e os Parlamentos africanos devem exigir respostas quanto ao uso indevido de fundos públicos que todo o mundo sabe que é uma realidade. Não proceder deste modo é continuar com um jogo de “gato e rato”.
Pragmatismo, realismo político é o nome e a prática do jogo político. Esperar pela caridade ou pela compreensão e espírito de justiça de Tony Blair ou de seu ministro de finanças vai fazer com que fiquemos reféns de governos com interesses bem definidos e com um horizonte temporal também definido. Vimos o que aconteceu após a eleição de G. W. Bush da primeira vez. Assuntos e decisões que haviam sido tomadas por Clinton foram revogados e abandonados. O Protocolo de Kyoto foi abandonado e o Tribunal Internacional de Justiça não foi ratificado por Bush. Quando Blair deixar a cadeira de Primeiro Ministro o que acontecerá sobre as suas intenções? Não estava ele no Canadá quando os seus pares recusaram o pedido africano de 60 biliões de dólares para o continente?
Será que agora as agendas daqueles países mudaram e vão aceitar nivelar o campo internacional e trazer justiça e democracia para as relações internacionais?
A força exibida pelas nações conquista-se num processo de construção sobre o que elas tem de vantagens competitivas e não com discursos ocos, desfazados e incoerentes. Ninguém vai fazer por nós o que só é nossa obrigação.
Que tipo de concertação política é que os africanos fazem e que resultados é que realmente estão perseguindo?
Internamente, nos países individuais, que políticas é que se praticam?
Que efeitos terá um Plano Marshall num ambiente em que as reformas na justiça tardam ou são continuamente adiadas? Não haverá um firme propósito, de certos sectores de Africa, conluiados com interesses específicos de gente dos países, de que esperamos infantilmente ajuda e salvação, para manter tudo na mesma?
A teorização dos nossos problemas de desenvolvimento continuará a ser matéria de estudo nas Universidades mas os povos tem necessidade de ver resultados das teorias mais consentâneas.
Por vezes dá a impressão ou somos levados a concluir que na realidade, há toda uma conjugação voluntária ou não de esforços para tornar a pobreza dos africanos numa indústria de enriquecimento fácil para alguns.
A NEPAD pode tornar-se no Plano Marshall de África mas há que potenciar a União Africana de instrumentos de acção e recursos. Essa é a tarefa dos governos, das forças políticas e dos africanos em geral. Felizmente já não se pode alegar falta de know-how, incapacidade de análise ou falta de experiência para não concretizar os diversos planos continuamente elaborados.
África pode resolver os seus problemas desde que os seus governos assim o queiram. Não são os recursos financeiros que faltam mas sim uma estratégia implementável e coerente, definida pelos governos e por eles executada. Isso requer que os governantes, as forças políticas em que estão baseados assim o queiram. Não se pode forçar o desenvolvimento. Ele é inteiramente voluntário.
Países pequenos como a Bélgica e outros impõem-se no mundo mesmo com recursos muito limitados, porque capitalizam seus recursos humanos. Êxito na governação depende daquilo que os governantes querem na verdade e de todo o en-quadramento legal e burocrático que conseguirem estabelecer.
Fala-se de sentido de Estado em África mas a cultura do público, da coisa pública que é a sua base não é promovida. Uma coisa não acontece sem a outra. Os bem intencionados são necessários mas África clama por aplicação de políticas mínimas de boa governação.
Com impunidade judicial, cultura de manipulação política, falta de transparência, ausência de separação dos poderes, jamais haverá credibilidade, autoridade política ou Plano Marshall que se concretize.
Afinal de contas, as cifras e visões de Blair/Brown aproximam-se das que foram avançadas pelos líderes africanos na última reunião dos G8 no Canadá há alguns anos atrás. O que de facto aconteceu foi que isso foi chumbado.
O AUTARCA - 24.01.2005