O longo e secreto procedimento moçambicano de apuramento (ver pag. 6) é único e suscitou bastantes críticas dos observadores internacionais.
O antigo Presidente dos EUA Jimmy Cárter disse que estas eram as 53ªs eleições que ele observava, e voltou às eleições de 1999 em Moçambique. Disse que “a quantidade de correcções feitas aos resultados em 1999 excederam tudo o que eu alguma vez testemunhei em eleições semelhantes” e a exclusão de mais de 600 assembleias de voto nesse ano era um facto “extraordinário. É simplesmente difícil acreditar que não pudessem ser usados tantos editais”. Exactamente a mesma coisa aconteceu este ano, com extensas correcções e 600 assembleias de voto excluidas.
Por causa da experiência de 1999, os observadores internacionais dirigidos pela União Europeia fizeram pressão para que houvesse maior transparência. Excepcionalmente, a Missão de Observação da União Europeia nunca assinou um memorando de entendimento com a CNE porque não conseguiram chegar a acordo. Jimmy Cárter salientou que o nível de acesso era inaceitável e que em eleições noutros países “raramente fomos excluidos de qualquer fase importante do processo”.
A CNE defendeu o ponto de que era a lei que proibia um maior acesso. O Observatório Eleitoral apresentou uma opinião jurídica feita por juristas de mérito que dizia que isso não era verdadeiro, mas a CNE nem mesmo recusou ter conhecimento dessa opinião. Jimmy Carter afirmou que simplesmente “não era verdade” que a lei impedisse o acesso.
Em reuniões com observadores e a imprensa a CNE, informalmente, prometeu maior acesso, mas mesmo essas promessas não foram cumpridas. Foi prometido por exemplo que, embora as reuniões da CPE e CNE fossem secretas, as actas finais iriam conter pormenores e explicações das decisões tomadas.
Em vez disso as actas foram curtas e lacónicas.
Da mesma maneira, depois da preocupação de Carter sobre os editais excluidos, foi feita uma promessa que os observadores os podiam ver, mas também esta promessa não foi cumprida. Até o que foi submetido pela CNE ao Conselho Constitucional foi mantido em segredo.
Em parte o secretismo está simplesmente a encobrir coisas deixadas para o último minuto e feitas muitas vezes de modo desleixado. Os cadernos eleitorais nunca foram tornados públicos porque ainda estavam a ser corrigidos e limpos dois dias antes de começar a votação.
Uma lista completa de assembleias de voto e dos seus cadernos eleitorais foi declarada “segredo de estado” mas provavelmente nunca existiu.
As actualizações de última hora no software e muitos erros nas bases de dados resultaram em que as correcções dos editais e do apuramento final foram feitos à pressa e de maneira caótica e pode nem existir um registo completo das mudanças.
COMENTÁRIO: Os moçambicanos alegam muitas vezes o “excepcionalismo” do país – que é muito vasto e muito pobre, as coisas são sempre deixadas para a última hora e por isso estão orgulhosos por as eleições terem corrido tão bem como correram. Mas este ano os observadores internacionais apresentaram uma visão alternativa – de um país que só é único no secretismo, que precisa de fazer correcções de última hora e que não é capaz de fazer bom uso do tempo e do dinheiro de que dispõe.
IN BOLETIM SOBRE O PROCESSO POLÍTICO EM MOÇAMBIQUE, NÚMERO 31
- 29 DE DEZEMBRO DE 2004
IMPARCIAL – 10.01.2005