Conselho Constitucional com legalidade em saco roto
“Por este andar, um dias destes, um juiz qualquer poderá mandar um criminoso em paz se a vítima não morrer, embora a intenção de matar tivesse sido clara” - anónimo
O Conselho Constitucional, alegando não lhe caber iniciativa mas sim e apenas aconselhar sob as matérias que lhe são submetidas, como já era de prever, passou por cima das “irregularidades” e “ilegalidades” por ele próprio constatadas e consideradas imensas, sérias e graves.
Deixou tudo ficar como a Comissão Nacional de Eleições – total e inequivocamente não só partidarizada mas sobretudo frelimizada – já havia deliberado. E, nem sequer se deu ao trabalho de declarar que os editais de resultados das províncias com os respectivos distritos ainda não foram publicados nos lugares de estilo que a Lei Eleitoral obriga; nem que não foram publicados nos órgãos de Comunicação Social como a Lei também obriga. Nem existem apensos à deliberação que proclama válidas as eleições. E um aparte: nem nenhum jornalista as tem ou consegue ter.
Até hoje. Porque, aparentemente pura e simplesmente não existem.
O C.C. não foi capaz de declarar estranho que haja um todo sem haver as partes. Não viu que não pode haver edital de apuramento nacional sem os editais de apuramento provincial.
Estando perante um total de uma operação aritmética que não teve parcelas o C.C. achou tudo muito normal. Para o C.C. não importa que haja um total sem haver parcelas. É uma autentica inovação aritmética, pelos vistos só permissível a instituições de última instância...
A deliberação final do Conselho Constitucional sobre as Eleições Gerais Presidenciais e Legislativas releva o seu conselho, entre outros, para que se proceda à despartidarização da CNE, mas é curioso não ter sido capaz de pedir a sua própria despartidarização provada que está, na prática, a sua indesmentível inutilidade e cumplicidade com a farsa que acima de tudo desvirtua a cidadania. Muito para além dos
interesses imediatos dos concorrentes – que, aliás, o próprio eleitorado rejeitou liminarmente não só através da abstenção como também dos votos em branco que somados dão rejeição a qualquer dos concorrentes por maioria esmagadora e qualificada – muito para além dos interesses imediatos dos concorrentes, dizia, está a Cidadania em que reside a Soberania.
Distracção ou a omissão? A Homens de Bem fica-lhes tremendamente mal!...
Toda a cumplicidade do C.C. é, ao fim e ao cabo, uma inconstitucionalidade “informal” por mera traição à cidadania.
É desonroso para a cidadania termos a zelar pela constitucionalidade de Moçambique um Órgão de soberania que insiste em transportar a legalidade em saco roto.
O próprio Órgão deixou provado que a sua única utilidade é servir para legitimar “irregularidades” e “ilegalidades” graves por ele próprio assim classificadas. Ao alegar que os parâmetros das suas competências estão assim definidos e não lhes permite a reposição da Justiça – com todo o respeito por quem quer mas não pode justificando-se com as leis por que se rege – só nos resta aguardar para ver se os ex-conselheiros e agora (desde que sexta-feira última entrou em vigor a nova Constituição) venerandos juízes conselheiros se remeterão de novo à sua simples
condição de cidadãos e se se juntam àqueles que querem ajudar a construir para Moçambique uma cidadania idónea. Veremos se optam
por se manterem à babuje ficando apenas lançando pedras aos telhados dos vizinhos ou se enveredam pela coerência.
Aguardemos para ver se optarão por demonstrar aos moçambicanos que doutos letrados não podem deixar a cidadania do nosso seu País continuar à mercê de um sistema estruturado para legitimar “ilegalidades” e “irregularidades” através de um órgão que provou a sua inutilidade por sua própria iniciativa.
Se os membros do C.C. nada fizerem para demonstrar que efectivamente se recusam a ser cúmplices de ilegalidades que só podem constatar mas não podem impedir; se não se manifestarem indisponíveis para continuarem a legitimar farsas a menos que urgentemente tudo seja
modificado, estamos falados. Pessoas de tão elevada cultura não precisarão de mais do que a sua própria consciência para concluírem o que porventura ficou por dizer.
Tudo é urgente a partir de já se, de facto, se está nisto de boa fé.
Fernando Veloso – MEDIA FAX – 24.01.2005