Linha d'água:
Interrogo-me muitas vezes porque é que a História, em Moçambique e pelas mesmas pessoas, tem sido rescrita ou mudada de cariz sempre que se muda de timoneiro da nação, onde este é sempre preponderante em tudo o que aconteceu no passado. Vem isto a propósito do que li em dois artigos consecutivos no jornal ZAMBEZE e subscritos por Lina Magaia sobre as actividades do Centro Associativo dos Negros de Moçambique.
Em trinta anos de Independência de Moçambique, ouvi tanta coisa desencontrada sobre o Centro Associativo dos Negros de Moçambique que não seria descabido pedir aos protagonistas sobrevivos (e são ainda muitos, felizmente), e até como um “imperativo nacional”, que se encontrem, discutam e nos digam, olhos nos olhos, quem foi quem naquela importante fase da nossa História.
O meu falecido pai abordou, algumas vezes e socorrendo-se com fotos e documentos, sobre aquilo que a nossa escritora escreve a respeito daquela agremiação negrófila, não encontrando eu muitas concordâncias com o que me é dado a ler agora nos artigos acima referidos. Tive também a honra de ouvir de outros mais velhos e contemporâneos de meu pai sobre a mesma temática e, compilado tudo isso, parece-me que seria mesmo de considerar uma posição mais séria sobre como realmente as coisas se passaram, sob o risco de se estar a transmitir erros e anacronismos históricos a gerações vindouras. E tudo porque alguns, de tempos em tempos, se colocam em bicos de pés com versões dos factos que mais pretendem agradar a alguém com poder do que enriquecer a nossa História. E eu acredito que não agrada a ninguém dizer-se que foi protagonista disto ou daquilo quando de facto as coisas se passaram de outra maneira.
Confiro o que li e encontro que a fase provavelmente mais rica do Centro, justamente aquela que levou uma vasta camada de negros em Lourenço Marques a frequentar a escola e a ter acesso ao pensamento moderno, através de palestras de gente qualificada, foi inspirada por um jovem de 16 ou 17 anos, olvidando-se o seu próprio presidente, que seria até preso na sequência desse grande movimento nacionalista.
O que já não posso conferir, porém, são as informações dadas por quem, infelizmente perecido, me disse que acompanhou esse mesmo presidente nos contactos pessoais com Zeca Afonso (sim, esse grande cantor, político e filósofo português), Dr. Almeida Santos, Pancho Miranda Guedes, Dr. Sousa Sobrinho, Dr. Adrião Rodrigues, entre vários outros, para que fossem dar aulas no Centro. Assistiu também a carregamentos de livros que gente ilustre oferecia ao Centro, na sequência desses pedidos feitos por um presidente que não consta em nenhuma linha dos dois artigos de Lina.
Pior ainda quando se sabe que o Centro foi justamente fechado por essa actividade intensa do seu presidente, que seria preso pela PIDE, e nunca mais voltaria a ser aberto. Tem alguns custos pessoais dizer isto? Claro que custa, sobretudo quando se pretende evitar conotações políticas com figuras politicamente estigmatizadas num passado ainda fresco. Só que a História não se compadece com os interesses individuais das pessoas; ela é aquilo que foi e não aquilo que nos possa interessar no momento. Escamotear os factos não é só distorcer a História, como também representa uma posição intelectual repugnante.
CORREIO DA MANHÃ(Maputo) - 04.01.2005
Por Luís Loforte