Por ANA DIAS CORDEIRO
PÚBLICO - 08 de Janeiro de 2005
O procurador-geral de Genebra Daniel Zappelli mandou arquivar o processo que decorria na Suíça contra o comerciante de armas Pierre Falcone. Este estava a ser investigado desde Abril 2002 por alegações de corrupção e de branqueamento de dinheiro no âmbito da negociação da dívida de Angola à Rússia; Falcone era acusado de ter montado uma organização "secreta" entre Genebra, Moscovo e Luanda, com o intuito de se apropriar de receitas ilícitas, provenientes da reestruturação da dívida angolana às autoridades russas.
Em França, num outro processo, Pierre Falcone continua oficialmente a ser alvo de acusações e de um mandado de captura internacional emitido pelo juiz francês Philippe Courroye, no âmbito do caso da venda de armas a Angola, conhecido por "Angolagate". Porém, nos últimos meses, as relações diplomáticas entre Luanda e Paris melhoraram consideravelmente, levando jornalistas dos dois países a admitir que as pressões das autoridades angolanas sobre Paris, com supostas ameaças de Angola não renovar as concessões petrolíferas da francesa Total, estariam a surtir efeito.
O "Semanário Angolense" escreveu em Setembro que Luanda teria recebido garantias do Governo francês de que Falcone não seria perseguido em território francês e de que a sua nomeação para representante de Angola na UNESCO em Paris lhe garantiria imunidade diplomática apesar de ser alvo de um mandado de captura internacional. Essa melhoria das relações explicaria que o embaixador francês Guy Azaïs conseguisse finalmente entregar as credenciais ao Presidente angolano José Eduardo dos Santos, em Agosto último, seis meses depois de ter chegado a Luanda.
Na Suíça, a decisão do procurador-geral Daniel Zappelli põe fim a uma das mais vastas investigações financeiras no país, segundo o jornal suíço "Le Temps" que divulgou na semana passada a notícia. O arquivamento do processo desencadeado há mais de dois anos pelo juiz Daniel Devaud implica a restituição a Luanda do dinheiro depositado em contas suiças, cujas somas se desconhece.
O que se sabe é que Pierre Falcone desempenhou um papel fundamental na negociação para um acordo iniciado em 1996 entre Luanda e Moscovo que resultou na redução significativa da dívida de Angola à Rússia - de cinco mil milhões de dólares para 1,5 mil milhões de dólares. Esse acordo implicava o reembolso imediato de uma tranche de cerca de 774 milhões de dólares, depositada no banco UBS em Genebra, numa conta aberta pela sociedade Abalone, do empresário Pierre Falcone.
Desses 774 milhões, apenas 162 milhões deram entrada no Ministério das Finanças russo, sendo o restante depositado em contas de altos responsáveis de Angola e da Rússia e de intermediários como Pierre Falcone, segundo a investigação. Esse dinheiro esteve congelado até ao início de 2003, altura em que o Tribunal de Justiça do Cantão de Genebra se pronunciou sobre a "legalidade do processo de reestruturação da dívida russa", anulando as decisões e as acusações do juiz Devaud.
No mesmo sentido da decisão do Tribunal de Justiça do Cantão de Genebra, o procurador-geral Zappelli considerou agora que a negociação da redução da dívida não deu lugar a qualquer irregularidade, omitindo porém qualquer referência às transferências de fundos - na ordem dos milhões de dólares - da conta da empresa Abalone no banco UBS de Genebra para altos dignitários angolanos, como ficara comprovado pela investigação do juiz Devaud.
A decisão suíça de restituir os fundos a Luanda é vista como uma vitória para o Presidente José Eduardo dos Santos por uma parte da imprensa angolana. As autoridades suíças manifestaram o desejo que esse dinheiro seja aplicado no desenvolvimento e na reconstrução do país, e esse terá sido um dos pontos do acordo entre os dois países para a restituição do dinheiro, mas organizações não governamentais internacionais, como a britânica Global Witness, já antes tinham alertado para a dificuldade de se saber como esse dinheiro será gerido, uma vez que nem se sabe qual a quantia a ser devolvida.